terça-feira, 3 de outubro de 2023

Não existe descolonização sem descatequização.

 


Quer contribuir na luta contra a violência que as mulheres sofrem?
Combata a ideologia que diz que elas devem ser submissas ao marido e que é pecado quando elas exercem autonomia
E para a luta contra a violência que pessoas LGBT sofrem?
Combata a religião que ensina que não ser hétero é pecado
Se essa religião ensina que pessoas dissidentes devem ser queimadas no inferno, porque o estranhamento quando quem acredita nisso expulsa os filhos de casa?
Quer contribuir para o fim da destruição das casas de reza indígenas, dos terreiros de matriz afro?
Combata a religião que diz que existe só um deus verdadeiro e que todos os demais devem ser destruídos
Por que não vemos povos de terreiro queimando casas de reza indígenas e vice-versa?
Porque nossas cosmogonias não nos orientam a isso, não somos monoteístas, admitimos a concomitância sem tentar destruí-la
Quando os colonizadores perguntavam aos papas quais territórios poderiam invadir, as bulas papais respondiam: podem escravizar os povos “inimigos de Cristo”, os bárbaros/selvagens
Até quando vão defender que é apenas o fã-clube que estraga?
Se sua Bíblia diz que os deuses “falsos” devem ser destruídos, porque se surpreendem quando os fiéis destroem os templos alheios?
Se você é cristão e discorda disso, você é exceção e é um exemplo de desobediência ao principal fundamento do cristianismo que é o monoteísmo
Se tirar o monoteísmo, a culpa, a punição, a salvação, o pecado, o céu e o inferno do cristianismo, o que sobra? Porque insistir em ressignificar a religião dos colonizadores?
Enquanto continuarem achando que “no fundo” o cristianismo é bom, irão continuar atualizando-o
Jesus dizia: sou o único caminho, a única verdade e a vida e que “quem não cresse e fosse batizado já estaria condenado ao inferno” - onde está a incoerência dos cristãos que seguem este ensinamento queimando nossas casas de reza e nossos anciãos?
Não precisamos de “mais amor” cristão, precisamos de menos.
Como “respeitar” uma fé que nos desrespeita?
Em 1500 os cristãos inventaram o pecado do nomadismo, hoje votam o Marco Temporal contra nós, o pecado crime
Se cristianismo fosse bom não precisava de inferno.

(Parte I) Oie, pessoal, obrigada pela leitura e pelos comentários! A partir do que alguns de vocês trouxeram vou comentar alguns pontos principais.
1) A questão da tradução: sim, as disputas e transformações sobre os sentidos e significados dos textos bíblicos são históricas. Meu trabalho de pesquisa não têm o propósito de ir neste sentido, não é a minha área (recomendo para isso o trabalho fabuloso da @angelanatel). Peço apenas que cogitem o seguinte: porque só se levanta a questão dos “erros de tradução” nas partes violentas dos textos bíblicos? Porque não dizem: essa parte do amor ao próximo é erro de tradução. Me parece muito arbitrário e conveniente o modo como esse argumento costuma ser utilizado. A Bíblia como é utilizada no Brasil é o principal discurso contra a homossexualidade e outras dissidências de gênero. Isso é inegável. Curiosamente, os erros de tradução nunca falaram que heterossexuais devem ser queimados no inferno, sempre foi direcionado a nossas comunidades. Em vez de querer perdão e amor desse deus talvez possamos apostar em nossa autonomia para além dessa disputa de ingresso nessa ideologia.
2- Falar em cristofobia aqui em nosso território é como achar que existe heterofobia e brancofobia. Se quando dissemos que temos o direito a ter nossas espiritualidades vocês entendem como um ataque, como “ o sonho do oprimido virar opressor”, isso revela muito sobre a defesa da hegemonia. Nossos povos não têm como sonho converter os outros a nossa perspectiva, isso é o sonho do colonizador. Insinuar que “estamos fazendo a mesma coisa” quando lutamos contra a monocultura e pelo direito à diversidade é perverso é desonesto.
3- “Mas a maioria do Brasil é cristã”: se a maioria do Brasil acredita no capitalismo isso é motivo para incentivarmos essa crença? Justamente por estar tão alastrada essa monocultura que é preciso que haja um esforço coletivo contra sua continuidade.
4- Dar exemplos de pessoas cristãs que são boas pessoas é responder um argumento que eu não trouxe. Como disse, se há cristãos que não seguem o que o cristianismo prega, são exemplos de exceções que só reforçam a regra.

(Parte II)
5- “Jesus andava com prostitutas e homossexuais”: ele diz à Maria Madalena “vai e não peques mais”, ele considerava uma pecadora e queria que ela se arrependesse do seu “pecado”. “Que atire a primeira pedra quem nunca pecou” é uma fala sobre hipocrisia, não sobre não considerar pecado o adultério.
6- Eu estudo este tema há literalmente décadas, dizer que eu afirmo o que afirmo porque não conheço ou não estudei o suficiente é racismo, é misoginia. É a dificuldade de entender que alguém pode não ser catequizado mesmo que conheça profundamente a palavra desse deus.
Obrigada novamente pela leitura! Por aqui vocês não vão encontrar defesa de nenhuma versão do cristianismo, pois o próprio sincretismo não foi resultado de uma troca consensual mas de uma violência brutal.
Para quem quer ler defesa de cristianismo, há muita, mas muita gente fazendo isso, eu não sou uma delas.

Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s


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Não existe descolonização sem descatequização.

 


Quer contribuir na luta contra a violência que as mulheres sofrem?
Combata a ideologia que diz que elas devem ser submissas ao marido e que é pecado quando elas exercem autonomia
E para a luta contra a violência que pessoas LGBT sofrem?
Combata a religião que ensina que não ser hétero é pecado
Se essa religião ensina que pessoas dissidentes devem ser queimadas no inferno, porque o estranhamento quando quem acredita nisso expulsa os filhos de casa?
Quer contribuir para o fim da destruição das casas de reza indígenas, dos terreiros de matriz afro?
Combata a religião que diz que existe só um deus verdadeiro e que todos os demais devem ser destruídos
Por que não vemos povos de terreiro queimando casas de reza indígenas e vice-versa?
Porque nossas cosmogonias não nos orientam a isso, não somos monoteístas, admitimos a concomitância sem tentar destruí-la
Quando os colonizadores perguntavam aos papas quais territórios poderiam invadir, as bulas papais respondiam: podem escravizar os povos “inimigos de Cristo”, os bárbaros/selvagens
Até quando vão defender que é apenas o fã-clube que estraga?
Se sua Bíblia diz que os deuses “falsos” devem ser destruídos, porque se surpreendem quando os fiéis destroem os templos alheios?
Se você é cristão e discorda disso, você é exceção e é um exemplo de desobediência ao principal fundamento do cristianismo que é o monoteísmo
Se tirar o monoteísmo, a culpa, a punição, a salvação, o pecado, o céu e o inferno do cristianismo, o que sobra? Porque insistir em ressignificar a religião dos colonizadores?
Enquanto continuarem achando que “no fundo” o cristianismo é bom, irão continuar atualizando-o
Jesus dizia: sou o único caminho, a única verdade e a vida e que “quem não cresse e fosse batizado já estaria condenado ao inferno” - onde está a incoerência dos cristãos que seguem este ensinamento queimando nossas casas de reza e nossos anciãos?
Não precisamos de “mais amor” cristão, precisamos de menos.
Como “respeitar” uma fé que nos desrespeita?
Em 1500 os cristãos inventaram o pecado do nomadismo, hoje votam o Marco Temporal contra nós, o pecado crime
Se cristianismo fosse bom não precisava de inferno.

(Parte I) Oie, pessoal, obrigada pela leitura e pelos comentários! A partir do que alguns de vocês trouxeram vou comentar alguns pontos principais.
1) A questão da tradução: sim, as disputas e transformações sobre os sentidos e significados dos textos bíblicos são históricas. Meu trabalho de pesquisa não têm o propósito de ir neste sentido, não é a minha área (recomendo para isso o trabalho fabuloso da @angelanatel). Peço apenas que cogitem o seguinte: porque só se levanta a questão dos “erros de tradução” nas partes violentas dos textos bíblicos? Porque não dizem: essa parte do amor ao próximo é erro de tradução. Me parece muito arbitrário e conveniente o modo como esse argumento costuma ser utilizado. A Bíblia como é utilizada no Brasil é o principal discurso contra a homossexualidade e outras dissidências de gênero. Isso é inegável. Curiosamente, os erros de tradução nunca falaram que heterossexuais devem ser queimados no inferno, sempre foi direcionado a nossas comunidades. Em vez de querer perdão e amor desse deus talvez possamos apostar em nossa autonomia para além dessa disputa de ingresso nessa ideologia.
2- Falar em cristofobia aqui em nosso território é como achar que existe heterofobia e brancofobia. Se quando dissemos que temos o direito a ter nossas espiritualidades vocês entendem como um ataque, como “ o sonho do oprimido virar opressor”, isso revela muito sobre a defesa da hegemonia. Nossos povos não têm como sonho converter os outros a nossa perspectiva, isso é o sonho do colonizador. Insinuar que “estamos fazendo a mesma coisa” quando lutamos contra a monocultura e pelo direito à diversidade é perverso é desonesto.
3- “Mas a maioria do Brasil é cristã”: se a maioria do Brasil acredita no capitalismo isso é motivo para incentivarmos essa crença? Justamente por estar tão alastrada essa monocultura que é preciso que haja um esforço coletivo contra sua continuidade.
4- Dar exemplos de pessoas cristãs que são boas pessoas é responder um argumento que eu não trouxe. Como disse, se há cristãos que não seguem o que o cristianismo prega, são exemplos de exceções que só reforçam a regra.

(Parte II)
5- “Jesus andava com prostitutas e homossexuais”: ele diz à Maria Madalena “vai e não peques mais”, ele considerava uma pecadora e queria que ela se arrependesse do seu “pecado”. “Que atire a primeira pedra quem nunca pecou” é uma fala sobre hipocrisia, não sobre não considerar pecado o adultério.
6- Eu estudo este tema há literalmente décadas, dizer que eu afirmo o que afirmo porque não conheço ou não estudei o suficiente é racismo, é misoginia. É a dificuldade de entender que alguém pode não ser catequizado mesmo que conheça profundamente a palavra desse deus.
Obrigada novamente pela leitura! Por aqui vocês não vão encontrar defesa de nenhuma versão do cristianismo, pois o próprio sincretismo não foi resultado de uma troca consensual mas de uma violência brutal.
Para quem quer ler defesa de cristianismo, há muita, mas muita gente fazendo isso, eu não sou uma delas.

Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s