sábado, 14 de novembro de 2015

Lama e sangue

Mar de lama.
Mar de sangue.
...pedindo água
...pedindo paz
numa busca incansável pela vida.
Estamos vivos
nadando em lama
corrupção e violência.
Choramos sangue
esgotando nossas forças
contra um muro de intolerância.
É muito descaso e pouco recurso
é muita etiqueta e pouca clemência.
Usam as tragédias para defender pontos de vista,
é lamentável.
Estamos mortos
em nossas cosmovisões.
Somos um mar de sujos
condenando os mal lavados.
Usamos o sangue alheio para nos promover.
É pouca compaixão e humanidade
para quem se diz tão humano.
É muita dicotomia
para um mundo de iguais.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O HOMEM QUE CAMINHA


Kafka, Giacometti e Beckett. 

Um século depois da primeira publicação de A Metamorfose, de Kafka, a gente se pergunta: no que nos transformamos, nos transmutamos, nesses últimos cem anos?

Kafka ignora tanto Darwin quanto a ideologia do progresso ou qualquer outra utopia global. O mundo estava em guerra. E não era qualquer guerra. Sua Checoslováquia ainda estava sob o domínio do império Austro-Húngaro e era um daqueles imbróglios nacionalistas criados ainda em fins do século XIX e que ainda dão dor de cabeça ao mundo de hoje.

Mas em que nos transformamos? Que fizemos de nós depois de Gregor Samsa?

Kafka não viveu para ver o nazismo. Nem mesmo sua prodigiosa mente poderia supor do que homem era capaz. Gregor, misteriosamente, se metamorfoseou em um grande inseto, uma barata talvez. Hitler memorfoseou os judeus em ratos. Kafka não viu a Segunda Guerra Mundial. Beckett viu. Viu e deixou a todos Esperando Godot.

O pesadelo de Beckett é nos transformarmos em baratas sem nos metamorfosearmos em baratas, o que é pior. A barata para a barata não causa nenhum asco. Asco é sentirmo-nos baratas ainda que humanos. Do alto de nossa presunção, nem nos damos conta do asco que devemos provocar às baratas.

Kafka não viveu para ver a bomba atômica. Havia baratas também em Hiroshima e Nagasaki. E humanos. As baratas sobreviveram ao Little Boy do B-29 de quem dona Enola Gay deve ter dito: "meu garoto!". As baratas e Kokura. Essa, graças ao "sabe-se la por quê" céu nublado daquela manhã de agosto de 1945.

Entre mortos e feridos, o homem sobreviveu. Metamorfoseado, é verdade. "Depois de Auschwitz, a poesia não tem mais sentido", sentenciou o baratizado Theodor Adorno. O melhor retrato desse homem quem fez foi o ítalo-suíço Giacometti. Giacometti é de chorar. Seu homem é um errante, da bitola da estreiteza de seu caminho. Ele não mais olha para os lados. Não mais se dá o direito a distrações. É um esboço mal feito do 'homo sapiens'. Seu "Homem Que Caminha", símbolo da humanidade, é um tapa na cara do renascentista Davi de Michelângelo.

Mas Giacometti, apesar de tudo, era um otimista. Seu "homem" ainda está de pé. E caminha. Ainda há chão e futuro. Não era, claro, o mesmo chão do nipo-americano Fukuyama e sua crença no triunfo da "idéia ocidental". Tanto as alternativas soviéticas como também as democracias liberais se exauriram. A atual crise dos refugiados, mais que uma crise humanitária, é uma crise da humanidade. Desde o homo Erectus, o homem é um refugiado.

E o "Homem Que Caminha" anda. Como um hebreu. Quem o vê, vê um misto de certeza e dúvida, de desespero e esperança, de equilíbrio e instabilidade. É a imagem icônica representativa do Eterno Retorno de Nietzsche. É o enlameado Adão do Gênesis, um dia expulso do paraíso, voltando para casa, que não é mais, imagina, a caverna de Platão.

Giacometti e Kafka podem dizer com Beckett "não tenho nada para dizer, mas só eu sei dizer isso". Ou com Cage, "não tenho nada para dizer e esta é a poesia de que necessito". O fato é que a gente caminha, como se soubesse para onde, mas caminha. Ladeados por nossos pares, reinventando o sentido da vida, amando e sendo amados, caminhamos. E paradoxalmente sabendo, como Gandhi, que "não há caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho".

"O Homem Que Caminha" não pega atalhos, nem foge à vida.

Dilson Cunha
01.11.15

fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=810466242395539&set=a.419744141467753.1073741834.100002965120447&type=3&theater


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Quando um discurso mudou o curso de uma nação.

"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação. Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros. 
Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação. Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição. 
De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes". Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. 
Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia. Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus. Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. 
Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora estará contente, terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre . Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. 
Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só. E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, "Quando vocês estarão satisfeitos?" Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza. Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. 
Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero. Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. 
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta. Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. 
Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado. "Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!" E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro. E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire. Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York. Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania. 
Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado. Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia. Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee. Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi. Em todas as montanhas, ouviu o sino da liberdade. E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro: "Livre afinal, livre afinal. Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal." 

 Martin Luther King Jr. 28 de Agosto de1963

domingo, 1 de novembro de 2015

Sobre os supostos nazismo e pedofilia de Simone de Beauvoir


Embora qualquer pessoa que tenha lido seus livros e conheça minimamente fatos de sua vida saiba que ela não era nazista, algumas pessoas que tentam defender essa acusação dizem que ela trabalhou na Rádio Vichy, que era nazista ou fazia propaganda nazista. Bem, considerando-se que ela vivia na França ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (Paris estava sob ocupação alemã), e que todos os meios de comunicação estavam sob censura alemã e veiculavam propaganda alemã, é o tipo de acusação, no mínimo, ingênua, para não dizer historicamente desinformada.

Qualquer texto sobre a ocupação nazista na França irá mostra a situação paradoxal e complicada em que o país se encontrava durante a guerra. (Recomendo a esse respeito, para uma percepção bastante interessante de como a ocupação afetava a vida cotidiana das pessoas, sua necessidade de trabalhar e sobreviver, o seriado francês "Um village français").

Beauvoir trabalhava na rádio fazendo pesquisas para um programa de história (ela não era diretora da rádio e qualquer fonte que afirme isso é equivocada ou claramente mal-intencionada). O conhecimento adquirido nessas pesquisas, inclusive, foram posteriormente utilizados por ela para escrever "Todos os homens são mortais" (Tous les hommes sont mortels), um belo romance em que, entre outras coisas, ela critica a indiferença em relação a outros seres humanos) e "As bocas inúteis" (Les bouches inutiles), única peça de teatro da autora que, inclusive, é uma crítica aos regimes de exceção, totalitários e criminosos como o nazismo. Beauvoir também teve uma participação discreta na resistência francesa, e detalhes sobre isso podem ser encontrados em suas memórias, especialmente "A força das coisas".

2 – Sobre a suposta pedofilia de Beauvoir

Simone de Beauvoir foi processada por “corrupção de menor” pelos pais de uma de suas alunas, Bianca Bienenfeld, então com 17 anos. O processo por “corrupção de menor” é um processo que se referia então, nos anos 1940, à maioridade civil e implica em exercer influência sobre a pessoa que ainda não atingiu sua maioridade civil. Essa influência pode, mas não necessariamente está ligada ao relacionamento sexual. Um relacionamento com uma jovem de 17 anos não constitui pedofilia, nem constituía na época, quando a maioridade civil na França era adquirida os 18 anos, e a maioridade sexual, aos 13 anos. A maioridade sexual é a idade em que se considera que as pessoas possuem maturidade para envolver-se sexualmente desde que o relacionamento seja consensual.

Além disso, é importante lembrar que a maioridade sexual implica também a possibilidade de realização de casamentos. Na França, a idade da maioridade penal era de 11 anos entre 1832 e 1863; de 13 anos entre 1963 e 1945 e de 15 anos até hoje, a partir de 1945.

Nos anos 1970, houve uma discussão muito intensa na França para que essa idade fosse reduzida para 13 anos, o que não aconteceu.

***

Sempre que alguém se destaca na luta por direitos humanos, surgem os detratores tentando minar sua credibilidade. O que os move é o interesse que as coisas continuem exatamente como são. Foi assim com Luther King, acusado de ser um devasso, dado a orgias, com Gandhi, acusado de ser um pervertido, que embora casado, mantinha relações homossexuais, e tantos outros. Nem Madre Teresa de Calcutá foi poupada desta onda de ódio. Há quem diga que além de ter um gênio intragável, ela era literalmente endemoniada. Obviamente, nem um deste vultos históricos era perfeito. Se buscarmos em suas biografias, encontraremos falhas, como encontramos nos personagens bíblicos. Já reparou que as Escrituras não varrem para debaixo do tapete as tropeçadas de seus mais proeminentes personagens? Para nós, cristãos, o único perfeito foi Jesus Cristo. Porém, as falhas destes homens e mulheres que lutaram por um mundo melhor não podem ofuscar suas virtudes e o legado deixado para as próximas gerações. Por isso, prefiro estar entre os que realçam suas qualidades e não suas vicissitudes.


fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10207014133487690&set=a.1293610696268.45089.1110320268&type=3&theater

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Lama e sangue

Mar de lama.
Mar de sangue.
...pedindo água
...pedindo paz
numa busca incansável pela vida.
Estamos vivos
nadando em lama
corrupção e violência.
Choramos sangue
esgotando nossas forças
contra um muro de intolerância.
É muito descaso e pouco recurso
é muita etiqueta e pouca clemência.
Usam as tragédias para defender pontos de vista,
é lamentável.
Estamos mortos
em nossas cosmovisões.
Somos um mar de sujos
condenando os mal lavados.
Usamos o sangue alheio para nos promover.
É pouca compaixão e humanidade
para quem se diz tão humano.
É muita dicotomia
para um mundo de iguais.

Hermes C. Fernandes: O lado negro da força

Hermes C. Fernandes: O lado negro da força: Por Hermes C. Fernandes Vira e mexe, presenciamos um surto racista inundando as redes sociais. Meses atrás o tempo fechou par...

O HOMEM QUE CAMINHA


Kafka, Giacometti e Beckett. 

Um século depois da primeira publicação de A Metamorfose, de Kafka, a gente se pergunta: no que nos transformamos, nos transmutamos, nesses últimos cem anos?

Kafka ignora tanto Darwin quanto a ideologia do progresso ou qualquer outra utopia global. O mundo estava em guerra. E não era qualquer guerra. Sua Checoslováquia ainda estava sob o domínio do império Austro-Húngaro e era um daqueles imbróglios nacionalistas criados ainda em fins do século XIX e que ainda dão dor de cabeça ao mundo de hoje.

Mas em que nos transformamos? Que fizemos de nós depois de Gregor Samsa?

Kafka não viveu para ver o nazismo. Nem mesmo sua prodigiosa mente poderia supor do que homem era capaz. Gregor, misteriosamente, se metamorfoseou em um grande inseto, uma barata talvez. Hitler memorfoseou os judeus em ratos. Kafka não viu a Segunda Guerra Mundial. Beckett viu. Viu e deixou a todos Esperando Godot.

O pesadelo de Beckett é nos transformarmos em baratas sem nos metamorfosearmos em baratas, o que é pior. A barata para a barata não causa nenhum asco. Asco é sentirmo-nos baratas ainda que humanos. Do alto de nossa presunção, nem nos damos conta do asco que devemos provocar às baratas.

Kafka não viveu para ver a bomba atômica. Havia baratas também em Hiroshima e Nagasaki. E humanos. As baratas sobreviveram ao Little Boy do B-29 de quem dona Enola Gay deve ter dito: "meu garoto!". As baratas e Kokura. Essa, graças ao "sabe-se la por quê" céu nublado daquela manhã de agosto de 1945.

Entre mortos e feridos, o homem sobreviveu. Metamorfoseado, é verdade. "Depois de Auschwitz, a poesia não tem mais sentido", sentenciou o baratizado Theodor Adorno. O melhor retrato desse homem quem fez foi o ítalo-suíço Giacometti. Giacometti é de chorar. Seu homem é um errante, da bitola da estreiteza de seu caminho. Ele não mais olha para os lados. Não mais se dá o direito a distrações. É um esboço mal feito do 'homo sapiens'. Seu "Homem Que Caminha", símbolo da humanidade, é um tapa na cara do renascentista Davi de Michelângelo.

Mas Giacometti, apesar de tudo, era um otimista. Seu "homem" ainda está de pé. E caminha. Ainda há chão e futuro. Não era, claro, o mesmo chão do nipo-americano Fukuyama e sua crença no triunfo da "idéia ocidental". Tanto as alternativas soviéticas como também as democracias liberais se exauriram. A atual crise dos refugiados, mais que uma crise humanitária, é uma crise da humanidade. Desde o homo Erectus, o homem é um refugiado.

E o "Homem Que Caminha" anda. Como um hebreu. Quem o vê, vê um misto de certeza e dúvida, de desespero e esperança, de equilíbrio e instabilidade. É a imagem icônica representativa do Eterno Retorno de Nietzsche. É o enlameado Adão do Gênesis, um dia expulso do paraíso, voltando para casa, que não é mais, imagina, a caverna de Platão.

Giacometti e Kafka podem dizer com Beckett "não tenho nada para dizer, mas só eu sei dizer isso". Ou com Cage, "não tenho nada para dizer e esta é a poesia de que necessito". O fato é que a gente caminha, como se soubesse para onde, mas caminha. Ladeados por nossos pares, reinventando o sentido da vida, amando e sendo amados, caminhamos. E paradoxalmente sabendo, como Gandhi, que "não há caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho".

"O Homem Que Caminha" não pega atalhos, nem foge à vida.

Dilson Cunha
01.11.15

fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=810466242395539&set=a.419744141467753.1073741834.100002965120447&type=3&theater


Quando um discurso mudou o curso de uma nação.

"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação. Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros. 
Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação. Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição. 
De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes". Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. 
Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia. Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus. Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. 
Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora estará contente, terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre . Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. 
Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só. E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, "Quando vocês estarão satisfeitos?" Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza. Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. 
Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero. Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. 
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta. Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. 
Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado. "Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!" E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro. E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire. Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York. Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania. 
Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado. Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia. Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee. Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi. Em todas as montanhas, ouviu o sino da liberdade. E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro: "Livre afinal, livre afinal. Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal." 

 Martin Luther King Jr. 28 de Agosto de1963

Sobre os supostos nazismo e pedofilia de Simone de Beauvoir


Embora qualquer pessoa que tenha lido seus livros e conheça minimamente fatos de sua vida saiba que ela não era nazista, algumas pessoas que tentam defender essa acusação dizem que ela trabalhou na Rádio Vichy, que era nazista ou fazia propaganda nazista. Bem, considerando-se que ela vivia na França ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (Paris estava sob ocupação alemã), e que todos os meios de comunicação estavam sob censura alemã e veiculavam propaganda alemã, é o tipo de acusação, no mínimo, ingênua, para não dizer historicamente desinformada.

Qualquer texto sobre a ocupação nazista na França irá mostra a situação paradoxal e complicada em que o país se encontrava durante a guerra. (Recomendo a esse respeito, para uma percepção bastante interessante de como a ocupação afetava a vida cotidiana das pessoas, sua necessidade de trabalhar e sobreviver, o seriado francês "Um village français").

Beauvoir trabalhava na rádio fazendo pesquisas para um programa de história (ela não era diretora da rádio e qualquer fonte que afirme isso é equivocada ou claramente mal-intencionada). O conhecimento adquirido nessas pesquisas, inclusive, foram posteriormente utilizados por ela para escrever "Todos os homens são mortais" (Tous les hommes sont mortels), um belo romance em que, entre outras coisas, ela critica a indiferença em relação a outros seres humanos) e "As bocas inúteis" (Les bouches inutiles), única peça de teatro da autora que, inclusive, é uma crítica aos regimes de exceção, totalitários e criminosos como o nazismo. Beauvoir também teve uma participação discreta na resistência francesa, e detalhes sobre isso podem ser encontrados em suas memórias, especialmente "A força das coisas".

2 – Sobre a suposta pedofilia de Beauvoir

Simone de Beauvoir foi processada por “corrupção de menor” pelos pais de uma de suas alunas, Bianca Bienenfeld, então com 17 anos. O processo por “corrupção de menor” é um processo que se referia então, nos anos 1940, à maioridade civil e implica em exercer influência sobre a pessoa que ainda não atingiu sua maioridade civil. Essa influência pode, mas não necessariamente está ligada ao relacionamento sexual. Um relacionamento com uma jovem de 17 anos não constitui pedofilia, nem constituía na época, quando a maioridade civil na França era adquirida os 18 anos, e a maioridade sexual, aos 13 anos. A maioridade sexual é a idade em que se considera que as pessoas possuem maturidade para envolver-se sexualmente desde que o relacionamento seja consensual.

Além disso, é importante lembrar que a maioridade sexual implica também a possibilidade de realização de casamentos. Na França, a idade da maioridade penal era de 11 anos entre 1832 e 1863; de 13 anos entre 1963 e 1945 e de 15 anos até hoje, a partir de 1945.

Nos anos 1970, houve uma discussão muito intensa na França para que essa idade fosse reduzida para 13 anos, o que não aconteceu.

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Sempre que alguém se destaca na luta por direitos humanos, surgem os detratores tentando minar sua credibilidade. O que os move é o interesse que as coisas continuem exatamente como são. Foi assim com Luther King, acusado de ser um devasso, dado a orgias, com Gandhi, acusado de ser um pervertido, que embora casado, mantinha relações homossexuais, e tantos outros. Nem Madre Teresa de Calcutá foi poupada desta onda de ódio. Há quem diga que além de ter um gênio intragável, ela era literalmente endemoniada. Obviamente, nem um deste vultos históricos era perfeito. Se buscarmos em suas biografias, encontraremos falhas, como encontramos nos personagens bíblicos. Já reparou que as Escrituras não varrem para debaixo do tapete as tropeçadas de seus mais proeminentes personagens? Para nós, cristãos, o único perfeito foi Jesus Cristo. Porém, as falhas destes homens e mulheres que lutaram por um mundo melhor não podem ofuscar suas virtudes e o legado deixado para as próximas gerações. Por isso, prefiro estar entre os que realçam suas qualidades e não suas vicissitudes.


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