quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Leitura da semana: “O homem e as pedras que gritavam”, de Ignácio de Loy...

Romanos 13


Você pode interpretar o texto bíblico de Romanos 13 pelo menos de duas maneiras. A primeira é acreditar que o apóstolo Paulo está afirmando que devemos nos submeter às autoridades civis, quaisquer que sejam elas, porque todas foram ordenadas por Deus. Nesse caso, obedecer governantes como Lenin, Mussolini ou Hitler, Lula ou Dilma, Maduro, Erdogan ou Putin, Trump ou Bolsonaro, equivale a obedecer a Deus. A segunda interpretação de Romanos 13 compreende que justamente porque foram ordenadas por Deus, as autoridades civis agem por delegação e, portanto, não têm permissão de fazer o que bem entenderem, e sua legitimidade depende de sua fidelidade à vontade de Deus, que lhes deu não apenas autorização para governar como também os termos do seu governo. Parece bem razoável que a segunda interpretação é a correta. Por essa razão as parteiras do Egito desobedeceram o Faraó que ordenou a morte das crianças descendentes dos hebreus, Daniel desobedeceu Nabucodonozor, o rei da Babilônia que exigia adoração à sua imagem, e José fugiu de Israel para preservar a vida do menino Jesus quando o rei Herodes mandou matar todos os meninos com menos de dois anos de idade em Belém. Quando proibidos pelas autoridades judaicas de testemunhar a ressurreição de Jesus, os apóstolos Pedro e João foram enfáticos em afirmar que “mais importa obedecer a Deus que aos homens”. A fidelidade a Deus é o critério para a obediência e submissão às autoridades civis.
#Repost @edrenekivitz via Instagram

Eu tenho um sonho...

De Eduardo Galeano, em Os filhos dos dias. Muito obrigada, @leonardo.graeff.trindade por compartilhar essa pérola nesse dia.
Precisamos pensar e repensar nossa teologia, porque não há construção teológica dissociada de um contexto sócio/político/histórico, sem uma base filosófica, criada no ar, a partir de nada.
Se uma teologia, como resposta e construção de fé, não dialoga com a realidade da sociedade, não serve para nada, não serve a ninguém além de si mesma.
Precisamos, de forma urgente, fazer teologia para a vida, voltada para sua essência - relacionamento. O Outro e o outro são alvos do nosso amor e respeito, são alvos da nossa teologia.
É preciso alertar: Se o objetivo for desenvolvimento econômico acima dos demais valores, vidas serão ceifadas e nossa teologia está comprometida.
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#teologia #theology #relacionamento #martinlutherking #eduardogaleano

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Cafonas

BANDO DE CAFONAS (coluna póstuma de Fernanda Young, que será publicada amanhã, dia 26, no Globo)

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.

O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.

O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.

A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.

O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.

Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

NÃO QUERO MAIS SER EVANGÉLICO


Ser evangélico, pelo menos no Brasil, não significa mais ser praticante e pregador do Evangelho (Boas Novas) de Jesus Cristo, mas, a condição de membro de um segmento do Cristianismo, com cada vez menor relacionamento histórico com a Reforma Protestante – o segmento mais complicado, controverso, dividido e contraditório do Cristianismo. O significado de ser pastor evangélico, então, é melhor nem falar, para não incorrer no risco de ser grosseiro.
Não quero mais ser evangélico! Quero voltar para Jesus Cristo, para a boa notícia que Ele é e ensinou. Voltemos a ser adoradores do Pai porque, segundo Jesus, são estes os que o Pai procura e, não, por mão de obra especializada ou por “profissionais da fé”. Voltemos à consciência de que o Caminho, a Verdade e a Vida é uma Pessoa e não um corpo de doutrinas e/ou tradições, nascidas da tentativa de dissecarmos Deus; de que, estar no caminho, conhecer a verdade e desfrutar a vida é relacionar-se intensamente com essa Pessoa: Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho do Deus vivo. Quero os dogmas que nascem desse encontro: uma leitura bíblica que nos faça ver Jesus Cristo e não uma leitura bibliólatra. Não quero a espiritualidade que se sustenta em prodígios, no mínimo discutíveis, e sim, a que se manifesta no caráter.
Chega dessa “diabose”! Voltemos à graça, à centralidade da cruz, onde tudo foi consumado. Voltemos à consciência de que fomos achados por Ele, que começou em cada filho Seu algo que vai completar: voltemos às orações e jejuns, não como fruto de obrigação ou moeda de troca, mas, como namoro apaixonado com o Ser amado da alma resgatada.
Voltemos ao amor, à convicção de que ser cristão é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos: voltemos aos irmãos, não como membros de um sindicato, de um clube, ou de uma sociedade anônima, mas, como membros do corpo de Cristo. Quero relacionar-me com eles como as crianças relacionam-se com os que as alimentam – em profundo amor e senso de dependência: quero voltar a ser guardião de meu irmão e não seu juiz. Voltemos ao amor que agasalha no frio, assiste na dor, dessedenta na sede, alimenta na fome, que reparte, que não usa o pronome “meu”, mas, o pronome “nosso”.
Para que os títulos: “pastor”, “reverendo”, “bispo”, “apóstolo”, o que eles significam, se todos são sacerdotes? Quero voltar a ser leigo! Para que o clericalismo? Voltemos, ao sermos servos uns dos outros aos dons do corpo que correm soltos e dão o tom litúrgico da reunião dos santos; ao, “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu lá estarei” de Mateus 18.20. Que o culto seja do povo e não dos dirigentes – chega de show! Voltemos aos presbíteros e diáconos, não como títulos, mas, como função: os que, sob unção da igreja local, cuidam da ministração da Palavra, da vida de oração da comunidade e para que ninguém tenha necessidade, seja material, espiritual ou social. Chega de ministérios megalômanos onde o povo de Deus é mão de obra ou massa de manobra!
Para que os templos, o institucionalismo, o denominacionalismo? Voltemos às catacumbas, à igreja local. Por que o pulpitocentrismo? Voltemos ao “instruí-vos uns aos outros” (Cl 3. 16).
Por que a pressão pelo crescimento? Jesus Cristo não nos ordenou a sermos uma Igreja que cresce, mas, uma Igreja que aparece: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. “(Mt 5.16). Vamos anunciar com nossa vida, serviço e palavras “todo o Evangelho ao homem… a todos os homens”. Deixemos o crescimento para o Espírito Santo que “acrescenta dia a dia os que haverão de ser salvos”, sem adulterar a mensagem.
By Ariovaldo Santos Ariovaldo Ramos
Fonte: Blog Vida e Missão.
De 1 ano atrás...
Hoje faz mais sentido do que antes...
Bom dia!
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Via Max Cassin

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Michael Löwy | A ética católica e o espírito do anticapitalismo | Max We...

Legião Urbana - Perfeição







Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada Fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição

Source: LyricFind
Songwriters: Dado Villa-Lobos / Marcelo Augusto Bonfa / Renato Russo
Perfeição lyrics © Sony/ATV Music Publishing LLC

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

OS PERIGOS DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ PARA O EVANGELHO

por CAIO PERES

(Não se assuste com o título ou com a imagem. A provocação é quase humorística e não tem o objetivo de denigrir pessoas, igrejas, denominações ou organizações evangélicas. Só leve o título e a imagem tão a sério na proporção que levar o texto inteiro a sério. Para quem me conhece, sabe que me esforço para não ser meramente desconstrucionista. Tenha paciência e você verá que a partir do quinto parágrafo esse texto, apesar do título, é construtivo.)
Eu me comprometi com a vida de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social em 2006. Desde então comecei a pensar sobre essas questões teologicamente. De lá para cá venho amadurecendo muito minhas idéias sobre o que Deus e o evangelho têm a ver com as questões da vida humana em sua experiência mais miserável e sofrida. Como convivo no meio evangélico, devo dizer que a maioria dos pastores se importa pouco com essas questões, sempre priorizando a relação das pessoas com Deus e a manutenção de sua própria igreja. Também vejo, ainda com mais perplexidade, os líderes intelectuais evangélicos reformados mais populares sempre convidando aqueles que os ouvem e lêem a terem cuidado com teologias e práticas missionárias que enfatizam a justiça no âmbito social, econômico e ecológico. Um reflexo disso pode ser visto, por exemplo, no título de uma conferência norte-americana que promove diversos figurões evangélicos reformados como Mark Dever, Paul Washer e John Piper. O título era “Os Perigos da Justiça Social para o Evangelho” (daí o título deste texto).
O ponto central dessa discussão está no que se entende pelo evangelho. Para os evangélicos reformados, o evangelho é o perdão de pecados, pela morte de Jesus, que nos justificou, e assim nos reconcilia com Deus. Tudo isso, então, é aplicado a nós se tão somente crermos pela fé. Não entram nessa equação questões sociais, econômicas e ecológicas. Todas essas questões são resolvidas a partir do problema espiritual que está por trás disso tudo, ou seja, o pecado de cada indivíduo. É por isso que eles vêem perigo quando essas questões ganham importância na construção teológica e na prática missionária, pois isso não “resolve” o problema. Eles reconhecem o valor e praticam atos de justiça e misericórdia, promovem e se envolvem com projetos e missões aos menos favorecidos da sociedade, mas não vêem nisso um avanço do evangelho a não ser que o propósito e o resultado final dessas ações seja a conversão de indivíduos que se arrependem, são justificados por Deus e reconciliados com ele. Essas ações são boas, mas não são o evangelho; elas fazem parte de uma vida cristã de santidade e discipulado, mas não são o evangelho; elas fazem parte da missão da igreja, mas somente de forma secundária ou instrumental.
Eu vejo diversos problemas com essa teologia evangélica reformada. Mas eu quero falar sobre o principal problema na esperança de que outras questões sejam iluminadas por isso. Essa versão do evangelho, para ser bem direto e objetivo, é auto-centrada. Tornar o evangelho numa história sobre como Deus salva pecadores é colocar o indivíduo pecador no centro do evangelho. Pouco tempo atrás, um vídeo apareceu na internet e causou certo burburinho entre evangélicos conservadores. Um pregador carismático chamado Deive Leonardo, que tem ganhado notoriedade por sua boa articulação e excelente qualidade de produção de vídeos, falou que Deus está no centro de tudo, mas no centro do coração de Deus está você, pois ele fez tudo por você na cruz. Evangélicos conservadores, corretamente, criticaram tal auto-centrismo emotivo e apelativo. Acontece que, ironicamente, a teologia evangélica conservadora faz o mesmo. Tudo é para a glória de Deus, mas no centro de tudo o que Deus fez na história está a salvação de indivíduos pecadores a quem ele reconcilia a si mesmo. Em outras palavras, no centro do coração de Deus está você. Esse uso da glória de Deus serve exatamente para evitar esse auto-centrismo. Mas já deu para ver que isso não é suficiente. O uso da glória de Deus para evitar o auto-centrismo é um subterfúgio, já que sempre é usado sem definição. Colocar a glória de Deus para evitar o auto-centrismo, pior ainda, é tornar a Deus um narcisista caprichoso que só se importa consigo mesmo. Nem a noção da Trindade é capaz de arrumar esse problema. Como veremos mais para o fim do texto, há uma opção muito melhor que também trabalha com a glória de Deus.
Por que esse auto-centrismo? A razão está numa distorção do evangelho. Uma forma bem útil para entender como funciona essa distorção foi oferecida por Matthew Bates em seu livro Salvation By Allegiance Alone (veja a resenha que fiz do livro aqui https://tinyurl.com/yyhpt3ex). Bates diz que o auto-centrismo é o resultado de uma confusão entre os benefícios do evangelho com o próprio evangelho. Assim, Pentecostais centralizam as experiências pessoais do divino e fazem disso o evangelho; aderentes do evangelho da prosperidade centralizam o bem-estar individual e a abundância de recursos para o indivíduo, e fazem disso o evangelho; reformados centralizam a justificação pela fé, o que inclui o perdão de pecados e a reconciliação com Deus, e fazem disso o evangelho; o evangelho social centraliza a justiça e o bem-estar social e fazem disso o evangelho. Em cada um desses casos, um benefício do evangelho é centralizado e confundido com o próprio evangelho. Só para apimentar a discussão, de todas essas distorções, a única que não é auto-centrada é a distorção do evangelho social, que é mais ampla do que o indivíduo. Enquanto alguns evangélicos conservadores falam sobre os perigos da justiça social para o evangelho, mal sabem eles que sua versão do evangelho é muito mais perigosa, muito mais auto-centrada, o que definitivamente não glorifica a Deus.
Mas, então, o que é o evangelho? Ora o evangelho é a realidade da soberania de Jesus sobre todo o cosmo e isso é boas novas! Falar que Jesus é o rei do universo não é novidade alguma. Essa é uma verdade básica, mas que não aparece nas definições sobre o evangelho de muitos cristãos, inclusive de evangélicos reformados. Jesus Cristo, o Messias, o Senhor. Essa é realidade por trás de tudo o que Deus vem fazendo, continua a fazer e fará. Isso parece bem simples, mas uma vez que esse centro é colocado em seu lugar, os outros elementos se encaixam e acabam com qualquer tensão entre questões espirituais, ou seja, entre Deus e o indivíduo, e questões materiais, sociais, econômicas, políticas, ecológicas, etc. Eu quero explicar isso com clareza e objetividade.
Por que a soberania de Jesus sobre o cosmo é boas novas? A pergunta é válida, pois o que há de bom em saber que existe um rei divino? Afinal, a monarquia não é lá a melhor modalidade política existente por aí (ainda que haja quem duvide disso), e isso independentemente do caráter do monarca, mas pelo simples fato de que a centralização do poder acaba colocando um peso (julgo é a palavra bíblica para isso) enorme sobre os que são governados (leia 1Samuel 8). Portanto, a soberania de Jesus só é boas novas se seu reinado for diferente. Parece que esse é o caso, de fato.
A soberania de Jesus sobre o cosmo não é ontológica, ou seja, não é uma prerrogativa de sua divindade. Pelo contrário, sua soberania sobre o cosmo dependeu de sua encarnação e morte na cruz, ou seja, seu auto-esvaziamento, sua auto-doação. Então, Deus confirmou a soberania de Jesus sobre o cosmo em sua ressurreição e ascensão para estar à direita de Deus. Esses dois movimentos, de humilhação e exaltação, podem ser conferidos em Filipenses 2. Isso é bem diferente da teologia evangélica reformada em que a ressurreição e a ascensão confirmam a aceitação do sacrifício de Jesus por Deus como uma expiação substitutiva em nosso lugar (no centro do coração de Deus está você, indivíduo pecador). Daí percebe-se que falta aos evangélicos reformados uma boa teologia da ascensão. Mas por que a humilhação de Jesus na encarnação, vida de sofrimento e morte de cruz, serve de fundamento para sua soberania? A resposta é que o rei de todo o cosmo é aquele que se entrega em favor de todo o cosmo, ou seja, seu poder e soberania são usados em benefício de todo o seu reino. O evento de Jesus é a expressão mais plena dessa realidade.
Quero avançar aqui para mostrar que esse caráter da soberania de Jesus, ou seja, o uso de seu poder como auto-entrega para o benefício de seu reino, é um modelo divino que já se expressa, mesmo que de forma menos nítida, na narrativa da criação. A ação criativa de Deus, em si e por si, é uma característica de sua soberania, aqui sim de forma ontológica, como prerrogativa de sua divindade. O ato criativo sempre é expressão de soberania. No relato da criação de Gênesis, esse aspecto se destaca pelo fato de Deus criar sem nenhum tipo de oposição ou inimigo. Sua soberania é completa. Mas há três qualificações dessa soberania que apontam para seu uso como auto-entrega para o benefício da criação, o seu reino.
A primeira é que ele adentra sua própria criação. Isso fica evidente na presença da “luz” logo no início do processo criativo (Gn 1.3). A presença de Deus na criação já está associada com o seu “sopro”, consequência de uma criação pela fala. Mas é a partir dessa associação de Deus com a “luz” é que vemos uma entrada real da presença de Deus na própria criação, sem a qual nada do que decorre poderia vir a existir. A soberania de Deus, então, é participativa.
A segunda qualificação é que Deus permite que sua criação participe do processo criativo. Ao criar pela fala, Deus, acima de tudo, convida a criação à existência. Assim, por exemplo, a narrativa da criação diz que Deus separa luz das trevas (Gn 1.4). Mais adiante, porém, é dito que os próprios corpos celestiais fazem essa separação (Gn 1.18). Essa cooperação entre Deus e a própria criação aparece de forma mais evidente nos dias 5 e 6, em que terra e água participam do processo da criação de “seres vivos” (Gn 1.21, 25), ainda que afirme também que foi Deus quem os “criou” (Gn 1.21) e “fez” (Gn 1.25). A soberania de Deus, então, é cooperativa.
A terceira e última qualificação é sobre o resultado da soberania de Deus, ou seja, o que é esse reino que Deus cria? Um soberano qualquer tende a exercer sua soberania para o seu próprio benefício, sua própria glória. No caso de Deus, sua soberania é exercida a fim de criar um ambiente em que todos os elementos criados se beneficiam mutuamente. Enquanto no início do processo temos um local incapaz de sustentar a vida (“sem forma e vazia”), no fim temos uma interdependência que gera, promove e sustenta toda a vida. E tudo isso é dito ser uma dádiva de Deus (Gn 1.29), e tudo isso é “muito bom” (tov meod, Gn 1.31). Assim, a soberania de Deus é, então, generativa.
Como o afirmado acima, o modelo de soberania de Jesus é reflexo da própria soberania divina na criação: auto-entrega para o benefício de todo o seu reino. A experiência de vida abundante e de participação para que essa vida seja gerada, promovida e sustentada, é o que caracteriza esse benefício que resulta da soberania divina. Nesse caso, porém, fica muito claro que a auto-entrega e o benefício não se limitam a seres humanos, mas a todo o cosmo em sua relação com o próprio soberano divino. Como veremos, isso tem, sim, a ver com a glória de Deus, mas não para seu próprio benefício em si e por si.
É a partir desse modelo que chegamos à identidade e responsabilidade dos seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus. Essa identidade está ligada ao papel representativo da humanidade em relação a Deus, semelhante ao papel representativo de um ídolo em relação à divindade. É exatamente isso que o termo hebraico tselem (Gn 1.26) significa: ídolo (cf. Nm 33.52; 2Rs 11.18; Amós 5.26). Mas que tipo de representação é essa? Aí entramos no aspecto da responsabilidade humana.
O primeiro aspecto dessa representação é a mediação da presença divina na criação. No contexto da narrativa da criação, essa representação está mais especificamente ligada à mediação da bênção divina, que é a consequência da própria presença divina. Esse papel representativo também tem caráter régio, já que Deus é o soberano sobre toda a criação. A humanidade media a presença e a bênção divinas ao exercitarem tarefas régias, que aparecem na responsabilidade humana de “governar” a terra e “dominar” sobre os animais (Gn 1.26, 28). Como representantes e mediadores ou, usando a linguagem régia, co-regentes, seres humanos devem seguir o mesmo modelo de governo que o próprio Deus apresentou na narrativa da criação anterior à criação da humanidade. Como vimos, trata-se de um modelo participativo, cooperativo e generativo. Mais ainda, é um modelo generoso e amoroso de auto-entrega, até humilhação, cujo propósito é o bem total e vida de todos.
Assim voltamos a Jesus, plenamente Deus e ser humano, o Deus encarnado ou Deus-homem. É exatamente por isso que em Jesus vemos esse ciclo completo. Como foi dito, Jesus é a expressão desse modelo de auto-entrega, até mesmo esvaziamento, em benefício de todo o seu reino. Isso é o que o qualifica como rei de todo o cosmo. E é nisso também que ele é plenamente Deus, pois segue o exato modelo da soberania de Deus na criação, e plenamente ser humano, pois representa e media a presença e a bênção divinas como imagem de Deus. É por isso que Jesus deve ser visto como a imagem original de Deus, a qual todo ser humano deve seguir.
Assim podemos voltar um pouco na discussão e dizer que a soberania de Jesus sobre o cosmo é o evangelho, e que no centro de Deus não está o próprio Deus, nem o indivíduo pecador, mas toda a existência do cosmo em alinhamento com o seu próprio caráter auto-doador para o benefício de tudo e de todos. Com tudo isso no lugar certo, podemos ver a tensão se dissolvendo. Vou explicar. O evangelho é sobre esse plano de Deus de estabelecer Jesus como soberano de todo o cosmo para o benefício de todo o cosmo. Não há auto-centrismo aqui. A salvação é a realidade daqueles que aceitam a soberania de Jesus sobre o cosmo, se sujeitam a ele e juram lealdade a ele. Ao fazerem isso, se tornam participantes da própria identidade de Jesus, recebendo todos os benefícios atrelados a isso e todas as responsabilidades atreladas a isso. De forma objetiva, os que são salvos são perdoados, justificados e reconciliados com Deus para poderem ser quem são: co-regentes da criação, seguindo o modelo de auto-entrega de Jesus para o bem de todo o seu reino, ou seja, todo o cosmo. É na soberania de Jesus, portanto, que temos o fundamento da esperança de salvação e vida eterna, que são bem resumidas na esperança cristã de um novo céu e nova terra.
Para concluir, volto à discussão inicial sobre uma versão de evangelho que centraliza a justificação pela fé, o perdão de pecados, e é alérgica à ação social e vê perigos para o evangelho em formulações teológicas e práticas eclesiásticas e missionais que enfatizam a importância de questões sociais, econômicas e ecológicas. Mais uma vez, com tudo em seu lugar a tensão se dissolve. Diante do que vimos sobre o modelo da soberania divina, contribuir para o avanço do evangelho é contribuir para o avanço da vida como consequência de nossa participação na vida e reino de Jesus. Evangelizar significa representar o evangelho, ou seja, sermos co-regentes de Deus na criação, seguindo o modelo de auto-entrega para o benefício de todo o seu reino ou cosmo. Esse é o testemunho do evangelho, ou seja, da soberania de Jesus sobre toda a criação. E é nesse testemunho de que Jesus é o soberano sobre a criação que o reino de Deus se expande e chama outros para participarem e reconhecerem a soberania de Jesus.
É claro que no mundo em que vivemos, onde há tamanha desigualdade que causa diversas injustiças, opressão e violência, nossa participação como co-regentes e o próprio governo de Jesus incluirá a justiça nos âmbitos social, econômico e ecológico. Depois, é necessário reconhecer que ações que sustentam e geram vida por relações sociais justas, responsabilidade econômica que é capaz de beneficiar a todos os participantes do mercado de forma justa e digna, e responsabilidade ecológica que considera o bem de toda a criação, são todas formas de evangelizar, ou seja, revelar e comunicar a soberania de Jesus sobre toda a criação. Indo além, como a soberania de Jesus é marcada pela auto-entrega para o bem do outro, e como vivemos num mundo em que certos grupos de pessoas sofrem muito mais do que outros, essas ações evangelísticas ganharão caráter de humilhação e esvaziamento, a fim de nos colocarmos lado a lado dos mais fracos e vulneráveis da sociedade. Essas são ações de justiça, inclusive justiça social. Nessas ações há a revelação da soberania de Jesus, há evangelização no ato em si, e busca-se apoiar os mais fracos e vulneráveis para que ganhem a possibilidade de reconhecer a soberania de Jesus, se submeterem a sua soberania e se tornarem co-regentes com eles para o bem de todo o cosmo.
O mais interessante é que tudo isso tem, sim, a ver com a glória de Deus. Em Isaías 6.3, na famosa visão que Isaías têm do trono (contexto de soberania) de Deus, é dito que “a plenitude da criação é sua [de Deus] glória”. Quando toda a criação existe e funciona em sua plenitude, a partir do governo de auto-entrega para o benefício do reino, que caracteriza a soberania de Deus, aí Deus é glorificado. Nisso vemos que a glória de Deus não é sobre sua exaltação (Deus que é Deus não precisa desse tipo de mesquinharia), mas sobre sua bondade que favorece toda a criação. Por isso, quando Moisés pede para ver a glória de Deus, no sentido de sua grandeza e exaltação como o mais poderoso e majestoso soberano, a resposta de Deus é permitir que Moisés veja sua bondade (tov, Êxodo 33.18-19). Se o interesse dos evangélicos reformados é realmente a glória de Deus, então é necessário constatar, primeiro, que sua glória se expressa a nós por sua bondade que sustenta e gera a vida de todos na boa criação de Deus, o que implica em tudo que foi falado aqui sobre a eliminação do auto-centrismo do evangelho da justificação pela fé, e sobre ações de justiça como evangelização.
Quando o evangelho é definido pela soberania de Jesus sobre toda criação, o auto-centrismo reformado desaparece. O maior perigo para o evangelho e, consequentemente, para o cosmo, não é a justiça social, e sim a retirada da soberania de Jesus do centro para colocar ali qualquer outra coisa, inclusive o ser humano pecador em necessidade de perdão, como acontece quando o evangelho é definido pela justificação pela fé.


Leitura da semana: “O homem e as pedras que gritavam”, de Ignácio de Loy...

Romanos 13


Você pode interpretar o texto bíblico de Romanos 13 pelo menos de duas maneiras. A primeira é acreditar que o apóstolo Paulo está afirmando que devemos nos submeter às autoridades civis, quaisquer que sejam elas, porque todas foram ordenadas por Deus. Nesse caso, obedecer governantes como Lenin, Mussolini ou Hitler, Lula ou Dilma, Maduro, Erdogan ou Putin, Trump ou Bolsonaro, equivale a obedecer a Deus. A segunda interpretação de Romanos 13 compreende que justamente porque foram ordenadas por Deus, as autoridades civis agem por delegação e, portanto, não têm permissão de fazer o que bem entenderem, e sua legitimidade depende de sua fidelidade à vontade de Deus, que lhes deu não apenas autorização para governar como também os termos do seu governo. Parece bem razoável que a segunda interpretação é a correta. Por essa razão as parteiras do Egito desobedeceram o Faraó que ordenou a morte das crianças descendentes dos hebreus, Daniel desobedeceu Nabucodonozor, o rei da Babilônia que exigia adoração à sua imagem, e José fugiu de Israel para preservar a vida do menino Jesus quando o rei Herodes mandou matar todos os meninos com menos de dois anos de idade em Belém. Quando proibidos pelas autoridades judaicas de testemunhar a ressurreição de Jesus, os apóstolos Pedro e João foram enfáticos em afirmar que “mais importa obedecer a Deus que aos homens”. A fidelidade a Deus é o critério para a obediência e submissão às autoridades civis.
#Repost @edrenekivitz via Instagram

Eu tenho um sonho...

De Eduardo Galeano, em Os filhos dos dias. Muito obrigada, @leonardo.graeff.trindade por compartilhar essa pérola nesse dia.
Precisamos pensar e repensar nossa teologia, porque não há construção teológica dissociada de um contexto sócio/político/histórico, sem uma base filosófica, criada no ar, a partir de nada.
Se uma teologia, como resposta e construção de fé, não dialoga com a realidade da sociedade, não serve para nada, não serve a ninguém além de si mesma.
Precisamos, de forma urgente, fazer teologia para a vida, voltada para sua essência - relacionamento. O Outro e o outro são alvos do nosso amor e respeito, são alvos da nossa teologia.
É preciso alertar: Se o objetivo for desenvolvimento econômico acima dos demais valores, vidas serão ceifadas e nossa teologia está comprometida.
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#teologia #theology #relacionamento #martinlutherking #eduardogaleano

Cafonas

BANDO DE CAFONAS (coluna póstuma de Fernanda Young, que será publicada amanhã, dia 26, no Globo)

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. Não exatamente nas roupas que vestimos ou nas músicas que escutamos — a pessoa quer falar do mau gosto existencial. Do que há de cafona na vulgaridade das palavras, na deselegância pública, na ignorância por opção, na mentira como tática, no atraso das ideias.

O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo e esfrega sua tosquice na cara dos outros. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas.

O cafona manda cimentar o quintal e ladrilhar o jardim. Quer todo mundo igual, cantando o hino. Gosta de frases de efeito e piadas de bicha. Chuta o cachorro, chicoteia o cavalo e mata passarinho. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. É rude na língua e flatulento por todos os seus orifícios. Recorre à religião para ser hipócrita e à brutalidade para ser respeitado.

A cafonice detesta a arte, pois não quer ter que entender nada. Odeia o diferente, pois não tem um pingo de originalidade em suas veias. Segura de si, acha que a psicologia não tem necessidade e que desculpa não se pede. Fala o que pensa, principalmente quando não pensa. Fura filas, canta pneus e passa sermões. A cafonice não tem vergonha na cara.

O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer vencer, para ver o outro perder. Quer ser convidado, para cuspir no prato. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos.

Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

NÃO QUERO MAIS SER EVANGÉLICO


Ser evangélico, pelo menos no Brasil, não significa mais ser praticante e pregador do Evangelho (Boas Novas) de Jesus Cristo, mas, a condição de membro de um segmento do Cristianismo, com cada vez menor relacionamento histórico com a Reforma Protestante – o segmento mais complicado, controverso, dividido e contraditório do Cristianismo. O significado de ser pastor evangélico, então, é melhor nem falar, para não incorrer no risco de ser grosseiro.
Não quero mais ser evangélico! Quero voltar para Jesus Cristo, para a boa notícia que Ele é e ensinou. Voltemos a ser adoradores do Pai porque, segundo Jesus, são estes os que o Pai procura e, não, por mão de obra especializada ou por “profissionais da fé”. Voltemos à consciência de que o Caminho, a Verdade e a Vida é uma Pessoa e não um corpo de doutrinas e/ou tradições, nascidas da tentativa de dissecarmos Deus; de que, estar no caminho, conhecer a verdade e desfrutar a vida é relacionar-se intensamente com essa Pessoa: Jesus de Nazaré, o Cristo, o Filho do Deus vivo. Quero os dogmas que nascem desse encontro: uma leitura bíblica que nos faça ver Jesus Cristo e não uma leitura bibliólatra. Não quero a espiritualidade que se sustenta em prodígios, no mínimo discutíveis, e sim, a que se manifesta no caráter.
Chega dessa “diabose”! Voltemos à graça, à centralidade da cruz, onde tudo foi consumado. Voltemos à consciência de que fomos achados por Ele, que começou em cada filho Seu algo que vai completar: voltemos às orações e jejuns, não como fruto de obrigação ou moeda de troca, mas, como namoro apaixonado com o Ser amado da alma resgatada.
Voltemos ao amor, à convicção de que ser cristão é amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos: voltemos aos irmãos, não como membros de um sindicato, de um clube, ou de uma sociedade anônima, mas, como membros do corpo de Cristo. Quero relacionar-me com eles como as crianças relacionam-se com os que as alimentam – em profundo amor e senso de dependência: quero voltar a ser guardião de meu irmão e não seu juiz. Voltemos ao amor que agasalha no frio, assiste na dor, dessedenta na sede, alimenta na fome, que reparte, que não usa o pronome “meu”, mas, o pronome “nosso”.
Para que os títulos: “pastor”, “reverendo”, “bispo”, “apóstolo”, o que eles significam, se todos são sacerdotes? Quero voltar a ser leigo! Para que o clericalismo? Voltemos, ao sermos servos uns dos outros aos dons do corpo que correm soltos e dão o tom litúrgico da reunião dos santos; ao, “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu lá estarei” de Mateus 18.20. Que o culto seja do povo e não dos dirigentes – chega de show! Voltemos aos presbíteros e diáconos, não como títulos, mas, como função: os que, sob unção da igreja local, cuidam da ministração da Palavra, da vida de oração da comunidade e para que ninguém tenha necessidade, seja material, espiritual ou social. Chega de ministérios megalômanos onde o povo de Deus é mão de obra ou massa de manobra!
Para que os templos, o institucionalismo, o denominacionalismo? Voltemos às catacumbas, à igreja local. Por que o pulpitocentrismo? Voltemos ao “instruí-vos uns aos outros” (Cl 3. 16).
Por que a pressão pelo crescimento? Jesus Cristo não nos ordenou a sermos uma Igreja que cresce, mas, uma Igreja que aparece: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus. “(Mt 5.16). Vamos anunciar com nossa vida, serviço e palavras “todo o Evangelho ao homem… a todos os homens”. Deixemos o crescimento para o Espírito Santo que “acrescenta dia a dia os que haverão de ser salvos”, sem adulterar a mensagem.
By Ariovaldo Santos Ariovaldo Ramos
Fonte: Blog Vida e Missão.
De 1 ano atrás...
Hoje faz mais sentido do que antes...
Bom dia!
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Via Max Cassin

Michael Löwy | A ética católica e o espírito do anticapitalismo | Max We...

Legião Urbana - Perfeição







Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada Fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição

Source: LyricFind
Songwriters: Dado Villa-Lobos / Marcelo Augusto Bonfa / Renato Russo
Perfeição lyrics © Sony/ATV Music Publishing LLC

OS PERIGOS DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ PARA O EVANGELHO

por CAIO PERES

(Não se assuste com o título ou com a imagem. A provocação é quase humorística e não tem o objetivo de denigrir pessoas, igrejas, denominações ou organizações evangélicas. Só leve o título e a imagem tão a sério na proporção que levar o texto inteiro a sério. Para quem me conhece, sabe que me esforço para não ser meramente desconstrucionista. Tenha paciência e você verá que a partir do quinto parágrafo esse texto, apesar do título, é construtivo.)
Eu me comprometi com a vida de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social em 2006. Desde então comecei a pensar sobre essas questões teologicamente. De lá para cá venho amadurecendo muito minhas idéias sobre o que Deus e o evangelho têm a ver com as questões da vida humana em sua experiência mais miserável e sofrida. Como convivo no meio evangélico, devo dizer que a maioria dos pastores se importa pouco com essas questões, sempre priorizando a relação das pessoas com Deus e a manutenção de sua própria igreja. Também vejo, ainda com mais perplexidade, os líderes intelectuais evangélicos reformados mais populares sempre convidando aqueles que os ouvem e lêem a terem cuidado com teologias e práticas missionárias que enfatizam a justiça no âmbito social, econômico e ecológico. Um reflexo disso pode ser visto, por exemplo, no título de uma conferência norte-americana que promove diversos figurões evangélicos reformados como Mark Dever, Paul Washer e John Piper. O título era “Os Perigos da Justiça Social para o Evangelho” (daí o título deste texto).
O ponto central dessa discussão está no que se entende pelo evangelho. Para os evangélicos reformados, o evangelho é o perdão de pecados, pela morte de Jesus, que nos justificou, e assim nos reconcilia com Deus. Tudo isso, então, é aplicado a nós se tão somente crermos pela fé. Não entram nessa equação questões sociais, econômicas e ecológicas. Todas essas questões são resolvidas a partir do problema espiritual que está por trás disso tudo, ou seja, o pecado de cada indivíduo. É por isso que eles vêem perigo quando essas questões ganham importância na construção teológica e na prática missionária, pois isso não “resolve” o problema. Eles reconhecem o valor e praticam atos de justiça e misericórdia, promovem e se envolvem com projetos e missões aos menos favorecidos da sociedade, mas não vêem nisso um avanço do evangelho a não ser que o propósito e o resultado final dessas ações seja a conversão de indivíduos que se arrependem, são justificados por Deus e reconciliados com ele. Essas ações são boas, mas não são o evangelho; elas fazem parte de uma vida cristã de santidade e discipulado, mas não são o evangelho; elas fazem parte da missão da igreja, mas somente de forma secundária ou instrumental.
Eu vejo diversos problemas com essa teologia evangélica reformada. Mas eu quero falar sobre o principal problema na esperança de que outras questões sejam iluminadas por isso. Essa versão do evangelho, para ser bem direto e objetivo, é auto-centrada. Tornar o evangelho numa história sobre como Deus salva pecadores é colocar o indivíduo pecador no centro do evangelho. Pouco tempo atrás, um vídeo apareceu na internet e causou certo burburinho entre evangélicos conservadores. Um pregador carismático chamado Deive Leonardo, que tem ganhado notoriedade por sua boa articulação e excelente qualidade de produção de vídeos, falou que Deus está no centro de tudo, mas no centro do coração de Deus está você, pois ele fez tudo por você na cruz. Evangélicos conservadores, corretamente, criticaram tal auto-centrismo emotivo e apelativo. Acontece que, ironicamente, a teologia evangélica conservadora faz o mesmo. Tudo é para a glória de Deus, mas no centro de tudo o que Deus fez na história está a salvação de indivíduos pecadores a quem ele reconcilia a si mesmo. Em outras palavras, no centro do coração de Deus está você. Esse uso da glória de Deus serve exatamente para evitar esse auto-centrismo. Mas já deu para ver que isso não é suficiente. O uso da glória de Deus para evitar o auto-centrismo é um subterfúgio, já que sempre é usado sem definição. Colocar a glória de Deus para evitar o auto-centrismo, pior ainda, é tornar a Deus um narcisista caprichoso que só se importa consigo mesmo. Nem a noção da Trindade é capaz de arrumar esse problema. Como veremos mais para o fim do texto, há uma opção muito melhor que também trabalha com a glória de Deus.
Por que esse auto-centrismo? A razão está numa distorção do evangelho. Uma forma bem útil para entender como funciona essa distorção foi oferecida por Matthew Bates em seu livro Salvation By Allegiance Alone (veja a resenha que fiz do livro aqui https://tinyurl.com/yyhpt3ex). Bates diz que o auto-centrismo é o resultado de uma confusão entre os benefícios do evangelho com o próprio evangelho. Assim, Pentecostais centralizam as experiências pessoais do divino e fazem disso o evangelho; aderentes do evangelho da prosperidade centralizam o bem-estar individual e a abundância de recursos para o indivíduo, e fazem disso o evangelho; reformados centralizam a justificação pela fé, o que inclui o perdão de pecados e a reconciliação com Deus, e fazem disso o evangelho; o evangelho social centraliza a justiça e o bem-estar social e fazem disso o evangelho. Em cada um desses casos, um benefício do evangelho é centralizado e confundido com o próprio evangelho. Só para apimentar a discussão, de todas essas distorções, a única que não é auto-centrada é a distorção do evangelho social, que é mais ampla do que o indivíduo. Enquanto alguns evangélicos conservadores falam sobre os perigos da justiça social para o evangelho, mal sabem eles que sua versão do evangelho é muito mais perigosa, muito mais auto-centrada, o que definitivamente não glorifica a Deus.
Mas, então, o que é o evangelho? Ora o evangelho é a realidade da soberania de Jesus sobre todo o cosmo e isso é boas novas! Falar que Jesus é o rei do universo não é novidade alguma. Essa é uma verdade básica, mas que não aparece nas definições sobre o evangelho de muitos cristãos, inclusive de evangélicos reformados. Jesus Cristo, o Messias, o Senhor. Essa é realidade por trás de tudo o que Deus vem fazendo, continua a fazer e fará. Isso parece bem simples, mas uma vez que esse centro é colocado em seu lugar, os outros elementos se encaixam e acabam com qualquer tensão entre questões espirituais, ou seja, entre Deus e o indivíduo, e questões materiais, sociais, econômicas, políticas, ecológicas, etc. Eu quero explicar isso com clareza e objetividade.
Por que a soberania de Jesus sobre o cosmo é boas novas? A pergunta é válida, pois o que há de bom em saber que existe um rei divino? Afinal, a monarquia não é lá a melhor modalidade política existente por aí (ainda que haja quem duvide disso), e isso independentemente do caráter do monarca, mas pelo simples fato de que a centralização do poder acaba colocando um peso (julgo é a palavra bíblica para isso) enorme sobre os que são governados (leia 1Samuel 8). Portanto, a soberania de Jesus só é boas novas se seu reinado for diferente. Parece que esse é o caso, de fato.
A soberania de Jesus sobre o cosmo não é ontológica, ou seja, não é uma prerrogativa de sua divindade. Pelo contrário, sua soberania sobre o cosmo dependeu de sua encarnação e morte na cruz, ou seja, seu auto-esvaziamento, sua auto-doação. Então, Deus confirmou a soberania de Jesus sobre o cosmo em sua ressurreição e ascensão para estar à direita de Deus. Esses dois movimentos, de humilhação e exaltação, podem ser conferidos em Filipenses 2. Isso é bem diferente da teologia evangélica reformada em que a ressurreição e a ascensão confirmam a aceitação do sacrifício de Jesus por Deus como uma expiação substitutiva em nosso lugar (no centro do coração de Deus está você, indivíduo pecador). Daí percebe-se que falta aos evangélicos reformados uma boa teologia da ascensão. Mas por que a humilhação de Jesus na encarnação, vida de sofrimento e morte de cruz, serve de fundamento para sua soberania? A resposta é que o rei de todo o cosmo é aquele que se entrega em favor de todo o cosmo, ou seja, seu poder e soberania são usados em benefício de todo o seu reino. O evento de Jesus é a expressão mais plena dessa realidade.
Quero avançar aqui para mostrar que esse caráter da soberania de Jesus, ou seja, o uso de seu poder como auto-entrega para o benefício de seu reino, é um modelo divino que já se expressa, mesmo que de forma menos nítida, na narrativa da criação. A ação criativa de Deus, em si e por si, é uma característica de sua soberania, aqui sim de forma ontológica, como prerrogativa de sua divindade. O ato criativo sempre é expressão de soberania. No relato da criação de Gênesis, esse aspecto se destaca pelo fato de Deus criar sem nenhum tipo de oposição ou inimigo. Sua soberania é completa. Mas há três qualificações dessa soberania que apontam para seu uso como auto-entrega para o benefício da criação, o seu reino.
A primeira é que ele adentra sua própria criação. Isso fica evidente na presença da “luz” logo no início do processo criativo (Gn 1.3). A presença de Deus na criação já está associada com o seu “sopro”, consequência de uma criação pela fala. Mas é a partir dessa associação de Deus com a “luz” é que vemos uma entrada real da presença de Deus na própria criação, sem a qual nada do que decorre poderia vir a existir. A soberania de Deus, então, é participativa.
A segunda qualificação é que Deus permite que sua criação participe do processo criativo. Ao criar pela fala, Deus, acima de tudo, convida a criação à existência. Assim, por exemplo, a narrativa da criação diz que Deus separa luz das trevas (Gn 1.4). Mais adiante, porém, é dito que os próprios corpos celestiais fazem essa separação (Gn 1.18). Essa cooperação entre Deus e a própria criação aparece de forma mais evidente nos dias 5 e 6, em que terra e água participam do processo da criação de “seres vivos” (Gn 1.21, 25), ainda que afirme também que foi Deus quem os “criou” (Gn 1.21) e “fez” (Gn 1.25). A soberania de Deus, então, é cooperativa.
A terceira e última qualificação é sobre o resultado da soberania de Deus, ou seja, o que é esse reino que Deus cria? Um soberano qualquer tende a exercer sua soberania para o seu próprio benefício, sua própria glória. No caso de Deus, sua soberania é exercida a fim de criar um ambiente em que todos os elementos criados se beneficiam mutuamente. Enquanto no início do processo temos um local incapaz de sustentar a vida (“sem forma e vazia”), no fim temos uma interdependência que gera, promove e sustenta toda a vida. E tudo isso é dito ser uma dádiva de Deus (Gn 1.29), e tudo isso é “muito bom” (tov meod, Gn 1.31). Assim, a soberania de Deus é, então, generativa.
Como o afirmado acima, o modelo de soberania de Jesus é reflexo da própria soberania divina na criação: auto-entrega para o benefício de todo o seu reino. A experiência de vida abundante e de participação para que essa vida seja gerada, promovida e sustentada, é o que caracteriza esse benefício que resulta da soberania divina. Nesse caso, porém, fica muito claro que a auto-entrega e o benefício não se limitam a seres humanos, mas a todo o cosmo em sua relação com o próprio soberano divino. Como veremos, isso tem, sim, a ver com a glória de Deus, mas não para seu próprio benefício em si e por si.
É a partir desse modelo que chegamos à identidade e responsabilidade dos seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus. Essa identidade está ligada ao papel representativo da humanidade em relação a Deus, semelhante ao papel representativo de um ídolo em relação à divindade. É exatamente isso que o termo hebraico tselem (Gn 1.26) significa: ídolo (cf. Nm 33.52; 2Rs 11.18; Amós 5.26). Mas que tipo de representação é essa? Aí entramos no aspecto da responsabilidade humana.
O primeiro aspecto dessa representação é a mediação da presença divina na criação. No contexto da narrativa da criação, essa representação está mais especificamente ligada à mediação da bênção divina, que é a consequência da própria presença divina. Esse papel representativo também tem caráter régio, já que Deus é o soberano sobre toda a criação. A humanidade media a presença e a bênção divinas ao exercitarem tarefas régias, que aparecem na responsabilidade humana de “governar” a terra e “dominar” sobre os animais (Gn 1.26, 28). Como representantes e mediadores ou, usando a linguagem régia, co-regentes, seres humanos devem seguir o mesmo modelo de governo que o próprio Deus apresentou na narrativa da criação anterior à criação da humanidade. Como vimos, trata-se de um modelo participativo, cooperativo e generativo. Mais ainda, é um modelo generoso e amoroso de auto-entrega, até humilhação, cujo propósito é o bem total e vida de todos.
Assim voltamos a Jesus, plenamente Deus e ser humano, o Deus encarnado ou Deus-homem. É exatamente por isso que em Jesus vemos esse ciclo completo. Como foi dito, Jesus é a expressão desse modelo de auto-entrega, até mesmo esvaziamento, em benefício de todo o seu reino. Isso é o que o qualifica como rei de todo o cosmo. E é nisso também que ele é plenamente Deus, pois segue o exato modelo da soberania de Deus na criação, e plenamente ser humano, pois representa e media a presença e a bênção divinas como imagem de Deus. É por isso que Jesus deve ser visto como a imagem original de Deus, a qual todo ser humano deve seguir.
Assim podemos voltar um pouco na discussão e dizer que a soberania de Jesus sobre o cosmo é o evangelho, e que no centro de Deus não está o próprio Deus, nem o indivíduo pecador, mas toda a existência do cosmo em alinhamento com o seu próprio caráter auto-doador para o benefício de tudo e de todos. Com tudo isso no lugar certo, podemos ver a tensão se dissolvendo. Vou explicar. O evangelho é sobre esse plano de Deus de estabelecer Jesus como soberano de todo o cosmo para o benefício de todo o cosmo. Não há auto-centrismo aqui. A salvação é a realidade daqueles que aceitam a soberania de Jesus sobre o cosmo, se sujeitam a ele e juram lealdade a ele. Ao fazerem isso, se tornam participantes da própria identidade de Jesus, recebendo todos os benefícios atrelados a isso e todas as responsabilidades atreladas a isso. De forma objetiva, os que são salvos são perdoados, justificados e reconciliados com Deus para poderem ser quem são: co-regentes da criação, seguindo o modelo de auto-entrega de Jesus para o bem de todo o seu reino, ou seja, todo o cosmo. É na soberania de Jesus, portanto, que temos o fundamento da esperança de salvação e vida eterna, que são bem resumidas na esperança cristã de um novo céu e nova terra.
Para concluir, volto à discussão inicial sobre uma versão de evangelho que centraliza a justificação pela fé, o perdão de pecados, e é alérgica à ação social e vê perigos para o evangelho em formulações teológicas e práticas eclesiásticas e missionais que enfatizam a importância de questões sociais, econômicas e ecológicas. Mais uma vez, com tudo em seu lugar a tensão se dissolve. Diante do que vimos sobre o modelo da soberania divina, contribuir para o avanço do evangelho é contribuir para o avanço da vida como consequência de nossa participação na vida e reino de Jesus. Evangelizar significa representar o evangelho, ou seja, sermos co-regentes de Deus na criação, seguindo o modelo de auto-entrega para o benefício de todo o seu reino ou cosmo. Esse é o testemunho do evangelho, ou seja, da soberania de Jesus sobre toda a criação. E é nesse testemunho de que Jesus é o soberano sobre a criação que o reino de Deus se expande e chama outros para participarem e reconhecerem a soberania de Jesus.
É claro que no mundo em que vivemos, onde há tamanha desigualdade que causa diversas injustiças, opressão e violência, nossa participação como co-regentes e o próprio governo de Jesus incluirá a justiça nos âmbitos social, econômico e ecológico. Depois, é necessário reconhecer que ações que sustentam e geram vida por relações sociais justas, responsabilidade econômica que é capaz de beneficiar a todos os participantes do mercado de forma justa e digna, e responsabilidade ecológica que considera o bem de toda a criação, são todas formas de evangelizar, ou seja, revelar e comunicar a soberania de Jesus sobre toda a criação. Indo além, como a soberania de Jesus é marcada pela auto-entrega para o bem do outro, e como vivemos num mundo em que certos grupos de pessoas sofrem muito mais do que outros, essas ações evangelísticas ganharão caráter de humilhação e esvaziamento, a fim de nos colocarmos lado a lado dos mais fracos e vulneráveis da sociedade. Essas são ações de justiça, inclusive justiça social. Nessas ações há a revelação da soberania de Jesus, há evangelização no ato em si, e busca-se apoiar os mais fracos e vulneráveis para que ganhem a possibilidade de reconhecer a soberania de Jesus, se submeterem a sua soberania e se tornarem co-regentes com eles para o bem de todo o cosmo.
O mais interessante é que tudo isso tem, sim, a ver com a glória de Deus. Em Isaías 6.3, na famosa visão que Isaías têm do trono (contexto de soberania) de Deus, é dito que “a plenitude da criação é sua [de Deus] glória”. Quando toda a criação existe e funciona em sua plenitude, a partir do governo de auto-entrega para o benefício do reino, que caracteriza a soberania de Deus, aí Deus é glorificado. Nisso vemos que a glória de Deus não é sobre sua exaltação (Deus que é Deus não precisa desse tipo de mesquinharia), mas sobre sua bondade que favorece toda a criação. Por isso, quando Moisés pede para ver a glória de Deus, no sentido de sua grandeza e exaltação como o mais poderoso e majestoso soberano, a resposta de Deus é permitir que Moisés veja sua bondade (tov, Êxodo 33.18-19). Se o interesse dos evangélicos reformados é realmente a glória de Deus, então é necessário constatar, primeiro, que sua glória se expressa a nós por sua bondade que sustenta e gera a vida de todos na boa criação de Deus, o que implica em tudo que foi falado aqui sobre a eliminação do auto-centrismo do evangelho da justificação pela fé, e sobre ações de justiça como evangelização.
Quando o evangelho é definido pela soberania de Jesus sobre toda criação, o auto-centrismo reformado desaparece. O maior perigo para o evangelho e, consequentemente, para o cosmo, não é a justiça social, e sim a retirada da soberania de Jesus do centro para colocar ali qualquer outra coisa, inclusive o ser humano pecador em necessidade de perdão, como acontece quando o evangelho é definido pela justificação pela fé.