Todes nós, em alguma
medida, temos ilusões biográficas.
No tempo linear, aprendemos que a
"verdade" só estaria no imutável, que ele seria o critério do quão
confiável seria algo ou alguém.
Talvez por isso, admitir que em algum tempo
fomos, sentimos e pensamos de modo diferente do que somos hoje pode acabar sendo
um grande desafio.
Às vezes, reconhecer que "nem sempre"
fomos e agimos como hoje, traz vergonha e culpa.
Em outros momentos, apelamos para essa suposta
linearidade de nossas vidas para fazermos mais sentido aos nossos
interlocutores e a nós mesmos, às cobranças (justas ou não) que recebemos.
Para lidar com isso, lançamos mão de estratégias
como a ilusão biográfica (conceito de Bordieu, que aqui uso em outro sentido).
Nela, editamos toda nossa vida, desde a infância
ao presente, à luz do argumento que gostaríamos de fortalecer ou defender em
algum contexto.
Nem sempre isso é feito de modo consciente e a
intenção aqui não é moralizar esse gesto, mas compreender seus efeitos.
Quando dissemos o "sempre fui assim",
talvez estejamos tentando aumentar a validade de nossa demanda, em um
complemento oculto que diz "se sempre fui assim, sempre serei".
Recorrendo, portanto, àquela noção de verdade e
confiança como características da imutabilidade.
Ainda que essa possa ser uma estratégia, talvez
seja importante experenciarmos outras temporalidades que acolham nossas
incoerências e descaminhos, dizendo: nem sempre fui assim, porém agora é o que
faz mais sentido pra mim, isso torna meu presente menos válido?
Só posso acreditar naquilo que sempre acreditei?
O que vivemos antes é muito menos encadeado de
sentido linear do que imaginamos.
Talvez acolhendo essas descontinuidades
(Foucault) consigamos exercitar um maior acolhimento com nossas próprias
histórias e com as do outro.
Entendendo que quem foi, desejou, sentiu e
prometeu determinada coisa pode não ter mentido antes, nem estar mentindo agora
em sua mudança.
Não é mentira porque mudou, talvez justamente
porque tenha se transformado que é verdadeiro.
Que todes tenham o direito à mudança, desde que
ela seja ética, não exploratória ou expropriadora do que não lhe cabe.
Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live "Descatequizar para Descolonizar", com Geni Nuñez em
meu canal do Youtube (Angela Natel), na playlist "Só lives" - acesse
o canal pelo link da minha Bio - https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2115s
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