domingo, 14 de julho de 2019

Um rio de sangue no leito do pós-cristianismo


"Sangue negro, sangue índio, sangue pobre, sangue de abortos, sangue humano. Cristãos creem que o sangue (de Jesus) os purifica.
Mas o sangue também os mancha por causa do silêncio diante do sangue pobre, do sangue infantil - para além da luta contra o aborto e contra a esquerda, pós-cristãos fazem silêncio... Silêncio diante da mulher abusada pelo próprio marido. Silêncio diante do sangue LGBT derramado em um crime de homofobia. Silêncio diante do assassinato de ativistas. Silêncio diante do assassinato de gente diferente, gente de quem os pós-cristãos discordam.
Não se trata do silêncio de Cristo quando Pilatos perguntou: “Quid veritas est?” É o silêncio de quem não entendeu que a salvação não é apenas individual: ela conclama pelo fim do derramamento de sangue - não importa se culpado ou inocente.
Quem diz que serve a Jesus, o crucificado, não pode crucificar ninguém. Não deveria escolher que sangue vale. Não deveria ceder diante do apelo à escolha de sangue inocente ou culpado. Não é pragmático, nem justifica a violência e a injustiça pela lógica do mal-menor.
O nosso país precisa de cristãos autênticos. Faz mal ao Brasil a multiplicação dos “cristãos” da pós-igreja...
Onde estão os cristãos que têm misericórdia dos ativistas em nosso país, campeão mundial de assassinato de homens e mulheres que lutam por defender causas? O Cristianismo que responde à morte de ativistas com indiferença, ou com culpabilização dos assassinados, é mais próximo do farisaísmo do tempo de Cristo do que do movimento de Jesus, que acolheu em seu grupo de discípulos dois ativistas da época: Simão Cananeu e Judas, o homem do punhal (=Iscariotes), o sicário.
O Cristianismo parecido com Cristo não pergunta para mim, quando eu defendo uma pastoral carcerária, qual seria minha reação diante de quem violentasse ou assassinasse minha filha: ele se lembra dos encarcerados e tem misericórdia dos bandidos crucificados no sistema penal brasileiro que pune o preto pobre e poupa o ladrão de colarinho branco.
O Cristianismo que o Brasil precisa não resolve o sangue derramado promovendo armas que derramam mais sangue. Precisamos do Cristianismo que faz a arma perder o sentido, porque proclama Jesus, o Príncipe da Paz, aquele que faz perder o sentido o apelo à violência.
A pós-Igreja brasileira critica costumes e valores sociais. Mas poupa seus ministros que se prostituem.
O pós-cristianismo coloca a culpa nos pobres pela sua condição. Mas os utiliza para darem dízimos que financiam a riqueza de “ministros” do “evangelho”, muitas vezes em decorrência da promessa de que todos esses cristãos pobres ficarão ricos por intervenção divina no toma lá-dá cá (lei da semeadura).
Aos meus amigos não-cristãos: esses que apoiam políticos com discurso de ódio; esses que defendem uma previdência que precisa punir gente pobre e doente em nome da economia, mas que poupam os grandes empresários e empresas devedores da previdência; esses que são homofóbicos, que aviltam mulheres em nome de uma Bíblia mal-lida; esses que dizem que negros são amaldiçoados, porque são descendentes de um descendente de Noé, Cam; esses não são cristãos porque não conhecem muito bem Jesus. Eles só enxergam de Jesus aquilo que dá desculpa para a construção de seu modelo religioso que os favorece.
O Cristianismo de Cristo é amigo de judeus, galileus e samaritanos. Aceita mulheres no grupo. Aceita Pedro que anda armado. Une os zelotes, que odeiam os cobradores de impostos, a Mateus, o próprio chefe desses cobradores. Vira as mesas pelo direito dos gentios de também orarem no pátio do Templo e aceita o beijo do traidor.
O verdadeiro Cristo não tem nenhuma relação com os cristãos perseguidores, que ficam xingando em rede social os outros e que dão vazão ao seu ódio contra a diversidade e pela liberdade.
Cristo e os seus cristãos são raros nesse tempo de pós-cristianismo.
O problema é que a cada ano aumenta o número de “cristãos”. E aumenta também a proporção de negros, pobres e jovens mortos. E ativistas. E assassinatos de LGBTs. E casos gritantes de injustiça. E não há mobilização na bancada evangélica contra isso. Mas eles conseguiram arrancar do governo a possibilidade de não prestar contas à Receita a não ser que arrecadem mais de quatro milhões e oitocentos. A lógica não é cristã: é de quem quer lavar dinheiro ou promover enriquecimento dos seus líderes sem intervenção do governo. Privilégio é o nome disso...
Ruan, o menino perversamente assassinado por um casal LGBT, e que a mídia não falou quase nada, é um caso absurdo. Mas cristãos escolheram chorar por ele e exigir justiça - e até cobrar que as esquerdas e a mídia desse publicidade. Tudo certo! O problema é que esses pós-cristãos fazem isso apenas pelas vítimas que convém ao seu projeto ideológico. Partidarismo: nada mais claro para denunciar que é gente ligada ao poder, e não ao Cristo. Eles, na verdade, não conhecem o Senhor da vida. Não choram pela vida. Não têm nos olhos o choro da dor de Deus. É choro ideológico, que não se repete com a morte da criança preta, do fogueteiro do tráfico, na favela. Para os pós-cristãos, a morte do culpado é justa. Não há amor: há apenas sede de “justiça” que nunca atinge a eles mesmos.
Pós-cristianismo acha que sangue que redime é sangue de Jesus e sangue derramado de bandido, e de comunista, e dos inimigos (bandido bom é bandido morto)... todo esse sangue derramado é entendido como redentor, pois o pós-cristianismo tem um projeto: ser a religião hegemônica do Estado, da mentalidade, da educação, da Cultura. Querem ser maiores do que Deus, o soberano, aquele que determinou para Si mesmo dar liberdade aos homens e mulheres e amá-los. Mas o deus dos pós-cristãos é o supressor absoluto da liberdade e da diversidade.
Não, o pós-cristianismo não sabe nada de amor. Nem de Cristo. É aliado da injustiça. É amigo do sangue derramado.
Precisamos da volta do cristianismo. Porque esses que estão por aí, gritando, xingando e humilhando, tirando fotos em aviões presidenciais e celebrando a morte dos inimigos não são cristãos de verdade. Não mesmo!"

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Um rio de sangue no leito do pós-cristianismo


"Sangue negro, sangue índio, sangue pobre, sangue de abortos, sangue humano. Cristãos creem que o sangue (de Jesus) os purifica.
Mas o sangue também os mancha por causa do silêncio diante do sangue pobre, do sangue infantil - para além da luta contra o aborto e contra a esquerda, pós-cristãos fazem silêncio... Silêncio diante da mulher abusada pelo próprio marido. Silêncio diante do sangue LGBT derramado em um crime de homofobia. Silêncio diante do assassinato de ativistas. Silêncio diante do assassinato de gente diferente, gente de quem os pós-cristãos discordam.
Não se trata do silêncio de Cristo quando Pilatos perguntou: “Quid veritas est?” É o silêncio de quem não entendeu que a salvação não é apenas individual: ela conclama pelo fim do derramamento de sangue - não importa se culpado ou inocente.
Quem diz que serve a Jesus, o crucificado, não pode crucificar ninguém. Não deveria escolher que sangue vale. Não deveria ceder diante do apelo à escolha de sangue inocente ou culpado. Não é pragmático, nem justifica a violência e a injustiça pela lógica do mal-menor.
O nosso país precisa de cristãos autênticos. Faz mal ao Brasil a multiplicação dos “cristãos” da pós-igreja...
Onde estão os cristãos que têm misericórdia dos ativistas em nosso país, campeão mundial de assassinato de homens e mulheres que lutam por defender causas? O Cristianismo que responde à morte de ativistas com indiferença, ou com culpabilização dos assassinados, é mais próximo do farisaísmo do tempo de Cristo do que do movimento de Jesus, que acolheu em seu grupo de discípulos dois ativistas da época: Simão Cananeu e Judas, o homem do punhal (=Iscariotes), o sicário.
O Cristianismo parecido com Cristo não pergunta para mim, quando eu defendo uma pastoral carcerária, qual seria minha reação diante de quem violentasse ou assassinasse minha filha: ele se lembra dos encarcerados e tem misericórdia dos bandidos crucificados no sistema penal brasileiro que pune o preto pobre e poupa o ladrão de colarinho branco.
O Cristianismo que o Brasil precisa não resolve o sangue derramado promovendo armas que derramam mais sangue. Precisamos do Cristianismo que faz a arma perder o sentido, porque proclama Jesus, o Príncipe da Paz, aquele que faz perder o sentido o apelo à violência.
A pós-Igreja brasileira critica costumes e valores sociais. Mas poupa seus ministros que se prostituem.
O pós-cristianismo coloca a culpa nos pobres pela sua condição. Mas os utiliza para darem dízimos que financiam a riqueza de “ministros” do “evangelho”, muitas vezes em decorrência da promessa de que todos esses cristãos pobres ficarão ricos por intervenção divina no toma lá-dá cá (lei da semeadura).
Aos meus amigos não-cristãos: esses que apoiam políticos com discurso de ódio; esses que defendem uma previdência que precisa punir gente pobre e doente em nome da economia, mas que poupam os grandes empresários e empresas devedores da previdência; esses que são homofóbicos, que aviltam mulheres em nome de uma Bíblia mal-lida; esses que dizem que negros são amaldiçoados, porque são descendentes de um descendente de Noé, Cam; esses não são cristãos porque não conhecem muito bem Jesus. Eles só enxergam de Jesus aquilo que dá desculpa para a construção de seu modelo religioso que os favorece.
O Cristianismo de Cristo é amigo de judeus, galileus e samaritanos. Aceita mulheres no grupo. Aceita Pedro que anda armado. Une os zelotes, que odeiam os cobradores de impostos, a Mateus, o próprio chefe desses cobradores. Vira as mesas pelo direito dos gentios de também orarem no pátio do Templo e aceita o beijo do traidor.
O verdadeiro Cristo não tem nenhuma relação com os cristãos perseguidores, que ficam xingando em rede social os outros e que dão vazão ao seu ódio contra a diversidade e pela liberdade.
Cristo e os seus cristãos são raros nesse tempo de pós-cristianismo.
O problema é que a cada ano aumenta o número de “cristãos”. E aumenta também a proporção de negros, pobres e jovens mortos. E ativistas. E assassinatos de LGBTs. E casos gritantes de injustiça. E não há mobilização na bancada evangélica contra isso. Mas eles conseguiram arrancar do governo a possibilidade de não prestar contas à Receita a não ser que arrecadem mais de quatro milhões e oitocentos. A lógica não é cristã: é de quem quer lavar dinheiro ou promover enriquecimento dos seus líderes sem intervenção do governo. Privilégio é o nome disso...
Ruan, o menino perversamente assassinado por um casal LGBT, e que a mídia não falou quase nada, é um caso absurdo. Mas cristãos escolheram chorar por ele e exigir justiça - e até cobrar que as esquerdas e a mídia desse publicidade. Tudo certo! O problema é que esses pós-cristãos fazem isso apenas pelas vítimas que convém ao seu projeto ideológico. Partidarismo: nada mais claro para denunciar que é gente ligada ao poder, e não ao Cristo. Eles, na verdade, não conhecem o Senhor da vida. Não choram pela vida. Não têm nos olhos o choro da dor de Deus. É choro ideológico, que não se repete com a morte da criança preta, do fogueteiro do tráfico, na favela. Para os pós-cristãos, a morte do culpado é justa. Não há amor: há apenas sede de “justiça” que nunca atinge a eles mesmos.
Pós-cristianismo acha que sangue que redime é sangue de Jesus e sangue derramado de bandido, e de comunista, e dos inimigos (bandido bom é bandido morto)... todo esse sangue derramado é entendido como redentor, pois o pós-cristianismo tem um projeto: ser a religião hegemônica do Estado, da mentalidade, da educação, da Cultura. Querem ser maiores do que Deus, o soberano, aquele que determinou para Si mesmo dar liberdade aos homens e mulheres e amá-los. Mas o deus dos pós-cristãos é o supressor absoluto da liberdade e da diversidade.
Não, o pós-cristianismo não sabe nada de amor. Nem de Cristo. É aliado da injustiça. É amigo do sangue derramado.
Precisamos da volta do cristianismo. Porque esses que estão por aí, gritando, xingando e humilhando, tirando fotos em aviões presidenciais e celebrando a morte dos inimigos não são cristãos de verdade. Não mesmo!"