quinta-feira, 6 de junho de 2019

Sede de Justiça

O mundo pode ser muito injusto. E a comunidade dos homens pode produzir injustiças que provocam a solidão absoluta de alguém injustiçado. Cada tiro dado no corpo de inocentes pelos agentes de segurança, cada inocente nas prisões, cada tribunal que condena um inocente, cada criança violentada por adultos, cada mentira que vira verdade na boca da opinião pública, revela quão terrível pode ser a experiência humana.

Sou cristão porque olho para Jesus e vejo a síntese dessas injustiças na maneira como o trataram e a ação de Deus para anular essas injustiças em um só ato: a ressurreição. Quando eu assumo que Jesus ressuscitou, eu confesso a minha fé na redenção, na porta aberta por Deus para a possibilidade de transformação de todo o lixo da experiência humana com a injustiça em redenção. Uma redenção feita por Deus!

A ressurreição é a declaração de que Deus reverteu o mal supremo provocado pelos homens e mulheres. Mal continuo, para o qual Deus disse, em Jesus: “Basta!”

Somos sangue, carne, fluidos diversos, dejetos. Mas somos capazes de transformar a insignificância de nossa realidade física em engajamento coletivo em favor de machucarmos a carne alheia. Matarmos o corpo, matarmos a alma.

Somos capazes de transformar a nossa insatisfação com nossa própria realidade em punição aos que estão vulneráveis à lapidação pública. Observando os piores que nós, tendemos a nos sentir melhores. Não é assim que falamos: “tem gente muito pior”? O nosso dispositivo de insignificação das pessoas é produtivo, e subjaz na maledicência, na punição, na indiferença.

Somos, todos, usinas de produção de injustiças mascaradas. E Deus, em Jesus, disse basta!

O fato é que os seres humanos produziram em milênios, e para bilhões, fome, opressão, assassinatos, prisões arbitrárias, estupros, preconceitos, infâncias roubadas. Cadáveres que se amontoaram e continuam se amontoando e chegariam até o sol caso fossem empilhados.

Os seres humanos também criaram no decorrer da história instrumentos para validar a injustiça. Atribuíram indignidade a pessoas, grupos, etnias, justificando massacres. Criaram meios de limpar a consciência de qualquer culpa produzindo maiores culpados.

A mídia, um desses meios de justificação, opera com aparente isenção, dando um verniz de realidade para suas narrativas, ainda que elas sejam caracterizadas por um desequilíbrio conivente. A mídia ilustra, não demonstra. Ela não informa: provoca tendências.

O mesmo acontece com as redes sociais, em que a insensibilidade impera, pois é o palco de pessoas manipuladas, lugar onde a catarse se manifesta de maneira irresponsável e animalesca, validando a lapidação coletiva antes de qualquer julgamento com direito à defesa.

Assim, a informação e as redes sociais são foices que cortam a honra de quem cai nas suas mãos.

Jesus, ele também, caiu nas mãos da opinião pública. Submetido a júri popular, mobilizado pela eficaz mídia religiosa, ele recebeu uma sentença desfavorável - e Jesus foi crucificado.

O assassinato de Jesus pelo Estado mostra que a justiça pode ser - e muitas vezes é - injusta.

Depois de Jesus, veio o cristianismo. Ainda assim, a situação eventualmente se agravou, especialmente quando o esforço de Jesus para melhorar a humanidade, o seu apelo ao equilíbrio e à generosidade, tornou-se, pela religião e pelos religiosos, algo criticado, diminuído, relativizado, punido em favor da sanha de continuar matando, destruindo, injustiçando - em nome da justiça. Em nome de Deus, em nome de Jesus.

Em nome de Jesus, o crucificado, muitos ousaram e ousam discriminar, perseguir, matar, validar “moralmente” a morte.

Um olhar atento para a história de Jesus, porém, desmascara quem se diz cristão e apoia a destruição, a morte, a fome e seu outro nome - meritocracia (ou “demeritocracia”).

Diante da justiça de Jesus, todos são nivelados no campo do demérito - “não há um justo, nem sequer um” / o salário do pecado é a morte (Romanos 3.10-23, 6.23).

E assim, o cristianismo se tornou na realidade de muitos que defendem a agenda da morte, uma variável do mesmo mecanismo que matou Jesus. E isso se tornou tão comum que é possível que todos nós tenhamos, em um dado momento, participado das injustiças que provocaram morte, angústia, desesperança, suicídio de tantos e tantas. A operação do mecanismo que matou Jesus contou, em algum momento, com o nosso trabalho!

O problema é que raramente aquele que promove a barbárie e a injustiça se sente responsável. Tal pessoa sente apenas que é parte da realidade óbvia, ou entende que fez parte de uma parcela insignificante do movimento que envolveu a tantos e tantas. É como se essa pessoa fosse parte de um quebra-cabeças de mil peças, em que uma peça não se sente parte do quadro porque não é possível reconhecer toda a cena vendo apenas aquela pequena parte. Mas sem ela, o quebra cabeças não estaria concluído.

A história de Jesus é a síntese do poder humano de fazer o mal como “cidadão de bem”. Quem gritou “crucifica-o” entendia estar cometendo justiça.

A vida de Jesus, inteira, foi de luta contra a injustiça.

Jesus era ainda um feto, quando esteve em meio a um conflito entre pai e mãe, e sobreviveu. Quando ele era bebê, foi perseguido pela força de Herodes, mas sobreviveu. Vivendo na miserável Nazaré, Jesus chegou à vida adulta, um desafio difícil de superar - fome, pobreza, violência. Jesus, respondeu a todo o mal que o cercava fazendo o bem por toda a parte.

Acusado injustamente, Jesus foi condenado e assassinado pelo Estado.

Sua tortura durou a vida toda... mas só o matou no fim.

Mas Deus ressuscitou Jesus!

É importante destacar que a ressurreição de Jesus não teve nada a ver com os homens e mulheres. A ressurreição de Jesus foi e é a declaração da força da vida que vem de Deus para vencer a injustiça! A ressurreição de Jesus é a declaração da falência da nossa capacidade de parar de amontoar cadáveres por causa da nossa injustiça, do nosso fastio e impaciência diante da necessidade de aprendê-la.

A ressurreição de Jesus é a prova de que Deus teve e tem, continuamente, se dedicado a consertar as desgraças que as pessoas fazem desde sempre.

E esse Deus colocou Jesus no mundo para pregar o Reino de Deus - o plano divino de frear o nosso ímpeto de governar a nossa vida e a dos outros multiplicando dores, lágrimas e cadáveres. O Reino de Deus pregado por Jesus é a chance de dar um fim à nossa incapacidade de preservar a vida. É a declaração e a ação de que não queremos e nem vamos continuas fazendo vítimas.

E Jesus, o assassinado, o que não tinha onde reclinar a cabeça, o órfão... aquele que foi na infância um refugiado, aquele que viveu no semiárido Palestino a vida quase toda, lembra a cada cristão a não cometer o mesmo erro que cometeram com ele. Ele conclamou cada um a abdicar de seu poder de destruir e aderir ao Reino de Deus.

A mais profunda falência do cristianismo acontece quando a história de Jesus vai para segundo plano, e em primeiro plano fica:
- pena de morte
- armamentismo
- incentivo ao punitivismo
- agressão contra seres humanos considerados indignos
- tentativa de perseguir hereges
- tentativa de declarar às vítimas a sua culpa em seus próprios males

Há ainda cristãos que apoiam a multiplicação de agrotóxicos, que lutam em favor da diminuição dos recursos previdenciários de pobres trabalhadores que contribuem a anos e têm direitos, que criticam mulheres violentadas por causa das roupas que usam etc. Esses cristãos não aderiram ao Reino, não entenderam a sua mensagem.

Tal cristianismo desconhece o Cristo, e conhece a cristandade. Aquela das Cruzadas. Aquela que foi um erro.

O mundo pode ser muito injusto. E a comunidade dos homens pode produzir injustiças que provocam a solidão absoluta de alguém injustiçado. Cada tiro dado no corpo de inocentes pelos agentes de segurança, cada inocente nas prisões, cada tribunal que condena um inocente, cada criança violentada por adultos, cada mentira que vira verdade na boca da opinião pública, revela quão terrível pode ser a experiência humana.

E Jesus simplesmente foi vítima disso. Desse sistema homicida feito por homens e mulheres que acham que não tem culpa porque chamam a si mesmos pelo epíteto “cidadãos de bem”.

“Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (Romanos 12.21)
Brian Kibuuka

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Sede de Justiça

O mundo pode ser muito injusto. E a comunidade dos homens pode produzir injustiças que provocam a solidão absoluta de alguém injustiçado. Cada tiro dado no corpo de inocentes pelos agentes de segurança, cada inocente nas prisões, cada tribunal que condena um inocente, cada criança violentada por adultos, cada mentira que vira verdade na boca da opinião pública, revela quão terrível pode ser a experiência humana.

Sou cristão porque olho para Jesus e vejo a síntese dessas injustiças na maneira como o trataram e a ação de Deus para anular essas injustiças em um só ato: a ressurreição. Quando eu assumo que Jesus ressuscitou, eu confesso a minha fé na redenção, na porta aberta por Deus para a possibilidade de transformação de todo o lixo da experiência humana com a injustiça em redenção. Uma redenção feita por Deus!

A ressurreição é a declaração de que Deus reverteu o mal supremo provocado pelos homens e mulheres. Mal continuo, para o qual Deus disse, em Jesus: “Basta!”

Somos sangue, carne, fluidos diversos, dejetos. Mas somos capazes de transformar a insignificância de nossa realidade física em engajamento coletivo em favor de machucarmos a carne alheia. Matarmos o corpo, matarmos a alma.

Somos capazes de transformar a nossa insatisfação com nossa própria realidade em punição aos que estão vulneráveis à lapidação pública. Observando os piores que nós, tendemos a nos sentir melhores. Não é assim que falamos: “tem gente muito pior”? O nosso dispositivo de insignificação das pessoas é produtivo, e subjaz na maledicência, na punição, na indiferença.

Somos, todos, usinas de produção de injustiças mascaradas. E Deus, em Jesus, disse basta!

O fato é que os seres humanos produziram em milênios, e para bilhões, fome, opressão, assassinatos, prisões arbitrárias, estupros, preconceitos, infâncias roubadas. Cadáveres que se amontoaram e continuam se amontoando e chegariam até o sol caso fossem empilhados.

Os seres humanos também criaram no decorrer da história instrumentos para validar a injustiça. Atribuíram indignidade a pessoas, grupos, etnias, justificando massacres. Criaram meios de limpar a consciência de qualquer culpa produzindo maiores culpados.

A mídia, um desses meios de justificação, opera com aparente isenção, dando um verniz de realidade para suas narrativas, ainda que elas sejam caracterizadas por um desequilíbrio conivente. A mídia ilustra, não demonstra. Ela não informa: provoca tendências.

O mesmo acontece com as redes sociais, em que a insensibilidade impera, pois é o palco de pessoas manipuladas, lugar onde a catarse se manifesta de maneira irresponsável e animalesca, validando a lapidação coletiva antes de qualquer julgamento com direito à defesa.

Assim, a informação e as redes sociais são foices que cortam a honra de quem cai nas suas mãos.

Jesus, ele também, caiu nas mãos da opinião pública. Submetido a júri popular, mobilizado pela eficaz mídia religiosa, ele recebeu uma sentença desfavorável - e Jesus foi crucificado.

O assassinato de Jesus pelo Estado mostra que a justiça pode ser - e muitas vezes é - injusta.

Depois de Jesus, veio o cristianismo. Ainda assim, a situação eventualmente se agravou, especialmente quando o esforço de Jesus para melhorar a humanidade, o seu apelo ao equilíbrio e à generosidade, tornou-se, pela religião e pelos religiosos, algo criticado, diminuído, relativizado, punido em favor da sanha de continuar matando, destruindo, injustiçando - em nome da justiça. Em nome de Deus, em nome de Jesus.

Em nome de Jesus, o crucificado, muitos ousaram e ousam discriminar, perseguir, matar, validar “moralmente” a morte.

Um olhar atento para a história de Jesus, porém, desmascara quem se diz cristão e apoia a destruição, a morte, a fome e seu outro nome - meritocracia (ou “demeritocracia”).

Diante da justiça de Jesus, todos são nivelados no campo do demérito - “não há um justo, nem sequer um” / o salário do pecado é a morte (Romanos 3.10-23, 6.23).

E assim, o cristianismo se tornou na realidade de muitos que defendem a agenda da morte, uma variável do mesmo mecanismo que matou Jesus. E isso se tornou tão comum que é possível que todos nós tenhamos, em um dado momento, participado das injustiças que provocaram morte, angústia, desesperança, suicídio de tantos e tantas. A operação do mecanismo que matou Jesus contou, em algum momento, com o nosso trabalho!

O problema é que raramente aquele que promove a barbárie e a injustiça se sente responsável. Tal pessoa sente apenas que é parte da realidade óbvia, ou entende que fez parte de uma parcela insignificante do movimento que envolveu a tantos e tantas. É como se essa pessoa fosse parte de um quebra-cabeças de mil peças, em que uma peça não se sente parte do quadro porque não é possível reconhecer toda a cena vendo apenas aquela pequena parte. Mas sem ela, o quebra cabeças não estaria concluído.

A história de Jesus é a síntese do poder humano de fazer o mal como “cidadão de bem”. Quem gritou “crucifica-o” entendia estar cometendo justiça.

A vida de Jesus, inteira, foi de luta contra a injustiça.

Jesus era ainda um feto, quando esteve em meio a um conflito entre pai e mãe, e sobreviveu. Quando ele era bebê, foi perseguido pela força de Herodes, mas sobreviveu. Vivendo na miserável Nazaré, Jesus chegou à vida adulta, um desafio difícil de superar - fome, pobreza, violência. Jesus, respondeu a todo o mal que o cercava fazendo o bem por toda a parte.

Acusado injustamente, Jesus foi condenado e assassinado pelo Estado.

Sua tortura durou a vida toda... mas só o matou no fim.

Mas Deus ressuscitou Jesus!

É importante destacar que a ressurreição de Jesus não teve nada a ver com os homens e mulheres. A ressurreição de Jesus foi e é a declaração da força da vida que vem de Deus para vencer a injustiça! A ressurreição de Jesus é a declaração da falência da nossa capacidade de parar de amontoar cadáveres por causa da nossa injustiça, do nosso fastio e impaciência diante da necessidade de aprendê-la.

A ressurreição de Jesus é a prova de que Deus teve e tem, continuamente, se dedicado a consertar as desgraças que as pessoas fazem desde sempre.

E esse Deus colocou Jesus no mundo para pregar o Reino de Deus - o plano divino de frear o nosso ímpeto de governar a nossa vida e a dos outros multiplicando dores, lágrimas e cadáveres. O Reino de Deus pregado por Jesus é a chance de dar um fim à nossa incapacidade de preservar a vida. É a declaração e a ação de que não queremos e nem vamos continuas fazendo vítimas.

E Jesus, o assassinado, o que não tinha onde reclinar a cabeça, o órfão... aquele que foi na infância um refugiado, aquele que viveu no semiárido Palestino a vida quase toda, lembra a cada cristão a não cometer o mesmo erro que cometeram com ele. Ele conclamou cada um a abdicar de seu poder de destruir e aderir ao Reino de Deus.

A mais profunda falência do cristianismo acontece quando a história de Jesus vai para segundo plano, e em primeiro plano fica:
- pena de morte
- armamentismo
- incentivo ao punitivismo
- agressão contra seres humanos considerados indignos
- tentativa de perseguir hereges
- tentativa de declarar às vítimas a sua culpa em seus próprios males

Há ainda cristãos que apoiam a multiplicação de agrotóxicos, que lutam em favor da diminuição dos recursos previdenciários de pobres trabalhadores que contribuem a anos e têm direitos, que criticam mulheres violentadas por causa das roupas que usam etc. Esses cristãos não aderiram ao Reino, não entenderam a sua mensagem.

Tal cristianismo desconhece o Cristo, e conhece a cristandade. Aquela das Cruzadas. Aquela que foi um erro.

O mundo pode ser muito injusto. E a comunidade dos homens pode produzir injustiças que provocam a solidão absoluta de alguém injustiçado. Cada tiro dado no corpo de inocentes pelos agentes de segurança, cada inocente nas prisões, cada tribunal que condena um inocente, cada criança violentada por adultos, cada mentira que vira verdade na boca da opinião pública, revela quão terrível pode ser a experiência humana.

E Jesus simplesmente foi vítima disso. Desse sistema homicida feito por homens e mulheres que acham que não tem culpa porque chamam a si mesmos pelo epíteto “cidadãos de bem”.

“Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (Romanos 12.21)
Brian Kibuuka