quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

IGREJA E PSICOPATOLOGIA



"Não há a mínima dúvida de que igrejas podem criar ambientes psicopatológicos, com uma cultura e uma forma de administrar os conflitos morais dos seres humanos capazes de levar homens e mulheres à neurose crônica. Quanta energia gasta com a culpa que jamais é expiada! Quanta tentativa de transformar homem em anjo! Quanta obsessão com um aspecto da ética em detrimento daquilo sobre o que as Escrituras falam muito mais extensamente, como as condições de vida dos despossuídos, a promoção da justiça social, a defesa do direito e o amparo ao que carece de solidariedade!

Com as Escrituras abertas, todos os membros das mais diferentes igrejas deveriam fazer continuamente duas perguntas: “O modelo de espiritualidade de minha igreja fomenta a real santidade de vida?” e “O modelo de espiritualidade de minha igreja colabora para a disseminação de um comportamento neurótico?”. Vale a pena ouvir o que Freud tem a dizer sobre culturas que carecem do divã:

"Se o desenvolvimento da civilização possuiu uma semelhança de tão grande alcance com o desenvolvimento do indivíduo, e se emprega os mesmos métodos, não temos nós justificativa em diagnosticar que, sob a influência de premências culturais, algumas civilizações, ou algumas épocas, da civilização — possivelmente a totalidade da humanidade — se tornaram neuróticas? [...] Eu não diria que uma tentativa desse tipo, de transportar a psicanálise para a comunidade cultural, seja absurda ou que esteja fadada a ser infrutífera... podemos esperar que, um dia, alguém se aventure a se empenhar na elaboração de uma patologia das comunidades culturais".

Tenho profundo respeito pela psicanálise, embora não a veja como panaceia para as dores da alma. Pode ser que Freud tenha ido longe demais na proposta de usar a psicanálise para fazer análise objetiva de culturas fomentadoras de psicopatologias. Mas não tenho dúvida de que seu ponto de vista sobre a dimensão cultural das neuroses é fato irrefutável e que instituições religiosas deveriam se submeter a essa análise, a fim de refletir sobre a dor que infligem ao espírito humano por força de ideais irrealizáveis e desconectados da realidade. Contudo, é uma tarefa espinhosa e que requer imensa sabedoria, sensibilidade e diálogo com as ciências que lidam com o tema da psicopatologia."

Antonio C. Costa

Extraído do livro, "Azorrague", que foi lançado no final do ano passado pela Editora Mundo Cristão. Ele pode ser adquirido no site da Amazon.

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IGREJA E PSICOPATOLOGIA



"Não há a mínima dúvida de que igrejas podem criar ambientes psicopatológicos, com uma cultura e uma forma de administrar os conflitos morais dos seres humanos capazes de levar homens e mulheres à neurose crônica. Quanta energia gasta com a culpa que jamais é expiada! Quanta tentativa de transformar homem em anjo! Quanta obsessão com um aspecto da ética em detrimento daquilo sobre o que as Escrituras falam muito mais extensamente, como as condições de vida dos despossuídos, a promoção da justiça social, a defesa do direito e o amparo ao que carece de solidariedade!

Com as Escrituras abertas, todos os membros das mais diferentes igrejas deveriam fazer continuamente duas perguntas: “O modelo de espiritualidade de minha igreja fomenta a real santidade de vida?” e “O modelo de espiritualidade de minha igreja colabora para a disseminação de um comportamento neurótico?”. Vale a pena ouvir o que Freud tem a dizer sobre culturas que carecem do divã:

"Se o desenvolvimento da civilização possuiu uma semelhança de tão grande alcance com o desenvolvimento do indivíduo, e se emprega os mesmos métodos, não temos nós justificativa em diagnosticar que, sob a influência de premências culturais, algumas civilizações, ou algumas épocas, da civilização — possivelmente a totalidade da humanidade — se tornaram neuróticas? [...] Eu não diria que uma tentativa desse tipo, de transportar a psicanálise para a comunidade cultural, seja absurda ou que esteja fadada a ser infrutífera... podemos esperar que, um dia, alguém se aventure a se empenhar na elaboração de uma patologia das comunidades culturais".

Tenho profundo respeito pela psicanálise, embora não a veja como panaceia para as dores da alma. Pode ser que Freud tenha ido longe demais na proposta de usar a psicanálise para fazer análise objetiva de culturas fomentadoras de psicopatologias. Mas não tenho dúvida de que seu ponto de vista sobre a dimensão cultural das neuroses é fato irrefutável e que instituições religiosas deveriam se submeter a essa análise, a fim de refletir sobre a dor que infligem ao espírito humano por força de ideais irrealizáveis e desconectados da realidade. Contudo, é uma tarefa espinhosa e que requer imensa sabedoria, sensibilidade e diálogo com as ciências que lidam com o tema da psicopatologia."

Antonio C. Costa

Extraído do livro, "Azorrague", que foi lançado no final do ano passado pela Editora Mundo Cristão. Ele pode ser adquirido no site da Amazon.