quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Dor seletiva



Quão indignado fico
Pelos vidros quebrados
Documentos queimados
Fumaça e pedras por todo lado.

Me entristeço pela cor vermelha
Nas camisas, nas bandeiras
e tanto tumulto nas ruas
só podem ser vândalos nessa depredação.

O que menos importa nesse momento
São os prédios derrubados com gente dentro
E as pessoas sem direito de sustento.
Muito menos quem perdeu uma mão.

Não, não importa a violência sistemática
Os genocídios indígenas
As terras roubadas
Nem meninas estupradas.
Não importa, não.

Mesmo que votem as reformas
São as próximas gerações que sofrerão
Eu me vejo seguro nesse momento
Apenas incomodado com o barulho.

Não quero ouvir opiniões contrárias
Vou esfregar na cara minha formação e experiência
Porque a quebra das leis, de fato, não é o que interessa
O Estado Democrático de Direito deve servir só a mim.

Não importa a coerência de meus atos
Nem se o Deus a quem digo servir não pensa assim
Eu vou dizer ‘bem feito’ a todo o que for retaliado
E vou espalhar divisão e ódio ao redor de mim.

Pois somente o que é injustificável
são os atos de quem não simpatizo
a corrupção, o extermínio e a generalização
sistematizados 
não vem ao caso, não valorizo.

Prefiro manipular grupos segundo meus interesses
E dizer que isso é vontade de Deus
Generalizar as coisas, achando-me infalível
Não promover o diálogo, não ver os limites meus.

Se estão desrespeitando cidadãos
Se as leis estão quebradas
Se reformas são injustas
Não interessa

Devo pregar resignação
E que as pessoas aprendam a sofrer caladas
E a aceitar o fatalismo e o determinismo 
De minha seletiva indignação.

Angela Natel 

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Dor seletiva



Quão indignado fico
Pelos vidros quebrados
Documentos queimados
Fumaça e pedras por todo lado.

Me entristeço pela cor vermelha
Nas camisas, nas bandeiras
e tanto tumulto nas ruas
só podem ser vândalos nessa depredação.

O que menos importa nesse momento
São os prédios derrubados com gente dentro
E as pessoas sem direito de sustento.
Muito menos quem perdeu uma mão.

Não, não importa a violência sistemática
Os genocídios indígenas
As terras roubadas
Nem meninas estupradas.
Não importa, não.

Mesmo que votem as reformas
São as próximas gerações que sofrerão
Eu me vejo seguro nesse momento
Apenas incomodado com o barulho.

Não quero ouvir opiniões contrárias
Vou esfregar na cara minha formação e experiência
Porque a quebra das leis, de fato, não é o que interessa
O Estado Democrático de Direito deve servir só a mim.

Não importa a coerência de meus atos
Nem se o Deus a quem digo servir não pensa assim
Eu vou dizer ‘bem feito’ a todo o que for retaliado
E vou espalhar divisão e ódio ao redor de mim.

Pois somente o que é injustificável
são os atos de quem não simpatizo
a corrupção, o extermínio e a generalização
sistematizados 
não vem ao caso, não valorizo.

Prefiro manipular grupos segundo meus interesses
E dizer que isso é vontade de Deus
Generalizar as coisas, achando-me infalível
Não promover o diálogo, não ver os limites meus.

Se estão desrespeitando cidadãos
Se as leis estão quebradas
Se reformas são injustas
Não interessa

Devo pregar resignação
E que as pessoas aprendam a sofrer caladas
E a aceitar o fatalismo e o determinismo 
De minha seletiva indignação.

Angela Natel