Seríamos mais felizes se nossos inimigos não
existissem. Comecei a pensar nessa frase após uma aula de perspectiva histórica
sobre o cristianismo desde o ano I até os dias de hoje. O grande ponto em
questão aqui é: quem é nosso verdadeiro inimigo? Serão os adeptos de outras
religiões? Serão os que encabeçam ou defendem causas
que parecem nos desafiar? Serão os organizadores de marchas e eventos que
possam confrontar nossos valores e princípios?
Ao pensar nas cruzadas entendo que zelo sem
conhecimento, discernimento ou preparo não resulta em outra coisa senão um
massacre, um atentado contra a humanidade. A falta de atenção aos modelos
históricos estão nos afetando por demais, no sentido de que constantemente vivemos
à beira de cometermos os mesmos erros.
Não, não somos nada originais em nosso pecado.
Massacramos o outro ao simplesmente ignorar que a ele pertence por direito a
condição de pessoa, não de objeto. Destruímos o que há de mais belo na criação
de Deus quando destituímos o outro de sua singularidade enquanto pessoa, de sua
cultura, de seu saber. Até mesmo quando vetamos ao outro o simples direito de
escolha, ainda que o defendamos para nós mesmos.
Porém, ao ser confrontada ontem pelas marcas da
história, me dei conta de que não somos nada originais também em nosso desejo
de aniquilar aquele a quem consideramos uma ameaça às nossas convicções. Como
os cristãos que se juntaram a Gengis Khan em sua tentativa de se verem livres
de uma vez por todas dos árabes (na época tão tolerantes com sua vida de fé),
hoje nos vemos rodeados de iniciativas não menos impetuosas de acabar com a
vida, os direitos civis e a voz de quem toma o lugar e age onde julgamos nos
pertencer.
Nos consideramos deuses de nosso país, onde somente
a marcha por aquilo que defendemos pode ter vez, ainda que por meios escusos,
ainda que promova mais nosso ego do que necessariamente os valores que dizemos
pregar. Em nossa vaidade, preferimos ignorar a existência daqueles que em nada
acrescentam à causa que dizemos defender, nada fazendo por vidas que estão
sendo dizimadas (como os indígenas brasileiros e outros grupos não menos
marginalizados), e colocando em dúvida a ação e motivação daqueles que se põem
em sua defesa.
Talvez até mesmo haja em nosso meio aqueles que se
sentiriam aliviados caso houvesse um real extermínio de toda a classe LGBT, já
que ainda com o discurso de amor não há de fato uma realidade em nossas igrejas
que demonstre aceitação e convivência pacífica disponível para receber tais
pessoas. Dizemos que amamos, mas não criamos, na prática, condições para que
estas pessoas sejam bem recebidas e convivam tranquilamente em nossas
comunidades.
No ano em que o Mein Kampf (‘Minha luta’, livro de
Adolf Hitler) ganha domínio público e já desperta discussões sobre a
disseminação de suas ideias, não duvido nem um pouco que o pensamento nele
contido já tenha tomado forma nos corações de muitos que se dizem cristãos no
sentido de, lá no fundo, pensar que o sossego, a paz, a expansão da cristandade
em liberdade e o estabelecimento da justiça estejam condicionados ao
extermínio, ainda que em termos “apenas” de desaparecimento, daqueles que
representam oposição, ameaça ou até mesmo confronto aos seus ideias e valores.
E pensar que as aulas de história já não são mais
tão valorizadas – o que é uma pena. Considero que toda igreja cristã que se
preze deveria dedicar tempo no ensino e reflexão históricos, exatamente porque
incorremos nos mesmos erros que tantos cristãos na história vieram a cometer.
Ao pensar na vida de Jesus Cristo, não é possível
deixar de nos envergonharmos em nosso ímpeto pela anulação do outro. Jesus, que
foi perfeito e fiel até a morte, insistiu em olhar o outro com graça, verdade e
misericórdia, se deixando entregar nas mãos daqueles que o confrontavam, sem
nunca atentar contra seus direitos civis, sua liberdade ou sua vida. Nos
identificamos com Jesus Cristo ao nos autodenominarmos ‘cristãos’, porém em
nossa atitude agimos muito mais coerentemente com as ideias do Mein Kampf - justificando
a aniquilação do outro com fins superiores-, com a linha de raciocínio dos
cruzados - estuprando a consciência alheia em nome de Deus- ou com os cristãos
que se juntaram a Gengis Kahn, utilizando-nos de meios políticos, econômicos e
militares para destituir o outro de sua condição humana em seus direitos de
existir como tal.
Que em meios às turbulentas épocas em que vivemos,
sejamos mais coerentes com os modelos históricos que se identificaram com Jesus
Cristo do que com aqueles que levaram a ferro e fogo suas convicções, a ponto
de se considerarem superiores em sua práxis missionária. Que sejamos mais
sensíveis à condição humana que nos cerca e que não lutemos por direitos que
não estejamos dispostos a compartilhar com todos, independentemente de sua fé e
prática.
O que mais me preocupa em nossos dias, não é a ação
de grupos que pensam diferente de nós, mas a incoerência de nossas ações com
relação ao evangelho que pregamos. Nesse sentido, a história que estamos
escrevendo para as futuras gerações não difere em nada das cruzadas, do
massacre dos mongóis ou do holocausto judeu.
Angela
Natel – 09/01/2016
Cristãos em tempos de extermínio – quando o outro perde o direito de existir
Seríamos mais felizes se nossos inimigos não
existissem. Comecei a pensar nessa frase após uma aula de perspectiva histórica
sobre o cristianismo desde o ano I até os dias de hoje. O grande ponto em
questão aqui é: quem é nosso verdadeiro inimigo? Serão os adeptos de outras
religiões? Serão os que encabeçam ou defendem causas
que parecem nos desafiar? Serão os organizadores de marchas e eventos que
possam confrontar nossos valores e princípios?
Ao pensar nas cruzadas entendo que zelo sem
conhecimento, discernimento ou preparo não resulta em outra coisa senão um
massacre, um atentado contra a humanidade. A falta de atenção aos modelos
históricos estão nos afetando por demais, no sentido de que constantemente vivemos
à beira de cometermos os mesmos erros.
Não, não somos nada originais em nosso pecado.
Massacramos o outro ao simplesmente ignorar que a ele pertence por direito a
condição de pessoa, não de objeto. Destruímos o que há de mais belo na criação
de Deus quando destituímos o outro de sua singularidade enquanto pessoa, de sua
cultura, de seu saber. Até mesmo quando vetamos ao outro o simples direito de
escolha, ainda que o defendamos para nós mesmos.
Porém, ao ser confrontada ontem pelas marcas da
história, me dei conta de que não somos nada originais também em nosso desejo
de aniquilar aquele a quem consideramos uma ameaça às nossas convicções. Como
os cristãos que se juntaram a Gengis Khan em sua tentativa de se verem livres
de uma vez por todas dos árabes (na época tão tolerantes com sua vida de fé),
hoje nos vemos rodeados de iniciativas não menos impetuosas de acabar com a
vida, os direitos civis e a voz de quem toma o lugar e age onde julgamos nos
pertencer.
Nos consideramos deuses de nosso país, onde somente
a marcha por aquilo que defendemos pode ter vez, ainda que por meios escusos,
ainda que promova mais nosso ego do que necessariamente os valores que dizemos
pregar. Em nossa vaidade, preferimos ignorar a existência daqueles que em nada
acrescentam à causa que dizemos defender, nada fazendo por vidas que estão
sendo dizimadas (como os indígenas brasileiros e outros grupos não menos
marginalizados), e colocando em dúvida a ação e motivação daqueles que se põem
em sua defesa.
Talvez até mesmo haja em nosso meio aqueles que se
sentiriam aliviados caso houvesse um real extermínio de toda a classe LGBT, já
que ainda com o discurso de amor não há de fato uma realidade em nossas igrejas
que demonstre aceitação e convivência pacífica disponível para receber tais
pessoas. Dizemos que amamos, mas não criamos, na prática, condições para que
estas pessoas sejam bem recebidas e convivam tranquilamente em nossas
comunidades.
No ano em que o Mein Kampf (‘Minha luta’, livro de
Adolf Hitler) ganha domínio público e já desperta discussões sobre a
disseminação de suas ideias, não duvido nem um pouco que o pensamento nele
contido já tenha tomado forma nos corações de muitos que se dizem cristãos no
sentido de, lá no fundo, pensar que o sossego, a paz, a expansão da cristandade
em liberdade e o estabelecimento da justiça estejam condicionados ao
extermínio, ainda que em termos “apenas” de desaparecimento, daqueles que
representam oposição, ameaça ou até mesmo confronto aos seus ideias e valores.
E pensar que as aulas de história já não são mais
tão valorizadas – o que é uma pena. Considero que toda igreja cristã que se
preze deveria dedicar tempo no ensino e reflexão históricos, exatamente porque
incorremos nos mesmos erros que tantos cristãos na história vieram a cometer.
Ao pensar na vida de Jesus Cristo, não é possível
deixar de nos envergonharmos em nosso ímpeto pela anulação do outro. Jesus, que
foi perfeito e fiel até a morte, insistiu em olhar o outro com graça, verdade e
misericórdia, se deixando entregar nas mãos daqueles que o confrontavam, sem
nunca atentar contra seus direitos civis, sua liberdade ou sua vida. Nos
identificamos com Jesus Cristo ao nos autodenominarmos ‘cristãos’, porém em
nossa atitude agimos muito mais coerentemente com as ideias do Mein Kampf - justificando
a aniquilação do outro com fins superiores-, com a linha de raciocínio dos
cruzados - estuprando a consciência alheia em nome de Deus- ou com os cristãos
que se juntaram a Gengis Kahn, utilizando-nos de meios políticos, econômicos e
militares para destituir o outro de sua condição humana em seus direitos de
existir como tal.
Que em meios às turbulentas épocas em que vivemos,
sejamos mais coerentes com os modelos históricos que se identificaram com Jesus
Cristo do que com aqueles que levaram a ferro e fogo suas convicções, a ponto
de se considerarem superiores em sua práxis missionária. Que sejamos mais
sensíveis à condição humana que nos cerca e que não lutemos por direitos que
não estejamos dispostos a compartilhar com todos, independentemente de sua fé e
prática.
O que mais me preocupa em nossos dias, não é a ação
de grupos que pensam diferente de nós, mas a incoerência de nossas ações com
relação ao evangelho que pregamos. Nesse sentido, a história que estamos
escrevendo para as futuras gerações não difere em nada das cruzadas, do
massacre dos mongóis ou do holocausto judeu.
Angela
Natel – 09/01/2016
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