domingo, 14 de outubro de 2018

We're all sinners! - #Somostodospecadores



O dia se inicia numa sexta-feira fria em Curitiba. Estou em casa. Sinto-me em casa. Relaxo um pouco depois de uma semana cheia de turbulências. E que semana!
Sexta passada um monstro da literatura brasileira se foi: João Ubaldo Ribeiro. No sábado, foi a vez da despedida de Rubem Alves. Na quarta, Ariano Suassuna deu seu último suspiro e nos deixou. 
Em meio às perdas literárias, já se passam mais de 15 dias em que o mundo acompanha as notícias de centenas de mortes em Gaza, fruto de um embate cuja explicação contém sempre muitos hiatos, muitas reticências.
Ainda nesta semana de turbulências, participei de um ato em solidariedade às vítimas palestinas na região do conflito em Gaza - pela vida, pela paz, pelo consolo às famílias enlutadas.
Porém, o que mais me surpreende é a repercussão e o desvio que muito do discurso em favor da paz pode assumir, uma verdadeira subversão aos verdadeiros propósitos da defesa dos Direitos Humanos: a demonização do outro.
Independentemente da posição que se assuma em qualquer situação, o que permite o diálogo e a busca pela paz e soluções plausíveis dentro do respeito aos Direitos Humanos nunca envolve a violência como resposta, muito menos o discurso de ódio, a despeito da atitude alheia.
É muito fácil, em nossos dias, com o pouco de informação e experiência ao nosso alcance, assumirmos um discurso belo e formoso que em pouco tempo se transforma numa campanha em favor do aniquilamento de quem nos agride, seja manchando seu nome, sua reputação, ou incitando a violência contra ele. 
Não se trata de defender a agressão nem omitir justiça, trata-se de reconhecer a humanidade de toda e qualquer pessoa, seja quem ela for, bem como seus direitos como tal. Apontar o dedo e gritar: "Assassino!" é relativamente fácil. Difícil é perceber a repercussão que nosso discurso tem nos ouvidos dos incautos, e toda a inconsequência que se segue gerando novos atos de violência como resposta.
Não sei bem como essa reflexão chegará aos ouvidos e corações de muitas pessoas, mas não posso me omitir. 
Quando muitos me veem segurando uma bandeira palestina numa foto, abraçando líderes judeus, dialogando com ateus e teólogos cristãos e me envolvendo em discussões e pesquisas teológicas e em Direitos Humanos, sempre corro o risco de ser mal compreendida.
Por isso, quando me recordo da narrativa do evento de Jesus diante da mulher adúltera (João 8:1-11), quando sua fala permitiu aos ouvintes uma tomada de postura autocrítica, fico realmente imaginando-me na cena, se me considero com autonomia tal que possa atirar a pedra que for no outro que me ofende em palavras, atitudes ou ataques às minhas mais sinceras convicções.
Justiça precisa ser feita, mas de maneira humana e digna, sem que se assuma os mesmos meios de violência e ataque através dos quais se sofre a ação de outrem.
Vingança e discurso de ódio se auto reproduzem por si só, e precisam ser neutralizados com misericórdia, justiça, firmeza e solidariedade. Essa ideia é uma verdadeira revolução subversiva ao sistema que está há tanto enraizado em nossos corações. Somos imersos numa sociedade justiceira, que se manifesta quando se sente ameaçada.
É por isso que, mesmo em se tratando de uma reflexão pessoal como tantas outras que me permito fazer, desejo, de coração, que os leitores sejam desafiados da mesma maneira que estou sendo nesta semana de tantos embates internos e externos. Somos desafiados a repensar nossa maneira de responder às injustiças sofridas, a questionar nosso hábito de demonizar a pessoa humana, quando sua atitude nos agride de alguma maneira. 
Quem, neste mundo, se habilita a ser juiz do erro alheio, da falta de caráter e de amor? Quem, em todo este mundo, é perfeitamente capaz de, imparcialmente, distanciar-se de uma situação de injustiça e morte, e julgar o outro, exigindo do mesmo que pague com a própria vida, saúde, reputação ou dignidade, pelo mal feito a terceiros? Quem é capaz de determinar uma pena perfeitamente justa àquele que tira a vida de outro, sem recorrer à mesma atitude homicida?
São questionamentos que venho me fazendo nesta semana de milhares de perdas por todo o mundo.
Me solidarizo com as famílias enlutadas, não somente em Gaza, mas também em Angola, na Venezuela, na Colômbia, na Coréia do Norte, na Ucrânia, na Eritreia, na Síria, no Brasil, na Nigéria, nos Estados Unidos, na China, na Rússia, em Moçambique, e em tantos outros lugares. Como escrevi num poema, a morte nunca chega bem, mesmo quando vem silenciosa.
Mas não precisamos combater a morte com mais morte. Podemos levantar nossas vozes num discurso diferente, um discurso de paz, de vida, de ação consciente, de cuidado com as palavras que pronunciamos, porque inevitavelmente elas geram vida ou morte naqueles que a ouvem.
São palavras, que lanço numa tentativa de refletir mais a respeito, sem a pretensão de encerrar questões tão complexas como as que se nos apresentam.
Trata-se de uma reflexão humana, para corações humanos, passível de erro, como qualquer outra ação humana.

Angela Natel - 25 de julho de 2014.

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We're all sinners! - #Somostodospecadores



O dia se inicia numa sexta-feira fria em Curitiba. Estou em casa. Sinto-me em casa. Relaxo um pouco depois de uma semana cheia de turbulências. E que semana!
Sexta passada um monstro da literatura brasileira se foi: João Ubaldo Ribeiro. No sábado, foi a vez da despedida de Rubem Alves. Na quarta, Ariano Suassuna deu seu último suspiro e nos deixou. 
Em meio às perdas literárias, já se passam mais de 15 dias em que o mundo acompanha as notícias de centenas de mortes em Gaza, fruto de um embate cuja explicação contém sempre muitos hiatos, muitas reticências.
Ainda nesta semana de turbulências, participei de um ato em solidariedade às vítimas palestinas na região do conflito em Gaza - pela vida, pela paz, pelo consolo às famílias enlutadas.
Porém, o que mais me surpreende é a repercussão e o desvio que muito do discurso em favor da paz pode assumir, uma verdadeira subversão aos verdadeiros propósitos da defesa dos Direitos Humanos: a demonização do outro.
Independentemente da posição que se assuma em qualquer situação, o que permite o diálogo e a busca pela paz e soluções plausíveis dentro do respeito aos Direitos Humanos nunca envolve a violência como resposta, muito menos o discurso de ódio, a despeito da atitude alheia.
É muito fácil, em nossos dias, com o pouco de informação e experiência ao nosso alcance, assumirmos um discurso belo e formoso que em pouco tempo se transforma numa campanha em favor do aniquilamento de quem nos agride, seja manchando seu nome, sua reputação, ou incitando a violência contra ele. 
Não se trata de defender a agressão nem omitir justiça, trata-se de reconhecer a humanidade de toda e qualquer pessoa, seja quem ela for, bem como seus direitos como tal. Apontar o dedo e gritar: "Assassino!" é relativamente fácil. Difícil é perceber a repercussão que nosso discurso tem nos ouvidos dos incautos, e toda a inconsequência que se segue gerando novos atos de violência como resposta.
Não sei bem como essa reflexão chegará aos ouvidos e corações de muitas pessoas, mas não posso me omitir. 
Quando muitos me veem segurando uma bandeira palestina numa foto, abraçando líderes judeus, dialogando com ateus e teólogos cristãos e me envolvendo em discussões e pesquisas teológicas e em Direitos Humanos, sempre corro o risco de ser mal compreendida.
Por isso, quando me recordo da narrativa do evento de Jesus diante da mulher adúltera (João 8:1-11), quando sua fala permitiu aos ouvintes uma tomada de postura autocrítica, fico realmente imaginando-me na cena, se me considero com autonomia tal que possa atirar a pedra que for no outro que me ofende em palavras, atitudes ou ataques às minhas mais sinceras convicções.
Justiça precisa ser feita, mas de maneira humana e digna, sem que se assuma os mesmos meios de violência e ataque através dos quais se sofre a ação de outrem.
Vingança e discurso de ódio se auto reproduzem por si só, e precisam ser neutralizados com misericórdia, justiça, firmeza e solidariedade. Essa ideia é uma verdadeira revolução subversiva ao sistema que está há tanto enraizado em nossos corações. Somos imersos numa sociedade justiceira, que se manifesta quando se sente ameaçada.
É por isso que, mesmo em se tratando de uma reflexão pessoal como tantas outras que me permito fazer, desejo, de coração, que os leitores sejam desafiados da mesma maneira que estou sendo nesta semana de tantos embates internos e externos. Somos desafiados a repensar nossa maneira de responder às injustiças sofridas, a questionar nosso hábito de demonizar a pessoa humana, quando sua atitude nos agride de alguma maneira. 
Quem, neste mundo, se habilita a ser juiz do erro alheio, da falta de caráter e de amor? Quem, em todo este mundo, é perfeitamente capaz de, imparcialmente, distanciar-se de uma situação de injustiça e morte, e julgar o outro, exigindo do mesmo que pague com a própria vida, saúde, reputação ou dignidade, pelo mal feito a terceiros? Quem é capaz de determinar uma pena perfeitamente justa àquele que tira a vida de outro, sem recorrer à mesma atitude homicida?
São questionamentos que venho me fazendo nesta semana de milhares de perdas por todo o mundo.
Me solidarizo com as famílias enlutadas, não somente em Gaza, mas também em Angola, na Venezuela, na Colômbia, na Coréia do Norte, na Ucrânia, na Eritreia, na Síria, no Brasil, na Nigéria, nos Estados Unidos, na China, na Rússia, em Moçambique, e em tantos outros lugares. Como escrevi num poema, a morte nunca chega bem, mesmo quando vem silenciosa.
Mas não precisamos combater a morte com mais morte. Podemos levantar nossas vozes num discurso diferente, um discurso de paz, de vida, de ação consciente, de cuidado com as palavras que pronunciamos, porque inevitavelmente elas geram vida ou morte naqueles que a ouvem.
São palavras, que lanço numa tentativa de refletir mais a respeito, sem a pretensão de encerrar questões tão complexas como as que se nos apresentam.
Trata-se de uma reflexão humana, para corações humanos, passível de erro, como qualquer outra ação humana.

Angela Natel - 25 de julho de 2014.