segunda-feira, 18 de abril de 2016

MPEACHMENT A teatralização da política

O poder político é sempre uma teatrocracia, isso é o que, em suma, nos ensina o francês Georges Balandier. A legitimição do poder pela força é coisa de um governo débil. Ele é sempre uma ação encenada. Se depender apenas da força, por mais forte que possa ser, um governo fica vulnerável. Nesse sentido, um poder vai ser efetivo quanto mais for capaz de representar aquilo que de fato não seja na essência.

A teatralização é o que torna o poder deglutível. A adesão a ele é emocional e é provocada na cerimonialização, dramatização, espetaculização e sacralização dos símbolos e na atuação dos agentes no caldeirão social.

Todo o cenário do impeachment é isso: uma grande encenação. Os gestos são largos, espalhafatosos, messiânicos, grandiloquentes. Você é convidado a dar um ar de gravidade à coisa. As paixões são provocadas ao máximo. Mas não deixa de ser um grande teatro. Nada é tão sério quanto parece ainda que a coisa seja mais séria do que possa parecer.

Na sociedade do espetáculo, os truques são feitos a um palmo de nosso nariz mas não percebemos. Nossa boa fé é boa demais para descrer que haja boa fé nos atores que encenam o poder. Se Giddens nos fala da fé tecnológica, qu nos faz embarcar em um avião sem medo, tem de haver também a fé política. O poder precisa ser percebido diferentemente do que é.

O voto mais honesto nesse teatro dos horrores de ontem foi o do ex-dirigente do Corinthians Andrés Sanchez. Foi o que demonstrou mais desprezo pela encenação toda. Uma postura niilista com relação às verdades representadas. Foi o gesto de quem queria nos dizer "vocês não sabem da missa um terço". Esse é o tipo de gesto que se entrega, portanto, não interessa ao palco onde as decisões são tomadas.

Nós também encenamos, do contrário, nos sentiríamos patéticos. Somos constantemente provocados a reaffurmarmos a fé nas bandeiras que ostentamos. O poder é difuso e se manifesta também na relação "eu comigo mesmo". Precisamos crer para acreditar. O poder tem que me ser legítimo também. Enganamo-nos para que não nos enganem. Recusamos ser nossos próprios tiranos. A isso chamamos vagamente de consciência, o espaço mental de nosso descarrego existencial.

Se você quiser fazer o teste do ridículo da sua assistência a tal teatralização, permita-se a tortura de rever o espetáculo. Agora, com o sangue frio, sem as fímbrias das emoções do calor das horas, sua leitura será outra. Aí, então, como Macbeth de Shakespeare, você vai perceber que "a vida é uma simples sombra que passa (...); é uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa”.

Talvez seja maturidade, ou quem sabe loucura, tornar-se um Andrés Sanchez. Na medida em que a vida tenha se tornado também um grande teatro, um desfile de aparências en detrimento das essências, o representar tenha se tornado nosso último refúgio. E, então, como diria o grande dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett, "não tenho nada para dizer, mas só eu sei dizer isso".

E toquemos a vida.

Dilson Cunha
18.04.16


fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=899282470180582&set=a.419744141467753.1073741834.100002965120447&type=3&theater

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MPEACHMENT A teatralização da política

O poder político é sempre uma teatrocracia, isso é o que, em suma, nos ensina o francês Georges Balandier. A legitimição do poder pela força é coisa de um governo débil. Ele é sempre uma ação encenada. Se depender apenas da força, por mais forte que possa ser, um governo fica vulnerável. Nesse sentido, um poder vai ser efetivo quanto mais for capaz de representar aquilo que de fato não seja na essência.

A teatralização é o que torna o poder deglutível. A adesão a ele é emocional e é provocada na cerimonialização, dramatização, espetaculização e sacralização dos símbolos e na atuação dos agentes no caldeirão social.

Todo o cenário do impeachment é isso: uma grande encenação. Os gestos são largos, espalhafatosos, messiânicos, grandiloquentes. Você é convidado a dar um ar de gravidade à coisa. As paixões são provocadas ao máximo. Mas não deixa de ser um grande teatro. Nada é tão sério quanto parece ainda que a coisa seja mais séria do que possa parecer.

Na sociedade do espetáculo, os truques são feitos a um palmo de nosso nariz mas não percebemos. Nossa boa fé é boa demais para descrer que haja boa fé nos atores que encenam o poder. Se Giddens nos fala da fé tecnológica, qu nos faz embarcar em um avião sem medo, tem de haver também a fé política. O poder precisa ser percebido diferentemente do que é.

O voto mais honesto nesse teatro dos horrores de ontem foi o do ex-dirigente do Corinthians Andrés Sanchez. Foi o que demonstrou mais desprezo pela encenação toda. Uma postura niilista com relação às verdades representadas. Foi o gesto de quem queria nos dizer "vocês não sabem da missa um terço". Esse é o tipo de gesto que se entrega, portanto, não interessa ao palco onde as decisões são tomadas.

Nós também encenamos, do contrário, nos sentiríamos patéticos. Somos constantemente provocados a reaffurmarmos a fé nas bandeiras que ostentamos. O poder é difuso e se manifesta também na relação "eu comigo mesmo". Precisamos crer para acreditar. O poder tem que me ser legítimo também. Enganamo-nos para que não nos enganem. Recusamos ser nossos próprios tiranos. A isso chamamos vagamente de consciência, o espaço mental de nosso descarrego existencial.

Se você quiser fazer o teste do ridículo da sua assistência a tal teatralização, permita-se a tortura de rever o espetáculo. Agora, com o sangue frio, sem as fímbrias das emoções do calor das horas, sua leitura será outra. Aí, então, como Macbeth de Shakespeare, você vai perceber que "a vida é uma simples sombra que passa (...); é uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa”.

Talvez seja maturidade, ou quem sabe loucura, tornar-se um Andrés Sanchez. Na medida em que a vida tenha se tornado também um grande teatro, um desfile de aparências en detrimento das essências, o representar tenha se tornado nosso último refúgio. E, então, como diria o grande dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett, "não tenho nada para dizer, mas só eu sei dizer isso".

E toquemos a vida.

Dilson Cunha
18.04.16


fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=899282470180582&set=a.419744141467753.1073741834.100002965120447&type=3&theater