quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Crônicas de uma divorciada - 5. Posso olhar nos teus olhos e dizer ‘Passou!’


Até parece que um século se passou desde o último olhar, o último abraço, o último momento que passamos juntos.
Hoje consigo escrever sobre isso, olhar as fotos e ter uma compreensão totalmente nova sobre a situação. Posso afirmar que racionalizei a dor, que consegui transferi-la do âmbito do coração para algum outro lugar em meu cérebro, que em minha alma as coisas tomaram outro rumo, outra percepção.
Foi há quase seis anos que nos despedimos pela última vez, e daqui a dois meses celebrarei três anos de divórcio, finalizando um desafiador período de luto.
Hoje afirmo que posso te olhar nos olhos, sorrir e dizer: ‘Passou!’
Hoje consigo olhar para o futuro com esperança e, com isso, planejar novos rumos, sem medo de te encontrar novamente, sem medo dos abusos, de me ver novamente enredada por minhas próprias carências. E hoje, mais do que nunca, me sinto livre para acreditar que tenho outras possibilidades.
Sim, hoje posso te olhar nos olhos e dizer: ‘Estou muito feliz na condição em que me encontro hoje, e sou grata pelo aprendizado na experiência das dores e nas alegrias que vivemos em meio a elas’ – porque sim, houveram momentos de alegria.
Posso hoje te olhar nos olhos e te contar que, apesar de me sentir tão realizada ao assinar ‘divorciada’, e em muitas situações me sentir privilegiada com este estado civil, tenho consciência da liberdade em poder construir uma história com outra pessoa que esteja olhando na mesma direção que eu – e assim evitar os erros, as frustrações e os traumas que vivemos e que precisaram ser superados neste período em que estivemos separados.
Hoje posso me sentir desligada deste relacionamento doentio, no qual vivíamos pensando possuir um ao outro, e agíamos cegos dentro de uma arredoma cultural da qual não conseguíamos sair a fim de compartilhar uma vida juntos.
Hoje posso dizer: ‘Passou!’ E sou livre, divorciada, feliz, realizada, prestes a me lançar numa nova jornada de conquistas e novidade de vida.
E nesse breve escrito quero aproveitar a oportunidade para também dizer: ‘Obrigada por suportar tantas lutas, mesmo sem compreender a maior parte delas, e por ter feito parte de uma grande lição de vida, sem a qual eu não teria condições de assumir minhas limitações e, a partir da qual posso me reerguer, tal qual uma fênix, e renascer para uma nova vida’.
Sim, passou, podem dizer o que quiserem a esse respeito, tentar reatar um casamento cujas páginas já se viraram e cujo livro se encerrou. Quando alguém insinua que ainda há possibilidade de retorno, de restauração para esta história, este casamento, sorrio dentro de mim, pela ingenuidade de quem, eu sei, só quer o meu bem, mas não compreende os caminhos do meu coração diante de Deus, diante da vida, nem esteve em meu lugar. Sim, sorrio, porque só quem caminha mais de perto é capaz de ver, ainda que de forma limitada, o quanto sou feliz divorciada.
Neste dia quero expressar minha gratidão, primeiramente a Deus por tão grande graça e compaixão; por aceitar-me, ajudar-me, por sustentar-me a cada dia, e como se mantém me ensinando em cada situação.
Quero agradecer a meus pais que, em meio a tanta luta e tantos desafios, se colocaram ao meu lado, a despeito de toda incompreensão e julgamento, e me apoiaram com corajosa força e aceitação.
Agradeço especialmente àqueles que nunca usaram de condenação para tratar comigo, mesmo quando eu mesma me condenava. E estes que lutaram bravamente por manter a amizade e a confiança que tanto me ajudam nos momentos difíceis.
E, finalmente, te olho nos olhos e digo: ‘Passou! Por isso te agradeço, por ter me dado este tempo tão precioso para ser restaurada, e poder recomeçar sem medo, sem laços que me prendam nem a você nem a ninguém, e ter estrutura para reaprender a amar. Obrigada, seja feliz, siga em frente. Eu sigo realizada, feliz, divorciada, porque a dor, o trauma, o medo, tudo passou’.

Angela Natel – outubro de 2014


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Crônicas de uma divorciada - 5. Posso olhar nos teus olhos e dizer ‘Passou!’


Até parece que um século se passou desde o último olhar, o último abraço, o último momento que passamos juntos.
Hoje consigo escrever sobre isso, olhar as fotos e ter uma compreensão totalmente nova sobre a situação. Posso afirmar que racionalizei a dor, que consegui transferi-la do âmbito do coração para algum outro lugar em meu cérebro, que em minha alma as coisas tomaram outro rumo, outra percepção.
Foi há quase seis anos que nos despedimos pela última vez, e daqui a dois meses celebrarei três anos de divórcio, finalizando um desafiador período de luto.
Hoje afirmo que posso te olhar nos olhos, sorrir e dizer: ‘Passou!’
Hoje consigo olhar para o futuro com esperança e, com isso, planejar novos rumos, sem medo de te encontrar novamente, sem medo dos abusos, de me ver novamente enredada por minhas próprias carências. E hoje, mais do que nunca, me sinto livre para acreditar que tenho outras possibilidades.
Sim, hoje posso te olhar nos olhos e dizer: ‘Estou muito feliz na condição em que me encontro hoje, e sou grata pelo aprendizado na experiência das dores e nas alegrias que vivemos em meio a elas’ – porque sim, houveram momentos de alegria.
Posso hoje te olhar nos olhos e te contar que, apesar de me sentir tão realizada ao assinar ‘divorciada’, e em muitas situações me sentir privilegiada com este estado civil, tenho consciência da liberdade em poder construir uma história com outra pessoa que esteja olhando na mesma direção que eu – e assim evitar os erros, as frustrações e os traumas que vivemos e que precisaram ser superados neste período em que estivemos separados.
Hoje posso me sentir desligada deste relacionamento doentio, no qual vivíamos pensando possuir um ao outro, e agíamos cegos dentro de uma arredoma cultural da qual não conseguíamos sair a fim de compartilhar uma vida juntos.
Hoje posso dizer: ‘Passou!’ E sou livre, divorciada, feliz, realizada, prestes a me lançar numa nova jornada de conquistas e novidade de vida.
E nesse breve escrito quero aproveitar a oportunidade para também dizer: ‘Obrigada por suportar tantas lutas, mesmo sem compreender a maior parte delas, e por ter feito parte de uma grande lição de vida, sem a qual eu não teria condições de assumir minhas limitações e, a partir da qual posso me reerguer, tal qual uma fênix, e renascer para uma nova vida’.
Sim, passou, podem dizer o que quiserem a esse respeito, tentar reatar um casamento cujas páginas já se viraram e cujo livro se encerrou. Quando alguém insinua que ainda há possibilidade de retorno, de restauração para esta história, este casamento, sorrio dentro de mim, pela ingenuidade de quem, eu sei, só quer o meu bem, mas não compreende os caminhos do meu coração diante de Deus, diante da vida, nem esteve em meu lugar. Sim, sorrio, porque só quem caminha mais de perto é capaz de ver, ainda que de forma limitada, o quanto sou feliz divorciada.
Neste dia quero expressar minha gratidão, primeiramente a Deus por tão grande graça e compaixão; por aceitar-me, ajudar-me, por sustentar-me a cada dia, e como se mantém me ensinando em cada situação.
Quero agradecer a meus pais que, em meio a tanta luta e tantos desafios, se colocaram ao meu lado, a despeito de toda incompreensão e julgamento, e me apoiaram com corajosa força e aceitação.
Agradeço especialmente àqueles que nunca usaram de condenação para tratar comigo, mesmo quando eu mesma me condenava. E estes que lutaram bravamente por manter a amizade e a confiança que tanto me ajudam nos momentos difíceis.
E, finalmente, te olho nos olhos e digo: ‘Passou! Por isso te agradeço, por ter me dado este tempo tão precioso para ser restaurada, e poder recomeçar sem medo, sem laços que me prendam nem a você nem a ninguém, e ter estrutura para reaprender a amar. Obrigada, seja feliz, siga em frente. Eu sigo realizada, feliz, divorciada, porque a dor, o trauma, o medo, tudo passou’.

Angela Natel – outubro de 2014