quinta-feira, 30 de abril de 2020

Tiago Nonato - Pandemia Brasil

Leitura da semana: trecho de "Holocausto brasileiro", de Daniela Arbex.

Ann Lee




"Mãe" Ann Lee (29 de fevereiro de 1736 - 8 de setembro de 1784)!
#Pacifista #Mística #Comunista
Fundadora da Sociedade Unida de Crentes na Segunda Aparição de Cristo (mais conhecido como Shakers). Defendia a simplicidade no estilo de vida. Advogava pela igualdade de gênero. Defendia o celibato e a modéstia. Os Shakers acreditavam que a Mãe Ann incorporava todas as perfeições de Deus na forma feminina, que na verdade ela era a segunda vinda de Cristo. Nasceu em Manchester, Inglaterra. Morreu em Watervliet, Nova York. Enterrada no Shaker Cemetery, em Colonie, Nova York. (Foto: Vila Watervliet, década de 1870).
~ A série de heróis do movimento matriarcal menonita.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Pat Arrowsmith




Pat Arrowsmith (nascida em 2 de março de 1930)!
#Pacifista #Socialista #Ativista antiguerra. 
Ativista de direitos humanos. Ativista antinuclear. Ativista dos direitos LGBT. Escritora. Nascida de pais missionários em Leamington Spa, Inglaterra. Membro de longa data da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND). Pat cumpriu várias sentenças de prisão por suas atividades políticas ao longo dos anos.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Eduardo Marinho previsões sobre Bolsonaro

MADONNA - MADAME X TOUR Part 02 - Concert Highlights (Fan Special Footage)

MADONNA - MADAME X TOUR Part 01 - Concert Highlights (Fan Footage)

Dorothy Buxton




Dorothy Buxton (3 de março de 1881 - 8 de abril de 1963)!
#Quacker #Pacifista #Humanitária #Internacionalista #Advogado para crianças
 Membro da Liga Internacional Feminina pela Paz e Liberdade (WILPF). Secretária do Conselho de Combate à Fome durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919, Dorothy e sua irmã Eglantyne fundaram o Fundo Save the Children com o objetivo de ajudar civis prejudicados pelo bloqueio aliado da Alemanha. (Save the Children ainda existe hoje, trabalhando em 120 países.) Nascida em Ellesmere, Inglaterra. Morreu em Peaslake, Inglaterra.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Suze Groeneweg




Suze Groeneweg (4 de março de 1875 - 19 de outubro de 1940)!
#Feminista #Pacifista #Professora
Primeira mulher eleita para o Parlamento Holandês. Nasceu em Strijensas, Holanda. Morreu em Barendrecht, Holanda.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

domingo, 26 de abril de 2020

{a LIVE + fake da quarentena}

Lois B. Wilson



Lois B. Wilson (4 de março de 1891 - 5 de outubro de 1988)!
Cofundadora do Al-Anon, um programa de recuperação para famílias e amigos de alcoólatras. Embora independente, Al-Anon é baseado nas ideias e princípios dos Alcoólicos Anônimos. Lois e Anne B. fundaram a Al-Anon em 1951, 16 anos após a fundação da A.A., em resposta a uma preocupação de que membros da família de alcoólatras também precisassem de ajuda com seus problemas. Lois nasceu na 182 Clinton Street, em Brooklyn Heights, Nova York. Ela se casou com Bill Wilson em 24 de janeiro de 1918. Ela aguentou a bebida de Bill por muitos anos antes de ele ficar sóbrio em 1934. Infelizmente, as coisas nem sempre foram melhores para Lois depois que Bill parou de beber. Ele passou a maior parte do tempo com seus "amigos de A.A.", deixando Lois ressentida e com ciúmes. Ela também teve que suportar o fato de que Bill teve vários casos durante os anos em que estava desenvolvendo o A.A. programa. Lois sobreviveu a Bill por 17 anos, durante os quais ela foi reverenciada como a "primeira-dama de A.A." Hoje existem dezenas de milhares de grupos Al-Anon em todo o mundo. Autora de "Lois Remembers" (1979). Enterrada no cemitério de East Dorset, East Dorset, Vermont. (Foto: Lois e Bill Wilson.)
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

sábado, 25 de abril de 2020

Sophonisba Breckinridge




Sophonisba Breckinridge (1 de abril de 1866 - 30 de julho de 1948)!
#Sufragista #Ativista dos direitos civis. #Cientista social. #Educadora #Advogada
Membro anterior da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor - NAACP. Membro anterior do Partido da Paz da Mulher (uma organização pacifista fundada em resposta à Primeira Guerra Mundial). Nasceu em Lexington, Kentucky. Morreu em Chicago, Illinois. Enterrada no cemitério de Lexington, Lexington, Kentucky.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Mathilde Anneke



Mathilde Anneke (3 de abril de 1817 - 25 de novembro de 1884)!
#Feminista #Socialista #Abolicionista
Proprietária, editora e repórter de jornal. Nascida em Hiddinghausen, na Alemanha. Em 1848, Mathilde fundou "Frauen-Zeitung" ("Jornal da mulher"). Em 1849, ela e o marido imigraram para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Wisconsin. Em 1852, ela fundou a primeira revista feminista publicada por uma mulher nos Estados Unidos, a "Deutsche Frauen-Zeitung". Morreu em Milwaukee, Wisconsin. Enterrada no cemitério Forest Home, Milwaukee.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

REVISIONISMO HISTÓRICO

Leitura da semana: trecho do Inquisidor, de "Os irmãos Karamázov", de Do...

Dora (Black) Russell



Dora (Black) Russell (3 de abril de 1894 - 31 de maio de 1986)!
#Feminista # Socialista #Ativista antiguerra. #Escritor
Membro fundador da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND). Segunda esposa do filósofo Bertrand Russell. Nasceu em Londres, Inglaterra. Morreu em Porthcurno, Inglaterra.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Tiroteio de palavras



Demorei para me perceber
E obter um diagnóstico
Não para me definir
Mas para me compreender.

Já enfrentei inúmeras dificuldades
Condenação e cancelamento
Fui apagada da linha do tempo
De quem sempre disse que incondicionalmente me amava.

Mas então fui me analisando
E vendo em minha história a trava
A paralisação, o medo, a impossibilidade de encarar
E falar o que sinto, o que penso.

Foram cadernos e mais cadernos
Com as minhas orações
- que nunca consegui explicar, por que me expressava melhor
por escrito, e na fala não demonstrava essas emoções.

Pessoas que me acusam de dissimulação
Falsidade, hipocrisia, encenação,
E quando comunico a dificuldade
ainda vivem em negação.

É preferível para muitos
Ter o outro como o diabo
Canalizando sobre ele os problemas
E fazendo dele nosso inimigo.

Assim queimamos em nossa fogueira inquisitória
Todo o que nos contraria
Sem entender contexto, sem conhecer a fundo a história
Sem notar que em algum lugar há uma avaria.

Decido me expressar
Mas pessoalmente não consigo.
Cada vídeo que gravo é um parto,
Cada live ou entrevista que concedo
Sou assombrada por fantasmas do pânico,
Do choque, da vergonha e do medo.

Mas é claro que me tratam
Apenas como produtora de conteúdo,
“Por que não grava isso”, “não fala aquilo”,
“Não contribui”.
E quando reclamo da pressão, sou exagerada.

Mas por escrito, sem pressão, sem cobranças
A dor me sai do corpo,
E sou derramada nas palavras
Como pólvora saindo pelo cano
De uma arma apontada.

Sim, por escrito me comunico, me revelo,
Na esperança de ser compreendida.
Nas palavras que assumem a forma de meu ser
Em movimento, em sentimento.

Somente assim consigo me desnudar
E tentar comunicar o quanto sinto,
O quanto tenho medo.

Porque não importa o conhecimento
que é construído dentro de mim
se não puder derramá-lo através de provocações.

Aviso meus seguidores que não quero discutir
Porque não é por isso que escrevo, posto ou gravo.
Quero incentivar a reflexão, mas não espero mais ser compreendida.
Já fui julgada, condenada, já fecharam sobre mim a tampa do caixão.

Já sabem tudo a meu respeito, me descrevem e tratam comigo
como se me conhecessem melhor do que eu mesma me conheço.
E fecharam a definição do dicionário que me refere.
Sou referência? Não! Apenas referente.

Sou motivo de condenação e alerta:
“Não chegue muito perto.”
“Deixa chorar”, “ela é estranha”,
“Não sabe, não quer comunicar”,
“Mentiu para mim todo esse tempo”.

Sim, a vida me mentiu.
E por anos me enxerguei como me enxergam.
E apesar dos risos, de ser considerada exemplo,
Me via como vilã, sabotando-me constantemente.

E me via com teus olhos,
teu sorriso sarcástico a me condenar.
E a dor que hoje sinto, pela distância,
Por ter sido apagada da vida que sempre amei, só me traz pesar.

E continuo estudando, porque não consigo viver sem isso.
É meu alimento, e tento produzir, deixar um legado,
Porque morrerei sozinha, e ninguém pode mudar isso.

Ainda sou analisada
Por quem nunca caminhou ao meu lado:
“Você não pode ser assim”,
“Isso não é verdade”,
“Quem é você para dizer isso?”

E as lágrimas correm,
E meus dedos se retorcem
Arrancando a pele para não arrancar a vida,
Por não querer mais provar a si mesma para os outros.

Me toco para me sentir viva,
E grito chorando para aprender a viver
Porque sinto que ainda não o sei.
Clamo incontáveis vezes:
“Jesus, me ensina a viver!”
Desde que me conheço por gente.

E amo cada aluno sedento de saber
E me martirizo por estar cansada demais para responder
Todas as dúvidas que me enviam.
E me sinto esgotada, com prazos a vencer,
Sem querer deixar ninguém no vazio do falar.

Sim, esse tiroteio tem nome:
Angela.
Sou eu em forma de palavras,
Derramando o desespero
E a dor de não saber mais o que falar
Nem como falar
Porque pessoalmente, são máscaras
Para que vida eu possa suportar.

Angela Natel - 14/04/2020

Madonna-Madame X Tour Full Audio Version

domingo, 12 de abril de 2020

O Evangelho do vazio


Nunca os espaços vazios foram tão celebrados:
Da multidão de ídolos fui esvaziado
E de todo narcisismo curado.
Das algemas da escravidão fui liberto
e uma cidade inteira de escravos virou deserto.

Esse é o Deus que se encontra no inimaginável:
Nos espaços vazios, na dor,
Na pena de morte mediante uma cruz.
Deus abscôndito, incomparável.

O Deus que se despiu de Sua glória,
e que demonstrava falta de beleza,
aquele que se sentiu abandonado
e que não tinha onde reclinar a cabeça.

Eis onde Deus se manifesta:
No despido, feio, abandonado,
No sem teto, sem chão e sem abrigo
E também no marginalizado.

E em meio a tantas faltas
Ainda houve um túmulo vazio
Tal qual abismo chamando outro abismo
A desesperança não subsistiu.

O Deus que esvazia as prisões do meu coração
Esvazia também minh’alma do desespero
E como aquele túmulo – onde só havia morte –
Faz nascer em mim sua nova criação.

Sim, Cristo despiu-me de vergonha,
Limpou o caminho à minha frente.
Arrancou-me as feridas da alma
E calou a voz que me acusava.

Ele apagou o fogo da desilusão
E derrotou o poder do inimigo.
Fez cair por terra todo grilhão
E calou-me com o seu sorriso.

Sim, Cristo deixou um grande vazio
Foram-se a dor, a vergonha e o medo
Cristo passou e deixou seu rastro
Um coração perdoado…

E, assim, anulou-se o espaço que existia entre nós
E caiu o muro da separação
Temos paz com Deus mediante Cristo
E também paz com nossos irmãos.

Nunca os espaços vazios foram tão celebrados:
Uma cidade inteira cujos escravos foram libertos,
Um túmulo vazio,
Um coração perdoado…

Feliz Páscoa a você que celebra o vazio das prisões, a falta de amargura e de correntes que nos prendam, o silêncio que um sorriso no canto da boca provoca.

Nosso Redentor vive! Vamos celebrar!

Angela Natel

domingo, 5 de abril de 2020

"Salva-nos, te pedimos!" - Domingo de Ramos


"Salva-nos, te pedimos!" Era o clamor do povo em direção àquele que não defendeu autoridades políticas nem o Templo com seu comércio da fé nem o dogma em detrimento da vida.
Esse foi o clamor em meio à festa direcionado àquele que logo em seguida seria executado como exemplo do que acontece aos que desafiam os poderes estabelecidos - é só pesquisar o que a crucificação significava naquela época.
"Salva-nos, te pedimos!" - o sentido de Hosana! - não foi gritado em jejum, mas em festa e celebração àquele que foi reconhecido nos textos dos antigos profetas: "Teu Rei vem, montado em jumentinho". Não um rei político, não alguém com nome, fama, suposta autoridade, poder. Mas um Rei de um Reino que não é deste mundo, que não se submete aos desmandos deste tempo.
"Salva-nos, te pedimos!" Salva-nos de nós mesmos e de nossas ideias mágicas de tentar vencer as lutas com greves de fome e culto a políticos narcisistas. Salva-nos de negociarmos vidas na defesa de dogmas e teologias. Salva-nos da necropolítica e da necroteologia - caminhos de morte e destruição.
"Salva-nos, te pedimos!" E guia-nos para o caminho da cruz, do desafio ao sistema, da Palavra viva fora e acima do tempo, da morte de nossas boas ideias e do uso do teu nome para mentir, matar, roubar e destruir.
"Salva-nos, te pedimos!" Salva-nos dos falsos profetas e de todo caminho que não nos leva para a cruz, todo caminho que nos desvia de nos entregarmos e nos subtrairmos em favor dos outros, como o Senhor fez.
Salva-nos de querermos salvar a nós mesmos e ao deus Mamon - o dinheiro - em vez de compartilharmos do que temos para suprir a necessidade alheia. Salva-nos de tratar jejum como fórmula mágica, como queda de braço com Deus, e nos guia a nos abstermos a fim de ter com que saciar a fome dos necessitados.
Salva-nos de obedecermos antes a autoridade políticas do que a Deus, negando o Senhor e servindo ao Anticristo.
"Salva-nos, te pedimos!"
Salva-nos, Jesus!
.
Angela Natel - 04/04/2020 - domingo de Ramos.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

FECHAM-SE AS IGREJAS MAS O CULTO CONTINUA - SEM INTERNET

Há quase dez anos eu venho pensando a relação entre religião e ação social, ou, em termos mais próximos da minha realidade evangélica, a relação entre culto de adoração e missão social. Em meio à realidade do Corona Vírus, forçando as igrejas a, acertadamente, cancelarem suas atividades, talvez seja propício falar sobre o conceito de culto nos escritos bíblicos e no início da história cristã. Enquanto pastores buscam alternativas para manter as atividades eclesiásticas de forma remota com o auxílio da tecnologia, o que é totalmente válido, eu sugiro que seria melhor repensar nossa teologia do culto.
Na minha caminhada de descoberta, tudo começou com uma simples, mas importante constatação: a narrativa da criação de Gênesis 1 qualificava todo o cosmo como um grande santuário onde Deus habitava como rei entronizado, portanto um lugar ordenado que gera vida. A partir disso, minhas leituras e pesquisas foram gerando mais evidências e implicações teológicas. Dentre as mais importantes, foi que a mesma tradição bíblica que caracteriza todo o cosmo como um santuário, também caracteriza a construção do Tabernáculo como avanço da própria criação do cosmo. Dessa forma, essa tradição também entendia o culto do Tabernáculo como atividades de preservação e avanço de um cosmo bem ordenado que gera vida. Os pauzinhos que eu fui conectando em minha mente seguiam esta lógica: toda ação que promove a vida no cosmo em que vivemos é um culto de adoração ao Deus que criou, habita e reina sobre o cosmo.
A forma como essa tradição teológica nos escritos bíblicos faz essas relações é um pouco complicada para explicar aqui. Portanto, vou usar dois exemplos simples e claros dessa visão teológica em outras tradições bíblicas. Em Gênesis 2, a responsabilidade humana no cosmo é descrita com dois verbos: “servir” e “guardar” (2.15). Essa responsabilidade, obviamente, diz respeito a como a humanidade deve se relacionar com a criação. O primeiro verbo pode se referir a qualquer tipo de serviço prestado, por isso pode ter conotação mundana de qualquer trabalho (por exemplo, 2Samuel 16.19) ou conotação religiosa quando se trata do serviço prestado a Deus ou deuses (por exemplo, Êxodo 10.7 e Deuteronômio 29.25). O fato de a humanidade estar num jardim, certamente, implica que “cultivar” é exercer atividade agrícola. Assim, trata-se da responsabilidade de trabalhar no jardim, a fim de que este frutifique e se multiplique. Dessa forma, tal atividade humana corresponde com a atividade divina que ordena e abençoa a criação para que esta frutifique, gere e sustente a vida. Portanto, o termo usado aqui, “servir”, aponta para ações mundanas e religiosas ao mesmo tempo. Já o termo “guardar”, além, é claro, de ter o sentido de proteger a criação “guardando” a sua boa ordem estabelecida por Deus, também tem conotações religiosas. Seu significado está relacionado com o “guardar” dos mandamentos de Deus (por exemplo, Êxodo 20.6; Levítico 18.4; Deuteronômio 5.29). Esse significado é importante, porque o relato de Gênesis afirma que o cosmo foi ordenado por meio da palavra, ou mandamento, de Deus. Como o mandamento divino tinha o propósito de ordenar o cosmo para que a vida fosse gerada e sustentada, então quando a humanidade “guarda” a criação, mantendo assim a ordem que gera e sustenta a vida, é também uma forma de “guardar” o mandamento de Deus.
Essa é uma boa conexão com o segundo exemplo que quero dar. Desde os primórdios do cristianismo, há uma discussão sobre a aplicabilidade das leis da Torá para os cristãos. No período da Reforma essa questão foi “solucionada” com uma divisão da lei em três domínios: moral, civil (judicial) e cerimonial (cúltica). Dessas, somente as leis morais são aplicáveis aos cristãos. O problema é que tal divisão é artificial. Para o propósito daquilo que quero comunicar neste texto, vou explicar isso da seguinte maneira. O Antigo Testamento sugere alguns fundamentos para suas leis: o senhorio de Deus sobre Israel (algo como, “Eu sou Javé, seu Deus, portanto…”), a ação redentora de Deus sobre Israel (algo como, “Eu sou Javé, seu Deus, que tirou você do Egito, portanto…”) e a santidade de Deus (algo como, “Façam isso porque eu sou santo…”). Com tais fundamentos, é claro que toda a vida de Israel é entendida como um grande “serviço” a Deus, ou seja, um grande culto de adoração a Deus.
E o que isso tem a ver com a relação entre culto de adoração e missão social, ou entre religião e ação social? Talvez a melhor forma de explicar isso, que também servirá de implicação prática de tudo que disse até aqui, seja atentando para os dízimos em Levítico e Deuteronômio. O dízimo tem como objetivo assegurar que Israel reconheça a terra e seus frutos como propriedade de Deus, que acolhe Israel em sua terra e lhes dá herança. Os levitas, porém, não tinha propriedades de terra, portanto, não tinham herança. O dízimo, então, servia de “herança” para os que não têm acesso à terra e seus frutos. Por isso, o dízimo era considerado como “santo a Javé” (Levítico 27.30-33).
Duas práticas relacionadas ao dízimo tornam tudo isso muito interessante. Primeiro, grande parte do dízimo era consumida, como uma refeição compartilhada entre levitas e ofertantes. Segundo, além dos levitas, outras pessoas não tinham propriedade de terra, ou seja, “herança” no meio de Israel. Essas pessoas, as viúvas, órfãos e estrangeiros, podiam consumir os frutos da terra, ou seja, dos frutos da “herança”, pelo consumo dos dízimos também. Ainda que em todas as práticas de ofertas de dízimo tal experiência pudesse acontecer, isso foi estabelecido como lei em Deuteronômio 14.28-29 e 26.12-13. A cada três anos, todo o dízimo era entregue aos levitas e a esse grupo “deserdado”. Vejam que interessante isso, considerando o que foi falado antes sobre a criação, o santuário e a responsabilidade da humanidade. A característica da oferta de dízimos é a de culto a Deus no santuário, mas se expressa numa refeição compartilhada entre ofertante, levita e outros “deserdados”, todos desfrutando da bênção de Deus na fertilidade da terra que resulta do “serviço” que a humanidade presta, fazendo com que a vida de todos seja preservada pela boa ordem da criação estabelecida pelo senhorio de Deus na criação e no culto, e preservada pela humanidade, em seu serviço, tanto na atividade agrícola, quanto na atividade litúrgica/ cúltica.
Esse entendimento teológico pode ser visto em algumas falas proféticas do Antigo Testamento, na vida de Jesus, na linguagem de Paulo sobre práticas cristãs e a ética dos primeiros cristãos. Vou dar um exemplo de cada um. As críticas proféticas ao culto de Jerusalém são bem conhecidas (por exemplo, Isaías 1.10-17 e Oseias 6.6). O exemplo que quero usar é de Amós 5.21-24. Eu não acredito que Amós ou os outros profetas fossem contra o culto com seus rituais e sacrifícios. E diante das falas proféticas, também não é suficiente somente dizer que eles são contra a discrepância entre ética, o culto e a vida diária de Israel. Os profetas, como exemplifica o texto de Amós, tendem a estabelecer a prática da justiça como a manifestação de culto e adoração. É a partir dessa visão em que práticas de justiça são vistas como práticas cúlticas que os profetas criticam as atividades cúlticas nos santuários. Conforme vimos sobre o dízimo, as atividades cúlticas nos santuários tinham um caráter ético-social forte. A crítica dos profetas, então, não era ao culto em si, nem à discrepância entre vida diária e culto, mas à perda desse caráter ético do culto. A crítica dos profetas se dá porque o culto deixou de servir para todo o povo, inclusive os “deserdados”, desfrutar das bênçãos do senhorio de Deus sobre o cosmo e a responsabilidade humana de guardar e avançar essa ordem numa refeição pactual. Em vez disso, o culto havia se tornado um momento de afirmação de poder e riqueza de alguns em detrimento de outros, o que implicava na quebra da aliança e da boa ordem da criação. Mas, para os nossos propósitos aqui, é interessante que nessa crítica profética, diante de tal situação dos santuários e do culto, o povo ainda tinha uma alternativa para adorar e cultuar a Deus: praticar a justiça, que significa ações que guardam e avançam a ordem da criação para gerar vida, conforme o senhorio de Deus sobre o cosmo.
Apesar de Jesus, como judeu na Palestina do primeiro século, ter participado das atividades cúlticas no templo de Jerusalém, ele parece compartilhar da visão profética crítica mencionada acima. Dentre algumas possibilidades, a citação de Oséias 6.6 (“Eu [Deus] desejo misericórdia, não sacrifício”) no Evangelho de Mateus é um caso interessante. A citação aparece em Mateus 9.13 e 12.7. Em ambas as ocorrências o contexto é sobre comida, com conotações cúlticas. Eu vou me limitar ao texto de Mateus 9.9-13. Jesus está à mesa, na casa do publicano Mateus, e junta-se a eles um grupo de cobradores de impostos e pecadores. Os fariseus questionam Jesus sobre estar se associando com tais pessoas e aí vem a citação de Oseias 6.6, complementado pelo “eu não vim chamar justos, mas pecadores”. A conotação cúltica está na comunhão de mesa entre ele e pecadores, que Jesus interpreta como o cumprimento da vontade divina de “misericórdia”. Acontece que o termo “misericórdia” em Oseias 6.6 diz respeito ao tipo de solidariedade vinculado à aliança. Assim, Jesus vê nessa comunhão de mesa ordinária, o mesmo significado da comunhão de mesa que acontecia no contexto do culto nos santuários.
No caso de Paulo, são diversos usos de linguagem cúltica para falar sobre seu ministério especificamente e a vida cristã em geral (por exemplo, Romanos 12.1-2). O texto de Filipenses 2.17 é extremamente esclarecedor nesse sentido. Paulo está encarcerado por causa de sua missão. Certamente necessitado de diversos recursos materiais, ele é agraciado por uma oferta proveniente dos cristãos filipenses (4.10-20). Estamos, portanto, lidando com um contexto de compartilhamento de recursos materiais com quem está em sofrimento e necessidade. Agora, veja como Paulo qualifica seu ministério, especificamente no contexto de sofrimento, e a atitude dos filipenses em compartilhar recursos materiais com ele: “Contudo, mesmo que eu entregue a minha vida como oferta de libação derramada sobre o sacrifício do culto de fidelidade de vocês, ainda assim me alegrarei e compartilho com vocês minha alegria” (2.17). Trata-se de uma linguagem explícita e profundamente cúltica para práticas cristãs fora de qualquer santuário ou de qualquer contexto litúrgico. Contudo, é mais do que isso. Essa é uma linguagem que Paulo utiliza para descrever e qualificar ações cristãs de auto-entrega em favor dos outros, em conformidade com a vida sacrifical de Jesus. Essa é uma teologia do culto e da adoração que informa ações de solidariedade e compaixão em meio às necessidades.
Tanto no caso de Jesus, no Evangelho de Mateus, quanto no caso de Paulo, estamos vendo um entendimento de culto e adoração que abrange, acima de tudo, práticas de justiça, misericórdia, solidariedade e compaixão. Mais ainda, trata-se de experiências bem humanas de comunhão de mesa e compartilhamento de recursos materiais. Para entender o porquê disso, é só voltarmos ao que foi dito aqui sobre a criação, a lei e o culto como preservadores e promotores da boa ordem estabelecida pelo senhorio de Deus para gerar e manter a vida de todos. Assim, voltamos, agora com uma linguagem derivada da vida de Jesus, para um entendimento de culto e adoração a partir de práticas de auto-entrega para o benefício dos outros, especialmente os excluídos e necessitados, ou, nos termos da lei e de uma relação de aliança, os “deserdados”.
Por fim, um exemplo dos Pais da Igreja. O material aqui é vasto e a qualificação cúltica da prática cristã ética é comum entre os primeiros cristãos. A autora Susan Holman diz: “O serviço aos pobres é tratado como liturgia [pelos três teólogos da Capadócia, Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo]; em outras palavras, é algo tão importante para a verdadeira adoração quanto ir para a igreja” (God Knows There Is Need: Christian Responses to Poverty [Oxford: Oxford University Press, 2009], 69). Mas quero usar o exemplo de João Crisóstomo (348-407). Numa famosa passagem, ele afirma o seguinte: “Você quer ver o seu [de Cristo] altar?… Esse altar é composto dos próprios membros de Cristo… Esse altar você pode ver em todo lugar, nos becos e nos mercados, e você pode oferecer o seu sacrifício sobre ele a qualquer momento… invoque o Espírito não com palavras, mas com obras” (Homília 20 em 2 Coríntios). Crisóstomo está exortando os cristãos a irem ao socorro de gente pobre e necessitada, especialmente outros irmãos cristãos. Ele poderia fazer isso de várias formas. Mas ele escolheu a linguagem cúltica para definir tais práticas de solidariedade e compaixão. Assim, mais uma vez, o compartilhamento de recursos materiais pelos cristãos é qualificado como culto e adoração.
Pois bem, o que podemos aprender disso? Certamente não significa que o culto cristão em igrejas, em determinados dias e horários, seguindo uma determinada liturgia, seja inútil. De forma alguma. Mas também não é suficiente dizer que o culto cristão em igrejas e o culto cristão no mundo são duas formas de o cristão cultuar a Deus. É necessário entender o fundamento do culto e da adoração cristã. A partir desse fundamento, que apresentei da forma mais simples possível aqui, o culto cristão em igrejas e no mundo são uma única coisa. É a união da misericórdia e do sacrifício, usando os termos de Oséias 6.6. Mas para quê um culto em igrejas, então? O culto cristão num espaço e tempo determinados e limitados é a ritualização idealizada da vida cristã no mundo, com o propósito de fomentar nossas mentes e treinar os nossos corpos para o tipo de vida em conformidade com o senhorio de Deus em todo o cosmo. Essa vida cultua e adora a Deus quando gera e mantém vida para todos. É por isso, por exemplo, que eu sou crítico de uma liturgia cristã desvinculada das dinâmicas e experiências da vida diária no mundo. Não é à toa, portanto, que a comunhão de mesa, com comida de verdade, é um ritual cúltico fundamental na teologia do Antigo e do Novo Testamentos. Nessa experiência está envolvida a responsabilidade humana de fomentar a frutificação da terra como bênção de Deus e as dinâmicas sociais de compartilhamento de recursos materiais num contexto de democratização das bênçãos de Deus e da vida. Neste ponto é onde vemos a unicidade do culto na igreja e do culto no mundo.
Quando eu entendi essas coisas, as divisões entre espiritual e material, confissão teológica e vida prática, evangelismo e ação social, adoração e ética, simplesmente caíram por terra, como escamas dos meus olhos, e eu pude enxergar as coisas com uma nova luz. Eu não só deixei de ver essas divisões, como também eliminei a forma como muitos acreditam que se dá a relação dessas coisas. Por exemplo, muito se diz sobre as boas obras serem uma consequência da fé como um aspecto interno do crente. Nessa nova visão da realidade, isso não faz sentido algum. As boas obras, em conformidade com o senhorio de Deus sobre o cosmo que é expressão de sua graça, não são consequência da fé ou reflexo da fé, mas a própria fé. Isso, obviamente, não é salvação pelas obras. Nessa visão, não existe a adoração no culto da igreja, a missão da igreja no mundo e a ética cristã. Elimina-se o “e”, pois tudo é uma coisa só. É bom podermos, comunitariamente, como corpo de Cristo, nos reunir para louvarmos e bendizermos a Deus, participarmos dos sacramentos, orarmos uns pelos outros e pelo mundo, e meditarmos na revelação de Deus? Certamente. Isso não deveria ser exclusividade de nossas reuniões comunitárias num determinado espaço e momento, mas é, de fato, uma característica determinante dessa experiência específica. No entanto, essas práticas e experiências não podem ser entendidas como “verdadeira” adoração e “verdadeiro” culto. Essas coisas precisam estar fundamentadas na visão de culto e adoração que apresentei aqui. Caso contrário, ecoando a crítica profética, elas não são culto nenhum, nem adoração alguma. É provável que o Corona Vírus mantenha as portas das igrejas fechadas por um bom tempo. Contudo, temos diante de nós uma oportunidade rara de cultuarmos e adorarmos a Deus.

 
Fonte: https://www.facebook.com/notes/caio-peres/fecham-se-as-igrejas-mas-o-culto-continua-sem-internet/10159493464888496/?hc_location=ufi

Tiago Nonato - Pandemia Brasil

Leitura da semana: trecho de "Holocausto brasileiro", de Daniela Arbex.

Ann Lee




"Mãe" Ann Lee (29 de fevereiro de 1736 - 8 de setembro de 1784)!
#Pacifista #Mística #Comunista
Fundadora da Sociedade Unida de Crentes na Segunda Aparição de Cristo (mais conhecido como Shakers). Defendia a simplicidade no estilo de vida. Advogava pela igualdade de gênero. Defendia o celibato e a modéstia. Os Shakers acreditavam que a Mãe Ann incorporava todas as perfeições de Deus na forma feminina, que na verdade ela era a segunda vinda de Cristo. Nasceu em Manchester, Inglaterra. Morreu em Watervliet, Nova York. Enterrada no Shaker Cemetery, em Colonie, Nova York. (Foto: Vila Watervliet, década de 1870).
~ A série de heróis do movimento matriarcal menonita.

Pat Arrowsmith




Pat Arrowsmith (nascida em 2 de março de 1930)!
#Pacifista #Socialista #Ativista antiguerra. 
Ativista de direitos humanos. Ativista antinuclear. Ativista dos direitos LGBT. Escritora. Nascida de pais missionários em Leamington Spa, Inglaterra. Membro de longa data da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND). Pat cumpriu várias sentenças de prisão por suas atividades políticas ao longo dos anos.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

Eduardo Marinho previsões sobre Bolsonaro

MADONNA - MADAME X TOUR Part 02 - Concert Highlights (Fan Special Footage)

MADONNA - MADAME X TOUR Part 01 - Concert Highlights (Fan Footage)

Dorothy Buxton




Dorothy Buxton (3 de março de 1881 - 8 de abril de 1963)!
#Quacker #Pacifista #Humanitária #Internacionalista #Advogado para crianças
 Membro da Liga Internacional Feminina pela Paz e Liberdade (WILPF). Secretária do Conselho de Combate à Fome durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919, Dorothy e sua irmã Eglantyne fundaram o Fundo Save the Children com o objetivo de ajudar civis prejudicados pelo bloqueio aliado da Alemanha. (Save the Children ainda existe hoje, trabalhando em 120 países.) Nascida em Ellesmere, Inglaterra. Morreu em Peaslake, Inglaterra.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

Suze Groeneweg




Suze Groeneweg (4 de março de 1875 - 19 de outubro de 1940)!
#Feminista #Pacifista #Professora
Primeira mulher eleita para o Parlamento Holandês. Nasceu em Strijensas, Holanda. Morreu em Barendrecht, Holanda.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

{a LIVE + fake da quarentena}

Lois B. Wilson



Lois B. Wilson (4 de março de 1891 - 5 de outubro de 1988)!
Cofundadora do Al-Anon, um programa de recuperação para famílias e amigos de alcoólatras. Embora independente, Al-Anon é baseado nas ideias e princípios dos Alcoólicos Anônimos. Lois e Anne B. fundaram a Al-Anon em 1951, 16 anos após a fundação da A.A., em resposta a uma preocupação de que membros da família de alcoólatras também precisassem de ajuda com seus problemas. Lois nasceu na 182 Clinton Street, em Brooklyn Heights, Nova York. Ela se casou com Bill Wilson em 24 de janeiro de 1918. Ela aguentou a bebida de Bill por muitos anos antes de ele ficar sóbrio em 1934. Infelizmente, as coisas nem sempre foram melhores para Lois depois que Bill parou de beber. Ele passou a maior parte do tempo com seus "amigos de A.A.", deixando Lois ressentida e com ciúmes. Ela também teve que suportar o fato de que Bill teve vários casos durante os anos em que estava desenvolvendo o A.A. programa. Lois sobreviveu a Bill por 17 anos, durante os quais ela foi reverenciada como a "primeira-dama de A.A." Hoje existem dezenas de milhares de grupos Al-Anon em todo o mundo. Autora de "Lois Remembers" (1979). Enterrada no cemitério de East Dorset, East Dorset, Vermont. (Foto: Lois e Bill Wilson.)
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

Sophonisba Breckinridge




Sophonisba Breckinridge (1 de abril de 1866 - 30 de julho de 1948)!
#Sufragista #Ativista dos direitos civis. #Cientista social. #Educadora #Advogada
Membro anterior da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor - NAACP. Membro anterior do Partido da Paz da Mulher (uma organização pacifista fundada em resposta à Primeira Guerra Mundial). Nasceu em Lexington, Kentucky. Morreu em Chicago, Illinois. Enterrada no cemitério de Lexington, Lexington, Kentucky.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

Mathilde Anneke



Mathilde Anneke (3 de abril de 1817 - 25 de novembro de 1884)!
#Feminista #Socialista #Abolicionista
Proprietária, editora e repórter de jornal. Nascida em Hiddinghausen, na Alemanha. Em 1848, Mathilde fundou "Frauen-Zeitung" ("Jornal da mulher"). Em 1849, ela e o marido imigraram para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Wisconsin. Em 1852, ela fundou a primeira revista feminista publicada por uma mulher nos Estados Unidos, a "Deutsche Frauen-Zeitung". Morreu em Milwaukee, Wisconsin. Enterrada no cemitério Forest Home, Milwaukee.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

REVISIONISMO HISTÓRICO

Leitura da semana: trecho do Inquisidor, de "Os irmãos Karamázov", de Do...

Dora (Black) Russell



Dora (Black) Russell (3 de abril de 1894 - 31 de maio de 1986)!
#Feminista # Socialista #Ativista antiguerra. #Escritor
Membro fundador da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND). Segunda esposa do filósofo Bertrand Russell. Nasceu em Londres, Inglaterra. Morreu em Porthcurno, Inglaterra.
~ Da série de heróis do movimento matriarcal menonita.

Tiroteio de palavras



Demorei para me perceber
E obter um diagnóstico
Não para me definir
Mas para me compreender.

Já enfrentei inúmeras dificuldades
Condenação e cancelamento
Fui apagada da linha do tempo
De quem sempre disse que incondicionalmente me amava.

Mas então fui me analisando
E vendo em minha história a trava
A paralisação, o medo, a impossibilidade de encarar
E falar o que sinto, o que penso.

Foram cadernos e mais cadernos
Com as minhas orações
- que nunca consegui explicar, por que me expressava melhor
por escrito, e na fala não demonstrava essas emoções.

Pessoas que me acusam de dissimulação
Falsidade, hipocrisia, encenação,
E quando comunico a dificuldade
ainda vivem em negação.

É preferível para muitos
Ter o outro como o diabo
Canalizando sobre ele os problemas
E fazendo dele nosso inimigo.

Assim queimamos em nossa fogueira inquisitória
Todo o que nos contraria
Sem entender contexto, sem conhecer a fundo a história
Sem notar que em algum lugar há uma avaria.

Decido me expressar
Mas pessoalmente não consigo.
Cada vídeo que gravo é um parto,
Cada live ou entrevista que concedo
Sou assombrada por fantasmas do pânico,
Do choque, da vergonha e do medo.

Mas é claro que me tratam
Apenas como produtora de conteúdo,
“Por que não grava isso”, “não fala aquilo”,
“Não contribui”.
E quando reclamo da pressão, sou exagerada.

Mas por escrito, sem pressão, sem cobranças
A dor me sai do corpo,
E sou derramada nas palavras
Como pólvora saindo pelo cano
De uma arma apontada.

Sim, por escrito me comunico, me revelo,
Na esperança de ser compreendida.
Nas palavras que assumem a forma de meu ser
Em movimento, em sentimento.

Somente assim consigo me desnudar
E tentar comunicar o quanto sinto,
O quanto tenho medo.

Porque não importa o conhecimento
que é construído dentro de mim
se não puder derramá-lo através de provocações.

Aviso meus seguidores que não quero discutir
Porque não é por isso que escrevo, posto ou gravo.
Quero incentivar a reflexão, mas não espero mais ser compreendida.
Já fui julgada, condenada, já fecharam sobre mim a tampa do caixão.

Já sabem tudo a meu respeito, me descrevem e tratam comigo
como se me conhecessem melhor do que eu mesma me conheço.
E fecharam a definição do dicionário que me refere.
Sou referência? Não! Apenas referente.

Sou motivo de condenação e alerta:
“Não chegue muito perto.”
“Deixa chorar”, “ela é estranha”,
“Não sabe, não quer comunicar”,
“Mentiu para mim todo esse tempo”.

Sim, a vida me mentiu.
E por anos me enxerguei como me enxergam.
E apesar dos risos, de ser considerada exemplo,
Me via como vilã, sabotando-me constantemente.

E me via com teus olhos,
teu sorriso sarcástico a me condenar.
E a dor que hoje sinto, pela distância,
Por ter sido apagada da vida que sempre amei, só me traz pesar.

E continuo estudando, porque não consigo viver sem isso.
É meu alimento, e tento produzir, deixar um legado,
Porque morrerei sozinha, e ninguém pode mudar isso.

Ainda sou analisada
Por quem nunca caminhou ao meu lado:
“Você não pode ser assim”,
“Isso não é verdade”,
“Quem é você para dizer isso?”

E as lágrimas correm,
E meus dedos se retorcem
Arrancando a pele para não arrancar a vida,
Por não querer mais provar a si mesma para os outros.

Me toco para me sentir viva,
E grito chorando para aprender a viver
Porque sinto que ainda não o sei.
Clamo incontáveis vezes:
“Jesus, me ensina a viver!”
Desde que me conheço por gente.

E amo cada aluno sedento de saber
E me martirizo por estar cansada demais para responder
Todas as dúvidas que me enviam.
E me sinto esgotada, com prazos a vencer,
Sem querer deixar ninguém no vazio do falar.

Sim, esse tiroteio tem nome:
Angela.
Sou eu em forma de palavras,
Derramando o desespero
E a dor de não saber mais o que falar
Nem como falar
Porque pessoalmente, são máscaras
Para que vida eu possa suportar.

Angela Natel - 14/04/2020

Madonna-Madame X Tour Full Audio Version

O Evangelho do vazio


Nunca os espaços vazios foram tão celebrados:
Da multidão de ídolos fui esvaziado
E de todo narcisismo curado.
Das algemas da escravidão fui liberto
e uma cidade inteira de escravos virou deserto.

Esse é o Deus que se encontra no inimaginável:
Nos espaços vazios, na dor,
Na pena de morte mediante uma cruz.
Deus abscôndito, incomparável.

O Deus que se despiu de Sua glória,
e que demonstrava falta de beleza,
aquele que se sentiu abandonado
e que não tinha onde reclinar a cabeça.

Eis onde Deus se manifesta:
No despido, feio, abandonado,
No sem teto, sem chão e sem abrigo
E também no marginalizado.

E em meio a tantas faltas
Ainda houve um túmulo vazio
Tal qual abismo chamando outro abismo
A desesperança não subsistiu.

O Deus que esvazia as prisões do meu coração
Esvazia também minh’alma do desespero
E como aquele túmulo – onde só havia morte –
Faz nascer em mim sua nova criação.

Sim, Cristo despiu-me de vergonha,
Limpou o caminho à minha frente.
Arrancou-me as feridas da alma
E calou a voz que me acusava.

Ele apagou o fogo da desilusão
E derrotou o poder do inimigo.
Fez cair por terra todo grilhão
E calou-me com o seu sorriso.

Sim, Cristo deixou um grande vazio
Foram-se a dor, a vergonha e o medo
Cristo passou e deixou seu rastro
Um coração perdoado…

E, assim, anulou-se o espaço que existia entre nós
E caiu o muro da separação
Temos paz com Deus mediante Cristo
E também paz com nossos irmãos.

Nunca os espaços vazios foram tão celebrados:
Uma cidade inteira cujos escravos foram libertos,
Um túmulo vazio,
Um coração perdoado…

Feliz Páscoa a você que celebra o vazio das prisões, a falta de amargura e de correntes que nos prendam, o silêncio que um sorriso no canto da boca provoca.

Nosso Redentor vive! Vamos celebrar!

Angela Natel

"Salva-nos, te pedimos!" - Domingo de Ramos


"Salva-nos, te pedimos!" Era o clamor do povo em direção àquele que não defendeu autoridades políticas nem o Templo com seu comércio da fé nem o dogma em detrimento da vida.
Esse foi o clamor em meio à festa direcionado àquele que logo em seguida seria executado como exemplo do que acontece aos que desafiam os poderes estabelecidos - é só pesquisar o que a crucificação significava naquela época.
"Salva-nos, te pedimos!" - o sentido de Hosana! - não foi gritado em jejum, mas em festa e celebração àquele que foi reconhecido nos textos dos antigos profetas: "Teu Rei vem, montado em jumentinho". Não um rei político, não alguém com nome, fama, suposta autoridade, poder. Mas um Rei de um Reino que não é deste mundo, que não se submete aos desmandos deste tempo.
"Salva-nos, te pedimos!" Salva-nos de nós mesmos e de nossas ideias mágicas de tentar vencer as lutas com greves de fome e culto a políticos narcisistas. Salva-nos de negociarmos vidas na defesa de dogmas e teologias. Salva-nos da necropolítica e da necroteologia - caminhos de morte e destruição.
"Salva-nos, te pedimos!" E guia-nos para o caminho da cruz, do desafio ao sistema, da Palavra viva fora e acima do tempo, da morte de nossas boas ideias e do uso do teu nome para mentir, matar, roubar e destruir.
"Salva-nos, te pedimos!" Salva-nos dos falsos profetas e de todo caminho que não nos leva para a cruz, todo caminho que nos desvia de nos entregarmos e nos subtrairmos em favor dos outros, como o Senhor fez.
Salva-nos de querermos salvar a nós mesmos e ao deus Mamon - o dinheiro - em vez de compartilharmos do que temos para suprir a necessidade alheia. Salva-nos de tratar jejum como fórmula mágica, como queda de braço com Deus, e nos guia a nos abstermos a fim de ter com que saciar a fome dos necessitados.
Salva-nos de obedecermos antes a autoridade políticas do que a Deus, negando o Senhor e servindo ao Anticristo.
"Salva-nos, te pedimos!"
Salva-nos, Jesus!
.
Angela Natel - 04/04/2020 - domingo de Ramos.

HAVERÁ ARTE DEPOIS DO CORONAVÍRUS?

Leitura da semana: trecho de "O Reino de Deus está em vós", de Liev Tols...





Vídeo novo no canal: leitura especial de quarentena - Tolstói na veia!

FECHAM-SE AS IGREJAS MAS O CULTO CONTINUA - SEM INTERNET

Há quase dez anos eu venho pensando a relação entre religião e ação social, ou, em termos mais próximos da minha realidade evangélica, a relação entre culto de adoração e missão social. Em meio à realidade do Corona Vírus, forçando as igrejas a, acertadamente, cancelarem suas atividades, talvez seja propício falar sobre o conceito de culto nos escritos bíblicos e no início da história cristã. Enquanto pastores buscam alternativas para manter as atividades eclesiásticas de forma remota com o auxílio da tecnologia, o que é totalmente válido, eu sugiro que seria melhor repensar nossa teologia do culto.
Na minha caminhada de descoberta, tudo começou com uma simples, mas importante constatação: a narrativa da criação de Gênesis 1 qualificava todo o cosmo como um grande santuário onde Deus habitava como rei entronizado, portanto um lugar ordenado que gera vida. A partir disso, minhas leituras e pesquisas foram gerando mais evidências e implicações teológicas. Dentre as mais importantes, foi que a mesma tradição bíblica que caracteriza todo o cosmo como um santuário, também caracteriza a construção do Tabernáculo como avanço da própria criação do cosmo. Dessa forma, essa tradição também entendia o culto do Tabernáculo como atividades de preservação e avanço de um cosmo bem ordenado que gera vida. Os pauzinhos que eu fui conectando em minha mente seguiam esta lógica: toda ação que promove a vida no cosmo em que vivemos é um culto de adoração ao Deus que criou, habita e reina sobre o cosmo.
A forma como essa tradição teológica nos escritos bíblicos faz essas relações é um pouco complicada para explicar aqui. Portanto, vou usar dois exemplos simples e claros dessa visão teológica em outras tradições bíblicas. Em Gênesis 2, a responsabilidade humana no cosmo é descrita com dois verbos: “servir” e “guardar” (2.15). Essa responsabilidade, obviamente, diz respeito a como a humanidade deve se relacionar com a criação. O primeiro verbo pode se referir a qualquer tipo de serviço prestado, por isso pode ter conotação mundana de qualquer trabalho (por exemplo, 2Samuel 16.19) ou conotação religiosa quando se trata do serviço prestado a Deus ou deuses (por exemplo, Êxodo 10.7 e Deuteronômio 29.25). O fato de a humanidade estar num jardim, certamente, implica que “cultivar” é exercer atividade agrícola. Assim, trata-se da responsabilidade de trabalhar no jardim, a fim de que este frutifique e se multiplique. Dessa forma, tal atividade humana corresponde com a atividade divina que ordena e abençoa a criação para que esta frutifique, gere e sustente a vida. Portanto, o termo usado aqui, “servir”, aponta para ações mundanas e religiosas ao mesmo tempo. Já o termo “guardar”, além, é claro, de ter o sentido de proteger a criação “guardando” a sua boa ordem estabelecida por Deus, também tem conotações religiosas. Seu significado está relacionado com o “guardar” dos mandamentos de Deus (por exemplo, Êxodo 20.6; Levítico 18.4; Deuteronômio 5.29). Esse significado é importante, porque o relato de Gênesis afirma que o cosmo foi ordenado por meio da palavra, ou mandamento, de Deus. Como o mandamento divino tinha o propósito de ordenar o cosmo para que a vida fosse gerada e sustentada, então quando a humanidade “guarda” a criação, mantendo assim a ordem que gera e sustenta a vida, é também uma forma de “guardar” o mandamento de Deus.
Essa é uma boa conexão com o segundo exemplo que quero dar. Desde os primórdios do cristianismo, há uma discussão sobre a aplicabilidade das leis da Torá para os cristãos. No período da Reforma essa questão foi “solucionada” com uma divisão da lei em três domínios: moral, civil (judicial) e cerimonial (cúltica). Dessas, somente as leis morais são aplicáveis aos cristãos. O problema é que tal divisão é artificial. Para o propósito daquilo que quero comunicar neste texto, vou explicar isso da seguinte maneira. O Antigo Testamento sugere alguns fundamentos para suas leis: o senhorio de Deus sobre Israel (algo como, “Eu sou Javé, seu Deus, portanto…”), a ação redentora de Deus sobre Israel (algo como, “Eu sou Javé, seu Deus, que tirou você do Egito, portanto…”) e a santidade de Deus (algo como, “Façam isso porque eu sou santo…”). Com tais fundamentos, é claro que toda a vida de Israel é entendida como um grande “serviço” a Deus, ou seja, um grande culto de adoração a Deus.
E o que isso tem a ver com a relação entre culto de adoração e missão social, ou entre religião e ação social? Talvez a melhor forma de explicar isso, que também servirá de implicação prática de tudo que disse até aqui, seja atentando para os dízimos em Levítico e Deuteronômio. O dízimo tem como objetivo assegurar que Israel reconheça a terra e seus frutos como propriedade de Deus, que acolhe Israel em sua terra e lhes dá herança. Os levitas, porém, não tinha propriedades de terra, portanto, não tinham herança. O dízimo, então, servia de “herança” para os que não têm acesso à terra e seus frutos. Por isso, o dízimo era considerado como “santo a Javé” (Levítico 27.30-33).
Duas práticas relacionadas ao dízimo tornam tudo isso muito interessante. Primeiro, grande parte do dízimo era consumida, como uma refeição compartilhada entre levitas e ofertantes. Segundo, além dos levitas, outras pessoas não tinham propriedade de terra, ou seja, “herança” no meio de Israel. Essas pessoas, as viúvas, órfãos e estrangeiros, podiam consumir os frutos da terra, ou seja, dos frutos da “herança”, pelo consumo dos dízimos também. Ainda que em todas as práticas de ofertas de dízimo tal experiência pudesse acontecer, isso foi estabelecido como lei em Deuteronômio 14.28-29 e 26.12-13. A cada três anos, todo o dízimo era entregue aos levitas e a esse grupo “deserdado”. Vejam que interessante isso, considerando o que foi falado antes sobre a criação, o santuário e a responsabilidade da humanidade. A característica da oferta de dízimos é a de culto a Deus no santuário, mas se expressa numa refeição compartilhada entre ofertante, levita e outros “deserdados”, todos desfrutando da bênção de Deus na fertilidade da terra que resulta do “serviço” que a humanidade presta, fazendo com que a vida de todos seja preservada pela boa ordem da criação estabelecida pelo senhorio de Deus na criação e no culto, e preservada pela humanidade, em seu serviço, tanto na atividade agrícola, quanto na atividade litúrgica/ cúltica.
Esse entendimento teológico pode ser visto em algumas falas proféticas do Antigo Testamento, na vida de Jesus, na linguagem de Paulo sobre práticas cristãs e a ética dos primeiros cristãos. Vou dar um exemplo de cada um. As críticas proféticas ao culto de Jerusalém são bem conhecidas (por exemplo, Isaías 1.10-17 e Oseias 6.6). O exemplo que quero usar é de Amós 5.21-24. Eu não acredito que Amós ou os outros profetas fossem contra o culto com seus rituais e sacrifícios. E diante das falas proféticas, também não é suficiente somente dizer que eles são contra a discrepância entre ética, o culto e a vida diária de Israel. Os profetas, como exemplifica o texto de Amós, tendem a estabelecer a prática da justiça como a manifestação de culto e adoração. É a partir dessa visão em que práticas de justiça são vistas como práticas cúlticas que os profetas criticam as atividades cúlticas nos santuários. Conforme vimos sobre o dízimo, as atividades cúlticas nos santuários tinham um caráter ético-social forte. A crítica dos profetas, então, não era ao culto em si, nem à discrepância entre vida diária e culto, mas à perda desse caráter ético do culto. A crítica dos profetas se dá porque o culto deixou de servir para todo o povo, inclusive os “deserdados”, desfrutar das bênçãos do senhorio de Deus sobre o cosmo e a responsabilidade humana de guardar e avançar essa ordem numa refeição pactual. Em vez disso, o culto havia se tornado um momento de afirmação de poder e riqueza de alguns em detrimento de outros, o que implicava na quebra da aliança e da boa ordem da criação. Mas, para os nossos propósitos aqui, é interessante que nessa crítica profética, diante de tal situação dos santuários e do culto, o povo ainda tinha uma alternativa para adorar e cultuar a Deus: praticar a justiça, que significa ações que guardam e avançam a ordem da criação para gerar vida, conforme o senhorio de Deus sobre o cosmo.
Apesar de Jesus, como judeu na Palestina do primeiro século, ter participado das atividades cúlticas no templo de Jerusalém, ele parece compartilhar da visão profética crítica mencionada acima. Dentre algumas possibilidades, a citação de Oséias 6.6 (“Eu [Deus] desejo misericórdia, não sacrifício”) no Evangelho de Mateus é um caso interessante. A citação aparece em Mateus 9.13 e 12.7. Em ambas as ocorrências o contexto é sobre comida, com conotações cúlticas. Eu vou me limitar ao texto de Mateus 9.9-13. Jesus está à mesa, na casa do publicano Mateus, e junta-se a eles um grupo de cobradores de impostos e pecadores. Os fariseus questionam Jesus sobre estar se associando com tais pessoas e aí vem a citação de Oseias 6.6, complementado pelo “eu não vim chamar justos, mas pecadores”. A conotação cúltica está na comunhão de mesa entre ele e pecadores, que Jesus interpreta como o cumprimento da vontade divina de “misericórdia”. Acontece que o termo “misericórdia” em Oseias 6.6 diz respeito ao tipo de solidariedade vinculado à aliança. Assim, Jesus vê nessa comunhão de mesa ordinária, o mesmo significado da comunhão de mesa que acontecia no contexto do culto nos santuários.
No caso de Paulo, são diversos usos de linguagem cúltica para falar sobre seu ministério especificamente e a vida cristã em geral (por exemplo, Romanos 12.1-2). O texto de Filipenses 2.17 é extremamente esclarecedor nesse sentido. Paulo está encarcerado por causa de sua missão. Certamente necessitado de diversos recursos materiais, ele é agraciado por uma oferta proveniente dos cristãos filipenses (4.10-20). Estamos, portanto, lidando com um contexto de compartilhamento de recursos materiais com quem está em sofrimento e necessidade. Agora, veja como Paulo qualifica seu ministério, especificamente no contexto de sofrimento, e a atitude dos filipenses em compartilhar recursos materiais com ele: “Contudo, mesmo que eu entregue a minha vida como oferta de libação derramada sobre o sacrifício do culto de fidelidade de vocês, ainda assim me alegrarei e compartilho com vocês minha alegria” (2.17). Trata-se de uma linguagem explícita e profundamente cúltica para práticas cristãs fora de qualquer santuário ou de qualquer contexto litúrgico. Contudo, é mais do que isso. Essa é uma linguagem que Paulo utiliza para descrever e qualificar ações cristãs de auto-entrega em favor dos outros, em conformidade com a vida sacrifical de Jesus. Essa é uma teologia do culto e da adoração que informa ações de solidariedade e compaixão em meio às necessidades.
Tanto no caso de Jesus, no Evangelho de Mateus, quanto no caso de Paulo, estamos vendo um entendimento de culto e adoração que abrange, acima de tudo, práticas de justiça, misericórdia, solidariedade e compaixão. Mais ainda, trata-se de experiências bem humanas de comunhão de mesa e compartilhamento de recursos materiais. Para entender o porquê disso, é só voltarmos ao que foi dito aqui sobre a criação, a lei e o culto como preservadores e promotores da boa ordem estabelecida pelo senhorio de Deus para gerar e manter a vida de todos. Assim, voltamos, agora com uma linguagem derivada da vida de Jesus, para um entendimento de culto e adoração a partir de práticas de auto-entrega para o benefício dos outros, especialmente os excluídos e necessitados, ou, nos termos da lei e de uma relação de aliança, os “deserdados”.
Por fim, um exemplo dos Pais da Igreja. O material aqui é vasto e a qualificação cúltica da prática cristã ética é comum entre os primeiros cristãos. A autora Susan Holman diz: “O serviço aos pobres é tratado como liturgia [pelos três teólogos da Capadócia, Basílio de Cesareia, Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo]; em outras palavras, é algo tão importante para a verdadeira adoração quanto ir para a igreja” (God Knows There Is Need: Christian Responses to Poverty [Oxford: Oxford University Press, 2009], 69). Mas quero usar o exemplo de João Crisóstomo (348-407). Numa famosa passagem, ele afirma o seguinte: “Você quer ver o seu [de Cristo] altar?… Esse altar é composto dos próprios membros de Cristo… Esse altar você pode ver em todo lugar, nos becos e nos mercados, e você pode oferecer o seu sacrifício sobre ele a qualquer momento… invoque o Espírito não com palavras, mas com obras” (Homília 20 em 2 Coríntios). Crisóstomo está exortando os cristãos a irem ao socorro de gente pobre e necessitada, especialmente outros irmãos cristãos. Ele poderia fazer isso de várias formas. Mas ele escolheu a linguagem cúltica para definir tais práticas de solidariedade e compaixão. Assim, mais uma vez, o compartilhamento de recursos materiais pelos cristãos é qualificado como culto e adoração.
Pois bem, o que podemos aprender disso? Certamente não significa que o culto cristão em igrejas, em determinados dias e horários, seguindo uma determinada liturgia, seja inútil. De forma alguma. Mas também não é suficiente dizer que o culto cristão em igrejas e o culto cristão no mundo são duas formas de o cristão cultuar a Deus. É necessário entender o fundamento do culto e da adoração cristã. A partir desse fundamento, que apresentei da forma mais simples possível aqui, o culto cristão em igrejas e no mundo são uma única coisa. É a união da misericórdia e do sacrifício, usando os termos de Oséias 6.6. Mas para quê um culto em igrejas, então? O culto cristão num espaço e tempo determinados e limitados é a ritualização idealizada da vida cristã no mundo, com o propósito de fomentar nossas mentes e treinar os nossos corpos para o tipo de vida em conformidade com o senhorio de Deus em todo o cosmo. Essa vida cultua e adora a Deus quando gera e mantém vida para todos. É por isso, por exemplo, que eu sou crítico de uma liturgia cristã desvinculada das dinâmicas e experiências da vida diária no mundo. Não é à toa, portanto, que a comunhão de mesa, com comida de verdade, é um ritual cúltico fundamental na teologia do Antigo e do Novo Testamentos. Nessa experiência está envolvida a responsabilidade humana de fomentar a frutificação da terra como bênção de Deus e as dinâmicas sociais de compartilhamento de recursos materiais num contexto de democratização das bênçãos de Deus e da vida. Neste ponto é onde vemos a unicidade do culto na igreja e do culto no mundo.
Quando eu entendi essas coisas, as divisões entre espiritual e material, confissão teológica e vida prática, evangelismo e ação social, adoração e ética, simplesmente caíram por terra, como escamas dos meus olhos, e eu pude enxergar as coisas com uma nova luz. Eu não só deixei de ver essas divisões, como também eliminei a forma como muitos acreditam que se dá a relação dessas coisas. Por exemplo, muito se diz sobre as boas obras serem uma consequência da fé como um aspecto interno do crente. Nessa nova visão da realidade, isso não faz sentido algum. As boas obras, em conformidade com o senhorio de Deus sobre o cosmo que é expressão de sua graça, não são consequência da fé ou reflexo da fé, mas a própria fé. Isso, obviamente, não é salvação pelas obras. Nessa visão, não existe a adoração no culto da igreja, a missão da igreja no mundo e a ética cristã. Elimina-se o “e”, pois tudo é uma coisa só. É bom podermos, comunitariamente, como corpo de Cristo, nos reunir para louvarmos e bendizermos a Deus, participarmos dos sacramentos, orarmos uns pelos outros e pelo mundo, e meditarmos na revelação de Deus? Certamente. Isso não deveria ser exclusividade de nossas reuniões comunitárias num determinado espaço e momento, mas é, de fato, uma característica determinante dessa experiência específica. No entanto, essas práticas e experiências não podem ser entendidas como “verdadeira” adoração e “verdadeiro” culto. Essas coisas precisam estar fundamentadas na visão de culto e adoração que apresentei aqui. Caso contrário, ecoando a crítica profética, elas não são culto nenhum, nem adoração alguma. É provável que o Corona Vírus mantenha as portas das igrejas fechadas por um bom tempo. Contudo, temos diante de nós uma oportunidade rara de cultuarmos e adorarmos a Deus.

 
Fonte: https://www.facebook.com/notes/caio-peres/fecham-se-as-igrejas-mas-o-culto-continua-sem-internet/10159493464888496/?hc_location=ufi