segunda-feira, 30 de março de 2020

O cristianismo não oferece respostas sobre o coronavírus. Não se espera isso dele.



N.T. WRIGHT

Para muitos cristãos, as limitações da vida induzidas pelo coronavírus chegaram ao mesmo tempo que a Quaresma, a época tradicional de abstinência e jejum. Mas os novos regulamentos rígidos - sem teatro, escolas fechando, prisão domiciliar virtual para maiores de 70 anos - zombam de nossas pequenas disciplinas quaresmais. Ficar sem uísque ou chocolate é brincadeira de criança em comparação a não ver amigos ou netos ou ir ao pub, à biblioteca ou à igreja.

Há uma razão pela qual normalmente tentamos nos encontrar pessoalmente. Há uma razão para o confinamento solitário ser um castigo tão severo. E esta Quaresma não tem Páscoa fixa pela qual esperar. Não podemos marcar os dias. Esta é uma quietude, não de descanso, mas de tristeza equilibrada e ansiosa.

Sem dúvida, os suspeitos comuns e tolos nos questionarão por que Deus está fazendo isso conosco. Uma punição? Um aviso? Um sinal? Essas são reações cristãs em uma cultura que, gerações atrás, adotou o racionalismo: tudo deve ter uma explicação. Mas supondo que não há explicação? Supondo que a verdadeira sabedoria humana não significa ser capaz de reunir algumas especulações duvidosas e dizer: "Então está tudo bem então?" E se, afinal, houver momentos como T. S. Eliot reconheceu no início dos anos 1940, quando o único conselho é esperar sem esperança, porque estaremos esperando a coisa errada?

Os racionalistas (incluindo os racionalistas cristãos) querem explicações; Os românticos (incluindo os românticos cristãos) querem um suspiro de alívio. Mas talvez o que precisamos mais do que qualquer um seja recuperar a tradição bíblica de lamento. Lamento é o que acontece quando as pessoas perguntam: "Por quê?" e não obtém resposta. É para onde chegamos quando superamos nossa preocupação egocêntrica com nossos pecados e falhas e examinamos de maneira mais ampla o sofrimento do mundo. Já é ruim o suficiente enfrentar uma pandemia na cidade de Nova York ou Londres. Que tal um campo de refugiados lotado em uma ilha grega? E quanto a Gaza? Ou Sudão do Sul?

Nesse ponto, os Salmos, o próprio hinário da Bíblia, retornam aos seus, justamente quando algumas igrejas parecem ter desistido deles. “Sê benevolente comigo, Senhor”, reza o sexto Salmo, “pois estou definhando; Ó Senhor, cure-me, pois meus ossos estão tremendo de terror." "Por que você fica longe, ó Senhor?" pergunta o décimo salmo, queixoso. "Por que você se esconde em tempos de problemas?" E assim continua: “Até quando, ó Senhor? Você vai me esquecer para sempre?" (Salmo 13). E ainda mais aterrorizante, porque o próprio Jesus citou em sua agonia na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que você me abandonou?" (Salmo 22).

Sim, esses poemas costumam vir à luz no fim, com um novo senso da presença e esperança de Deus, não para explicar o problema, mas para tranquilizá-lo. Mas às vezes eles seguem o outro caminho. O Salmo 89 começa por celebrar as bondades e promessas de Deus e, de repente, muda e declara que tudo deu terrivelmente errado. E o Salmo 88 começa na miséria e termina na escuridão: “Você fez com que amigo e vizinho me evitassem; meus companheiros estão na escuridão." Uma palavra para os nossos tempos isolados.

O ponto de lamento, tecido assim no tecido da tradição bíblica, não é apenas uma saída para nossa frustração, tristeza, solidão e pura incapacidade de entender o que está acontecendo ou por quê. O mistério da história bíblica é que Deus também lamenta. Alguns cristãos gostam de pensar em Deus como acima de tudo, sabendo tudo, encarregado de tudo, calmo e não afetado pelos problemas de seu mundo. Essa não é a imagem que temos na Bíblia.

Deus se entristeceu com seu coração, declara Gênesis, pela violenta maldade de suas criaturas humanas. Ele ficou arrasado quando sua própria noiva, o povo de Israel, se afastou dele. E quando Deus voltou ao seu povo pessoalmente - a história de Jesus não tem sentido, a menos que seja disso que se trata - ele chorou no túmulo de seu amigo. São Paulo fala do Espírito Santo "gemendo" dentro de nós, como nós mesmos gememos na dor de toda a criação. A doutrina antiga da Trindade nos ensina a reconhecer o Deus Único nas lágrimas de Jesus e na angústia do Espírito.

Portanto, não faz parte da vocação cristã ser capaz de explicar o que está acontecendo e o porquê. De fato, faz parte da vocação cristã não poder explicar - e lamentar. À medida que o Espírito lamenta dentro de nós, também nos tornamos, mesmo em nosso auto-isolamento, pequenos santuários onde a presença e o amor curador de Deus podem habitar. E disso podem surgir novas possibilidades, novos atos de bondade, nova compreensão científica, nova esperança. Nova sabedoria para nossos líderes? Agora, há uma ideia.

Texto original em:

https://time.com/5808495/coronavirus-christianity/?fbclid=IwAR3cN6EfvuQUdsU_zSQgy1BXGgodJGV3hUWJ1fNOqruT3_6Krro1xneprP8




Tradução de Angela Natel​

Nenhum comentário:

O cristianismo não oferece respostas sobre o coronavírus. Não se espera isso dele.



N.T. WRIGHT

Para muitos cristãos, as limitações da vida induzidas pelo coronavírus chegaram ao mesmo tempo que a Quaresma, a época tradicional de abstinência e jejum. Mas os novos regulamentos rígidos - sem teatro, escolas fechando, prisão domiciliar virtual para maiores de 70 anos - zombam de nossas pequenas disciplinas quaresmais. Ficar sem uísque ou chocolate é brincadeira de criança em comparação a não ver amigos ou netos ou ir ao pub, à biblioteca ou à igreja.

Há uma razão pela qual normalmente tentamos nos encontrar pessoalmente. Há uma razão para o confinamento solitário ser um castigo tão severo. E esta Quaresma não tem Páscoa fixa pela qual esperar. Não podemos marcar os dias. Esta é uma quietude, não de descanso, mas de tristeza equilibrada e ansiosa.

Sem dúvida, os suspeitos comuns e tolos nos questionarão por que Deus está fazendo isso conosco. Uma punição? Um aviso? Um sinal? Essas são reações cristãs em uma cultura que, gerações atrás, adotou o racionalismo: tudo deve ter uma explicação. Mas supondo que não há explicação? Supondo que a verdadeira sabedoria humana não significa ser capaz de reunir algumas especulações duvidosas e dizer: "Então está tudo bem então?" E se, afinal, houver momentos como T. S. Eliot reconheceu no início dos anos 1940, quando o único conselho é esperar sem esperança, porque estaremos esperando a coisa errada?

Os racionalistas (incluindo os racionalistas cristãos) querem explicações; Os românticos (incluindo os românticos cristãos) querem um suspiro de alívio. Mas talvez o que precisamos mais do que qualquer um seja recuperar a tradição bíblica de lamento. Lamento é o que acontece quando as pessoas perguntam: "Por quê?" e não obtém resposta. É para onde chegamos quando superamos nossa preocupação egocêntrica com nossos pecados e falhas e examinamos de maneira mais ampla o sofrimento do mundo. Já é ruim o suficiente enfrentar uma pandemia na cidade de Nova York ou Londres. Que tal um campo de refugiados lotado em uma ilha grega? E quanto a Gaza? Ou Sudão do Sul?

Nesse ponto, os Salmos, o próprio hinário da Bíblia, retornam aos seus, justamente quando algumas igrejas parecem ter desistido deles. “Sê benevolente comigo, Senhor”, reza o sexto Salmo, “pois estou definhando; Ó Senhor, cure-me, pois meus ossos estão tremendo de terror." "Por que você fica longe, ó Senhor?" pergunta o décimo salmo, queixoso. "Por que você se esconde em tempos de problemas?" E assim continua: “Até quando, ó Senhor? Você vai me esquecer para sempre?" (Salmo 13). E ainda mais aterrorizante, porque o próprio Jesus citou em sua agonia na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que você me abandonou?" (Salmo 22).

Sim, esses poemas costumam vir à luz no fim, com um novo senso da presença e esperança de Deus, não para explicar o problema, mas para tranquilizá-lo. Mas às vezes eles seguem o outro caminho. O Salmo 89 começa por celebrar as bondades e promessas de Deus e, de repente, muda e declara que tudo deu terrivelmente errado. E o Salmo 88 começa na miséria e termina na escuridão: “Você fez com que amigo e vizinho me evitassem; meus companheiros estão na escuridão." Uma palavra para os nossos tempos isolados.

O ponto de lamento, tecido assim no tecido da tradição bíblica, não é apenas uma saída para nossa frustração, tristeza, solidão e pura incapacidade de entender o que está acontecendo ou por quê. O mistério da história bíblica é que Deus também lamenta. Alguns cristãos gostam de pensar em Deus como acima de tudo, sabendo tudo, encarregado de tudo, calmo e não afetado pelos problemas de seu mundo. Essa não é a imagem que temos na Bíblia.

Deus se entristeceu com seu coração, declara Gênesis, pela violenta maldade de suas criaturas humanas. Ele ficou arrasado quando sua própria noiva, o povo de Israel, se afastou dele. E quando Deus voltou ao seu povo pessoalmente - a história de Jesus não tem sentido, a menos que seja disso que se trata - ele chorou no túmulo de seu amigo. São Paulo fala do Espírito Santo "gemendo" dentro de nós, como nós mesmos gememos na dor de toda a criação. A doutrina antiga da Trindade nos ensina a reconhecer o Deus Único nas lágrimas de Jesus e na angústia do Espírito.

Portanto, não faz parte da vocação cristã ser capaz de explicar o que está acontecendo e o porquê. De fato, faz parte da vocação cristã não poder explicar - e lamentar. À medida que o Espírito lamenta dentro de nós, também nos tornamos, mesmo em nosso auto-isolamento, pequenos santuários onde a presença e o amor curador de Deus podem habitar. E disso podem surgir novas possibilidades, novos atos de bondade, nova compreensão científica, nova esperança. Nova sabedoria para nossos líderes? Agora, há uma ideia.

Texto original em:

https://time.com/5808495/coronavirus-christianity/?fbclid=IwAR3cN6EfvuQUdsU_zSQgy1BXGgodJGV3hUWJ1fNOqruT3_6Krro1xneprP8




Tradução de Angela Natel​