A religião, historicamente, sempre foi usada como ferramenta de manipulação das massas pela política. Constantino que o diga... A simbiose entre estas duas potestades, produz, ao menos, quatro fenômenos sócio-religiosos, conforme a seguir.
O primeiro é a criação de uma cultura do medo, onde os sacerdotes são alçados a uma categoria de mitos divinizados, pois, tocar no “Ungido”, é tocar em Deus! Com o policiamento comportamental, pessoas são controladas pela via do medo do castigo, seja ele em forma de disciplina eclesiástica pública, seja pela via do bullying fraterno, onde os “irmãos” se afastam daquele que violou o código de conduta coletiva, seja pela ação raivosa de “Deus”, que pune quem não segue a “regra do jogo”. Para a religião, não basta o sacerdote se interpor entre os homens e o Criador, ela precisa controlar também as relações entre os homens e seus semelhantes.
O segundo é a alienação do fiel quanto às dinâmicas da vida, ou seja, quanto mais religião, mais separação do “mundo”, é o noeploatonismo embalado para consumo religioso. Desde há muito, a igreja prega um Evangelho que exclui o indivíduo da realidade cotidiana, suprimindo dele o apreço pela arte, pela cultura, pela política, pela economia. A alienação religiosa é um poderoso meio de controle, cria uma geração de descerebrados, produz na linha de série da igreja-indústria gente que lê a bíblia, mas não lê o jornal, indivíduos que se envolvem com a agenda de programas da denominação, mas que não tem tempo para ir ao cinema, a um show artístico, ou até para investir nos estudos e na profissão. A religião produz um apagão intelectual, isola o sujeito entre as paredes do templo, torna a existência um subproduto das doutrinas da igreja, tenciona impermeabilizar o contato com o mundo real.
O terceiro é a conformação com a miséria, uma vez que o religioso é ensinado que a vida aqui na Terra deve ser uma experiência de sofrimento e renúncia, de privação e desprazer. A verdade é que crente bom é crente pobre! Transportar toda alegria e prazer que alguém pode experimentar para uma vida vindoura, com a promessa de um paraíso perfeito, tem por finalidade produzir uma letargia existencial, um anestesiamento de mente, cultivar a cultura da subserviência, induzir uma subjugação social, levar o povo a ser domesticado tornando-o inofensivo. Ora, essa doutrinação foi largamente utilizada, sobretudo, na América Latina, marcada historicamente por governos totalitários e ditatoriais, pobreza extrema, tanto no campo quanto nas cidades, além de baixos níveis de escolarização e acesso a serviços essenciais. Bem afirmou Dom Hélder Câmara, “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista”.
Por último, temos a rendição da crença às questões metafísicas, ou seja, quanto mais “espiritual” melhor, quanto mais à fé aponte para o sobrenatural, mas riqueza haverá na experiência com o sagrado. A metafísica religiosa amputa uma parte essencial da doutrina de Jesus, que é a preocupação com a justiça e com os dramas sociais, produz uma espiritualidade mágica, catártica e performática, revela um Deus fantasioso e vicia os “pagantes” à necessidade do espetáculo. Por isso, tanto “demônio” e tantos “milagres”! Vender religião é vender, sobretudo, o impossível, o intangível, e a metafísica religiosa se locupleta desta necessidade do ser humano de alcançar o divino para entretê-lo com a pirotecnia litúrgica, cultos teatrais com efeitos spilberguianos, muitos carismas disponíveis para uso, mas quase nenhum caráter que seja apto para torná-los úteis a qualquer coisa proveitosa para o bem.
Em minha experiência pastoral, tenho encontrado um sem número de pessoas marcadas por todos ou alguns destes tópicos acima. A violência religiosa é uma violência contra a alma humana, é um estupro da consciência, produz, por vezes, danos irreparáveis. Num tempo e numa sociedade onde o matrimônio está cada vez mais fragilizado, o casamento entre política e religião continua firme, e dando muitos frutos...
Carlos Moreira.
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