O deus
mais adorado em nossos dias é o deus de Frankenstein. Parece loucura, mas não
é. Pode-se observar facilmente como nossa busca pelo transcendente tem caído
num antropomorfismo exacerbado.
Isso
significa que em nosso desespero por algo além de nós mesmos acabamos por criar
uma divindade ou um ser transcendente que não passa de um produto de nossa
própria imaginação, um deus 'à nossa imagem e semelhança' e não o contrário.
Trata-se
de uma divindade cujas características que reconhecemos são as que nos são convenientes
- escolho na Bíblia ou em outras literaturas religiosas somente aquilo que
entendo, concordo e aceito, e monto meu deus de Frankenstein conforme minhas
necessidades, anseios e lógicas.
Não se
trata de um Criador, mas de uma criatura de minha própria imaginação. Posso
pensar nesse deus como uma força ao mesmo tempo em que, incoerentemente, me
reconheço como sua imagem e semelhança. Falo dele como salvador, poderoso, ao
mesmo tempo em que o trato como um gênio da lâmpada totalmente a meu dispôr.
Posso reconhecer sua existência e divindade, mas na prática lido com ele como
se fosse meu servo, um Papai Noel do ano todo, punindo os maus e recompensando
os bons.
Dessa
forma, monto meu deus de Frankenstein com peças de inúmeras teologias, mitos e
fontes religiosas, sem nem ao menos elaborar uma noção coerente do que pode ser
uma divindade.
Um
deus que me é conveniente, que atenda às minhas necessidades sem comprometer
minhas vontades, um deus construído a partir de minha imagem e limitações.
Sim, e
ainda posso querer defendê-lo perante outros, pois é inadmissível para minha
teologia qualquer tipo de questionamento.
Este é
o deus de Frankenstein, que mais se parece comigo do que eu com ele, apesar de
ter sido construído de partes diferentes do espaço e do tempo no imaginário
humano. Um deus que nada tem em comum com uma divindade específica dentro de
uma unidade de fé - seja cristã, muçulmana, judaica, hindu, animista, etc.
Por si
só é uma incoerência existencial, assim como o monstro de Frankenstein, criado
a partir do ser humano, sem a possibilidade de interagir de modo saudável com o
mesmo, devido às suas inúmeras limitações.
Um
deus de Frankenstein é limitado e confuso, incapaz de preencher as lacunas da
alma humana, exatamente porque se restringe a ela. Sua dimensão não alcança os
limites do inexplicável.
Infelizmente,
por ser muito comum em nossos dias, o deus de Frankenstein toma o espaço do
transcendente em nossas vidas - nos dá conforto, alivia momentaneamente a
consciência, tapa alguns buracos no sistema explicatório de nossa cosmovisão.
Sistematizamos facilmente esta divindade, porque cabe em nossa mente, podemos sondá-lo
em todas as suas dimensões. Assim, fica mais difícil sairmos da zona de
conforto em busca de algo maior do que nós mesmos - um Deus inexplicável,
pessoal, diferente e acima de todas as coisas criadas.
Sempre
gostei da história do monstro de Frankenstein. Só nunca antes tinha imaginado
que pudéssemos nos dobrar a uma divindade semelhante a ele.
Por
esta razão decidi de uma vez por todas que prefiro mil vezes ser compreendida a
compreender, e me dobro ante o inexplicável.
Que
meus monstros interiores não tomem o lugar que só a Deus pertence, e que este
Deus inexplicável nunca se limite ao tamanho de minha teologia.
Angela Natel
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