quarta-feira, 2 de agosto de 2023

"Eu sei o que é melhor para você": família, controle e cerceamento.

 


A estrutura monogâmica não está presente apenas em relações afetivo-sexuais, ela se alastra pelas mais diversas instituições, inclusive na família.
São comuns casos em que haja, por parte dos pais e demais familiares, um boicote e hostilização de qualquer vínculo que os filhos/as venham a ter, mesmo que sejam relações saudáveis.
Esse boicote aparece especialmente quando a pessoa que chega não é branca, não é cis hetero, não é magra, convive com deficiências, etc.
Falas como "essa pessoa não está a sua altura" ou "você merece alguém melhor" são ilustrações do quanto o que está em jogo nessas cenas são hierarquias postas pelas opressões.
Já a relação com uma pessoa padrão, mesmo que violenta e abusiva, é defendida a qualquer custo, sempre se atribui a ela boas intenções.
"Ninguém vai te amar como eu te amo" ou "sei o que é melhor para você" também aparecem em falas que tentam desmerecer os outros vínculos relacionais para além da família, estabelecendo uma hierarquia monogâmica que não admite concomitâncias.
Há filhos adultos que também antagonizam a mãe ou o pai quando um desses não quer mais permanecer no casamento, como se os vínculos de união e afeto só pudessem ser mantidos dentro do casamento e como se os pais não tivessem o direito de decidir sobre sua própria sexualidade.
Essas tentativas de terceirização são basilares na monogamia, nelas a pessoa, adulta, diz: quero, mas fulano (o pai, a mãe, o amigo, o ex) não deixa, não gosta, não quer.
É parte de nosso processo de amadurecimento bancarmos minimamente nossos desejos, pois deixar que outras pessoas decidam por nós algo que diz respeito ao nosso próprio corpo abre brecha para muitas outras violências.
Sabemos que nem sempre há possibilidade de escolha, pois há coerções de ordem inclusive financeira, mas é importante que pelo menos não romantizemos esse processo.
Não existe caminho que não tenha possibilidade de frustração de algo ou alguém e viver apenas para agradar o outro não garante nem que esse outro continue nos amando. Pelo contrário.
Boicotar as relações das pessoas que amamos pode ser reflexo de um medo de "perdê-las", mas a verdadeira alegria é a da presença que fica por gosto.

Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s 


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"Eu sei o que é melhor para você": família, controle e cerceamento.

 


A estrutura monogâmica não está presente apenas em relações afetivo-sexuais, ela se alastra pelas mais diversas instituições, inclusive na família.
São comuns casos em que haja, por parte dos pais e demais familiares, um boicote e hostilização de qualquer vínculo que os filhos/as venham a ter, mesmo que sejam relações saudáveis.
Esse boicote aparece especialmente quando a pessoa que chega não é branca, não é cis hetero, não é magra, convive com deficiências, etc.
Falas como "essa pessoa não está a sua altura" ou "você merece alguém melhor" são ilustrações do quanto o que está em jogo nessas cenas são hierarquias postas pelas opressões.
Já a relação com uma pessoa padrão, mesmo que violenta e abusiva, é defendida a qualquer custo, sempre se atribui a ela boas intenções.
"Ninguém vai te amar como eu te amo" ou "sei o que é melhor para você" também aparecem em falas que tentam desmerecer os outros vínculos relacionais para além da família, estabelecendo uma hierarquia monogâmica que não admite concomitâncias.
Há filhos adultos que também antagonizam a mãe ou o pai quando um desses não quer mais permanecer no casamento, como se os vínculos de união e afeto só pudessem ser mantidos dentro do casamento e como se os pais não tivessem o direito de decidir sobre sua própria sexualidade.
Essas tentativas de terceirização são basilares na monogamia, nelas a pessoa, adulta, diz: quero, mas fulano (o pai, a mãe, o amigo, o ex) não deixa, não gosta, não quer.
É parte de nosso processo de amadurecimento bancarmos minimamente nossos desejos, pois deixar que outras pessoas decidam por nós algo que diz respeito ao nosso próprio corpo abre brecha para muitas outras violências.
Sabemos que nem sempre há possibilidade de escolha, pois há coerções de ordem inclusive financeira, mas é importante que pelo menos não romantizemos esse processo.
Não existe caminho que não tenha possibilidade de frustração de algo ou alguém e viver apenas para agradar o outro não garante nem que esse outro continue nos amando. Pelo contrário.
Boicotar as relações das pessoas que amamos pode ser reflexo de um medo de "perdê-las", mas a verdadeira alegria é a da presença que fica por gosto.

Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s