Os binarismos
masculino e feminino, ativo e passivo, homem e mulher são exemplos do mito de
complementaridade.
Nesse mito, acredita-se que as pessoas só estarão completas em seus opostos, se
"preenchidas" por sua cara metade, etc.
É, portanto, uma das bases do amor romântico, da monogamia, da heterocisnorma.
Como diz a Bíblia, deus teria criado a mulher para o homem, ele deveria ser a
cabeça, ela a submissa. Ele ativo, ela na voz passiva, ele o desejante, ela a
desejada. A hierarquia pais e filhos, céu e inferno, reino e servos vai
sustentando toda essa lógica.
Na realidade, no entanto, essa conta não fecha.
Muitas pessoas assignadas como mulheres e homens desobedecem a essa fixidez.
Apesar disso, ainda há um estranhamento se um homem cis hétero deseja ser
apenas "passivo" sexualmente com sua companheira, se gosta de usar
cropped, se passa esmate nas unhas.
Muitas mulheres hétero dirão que esse não é um "homem de verdade",
que ele está tentando ocupar um lugar que é "delas".
A cisgeneridade se acha dona e proprietária das expressões de gênero, como se
lhes fosse um direito inato.
Da mesma forma, se uma mulher cis hetero resolve raspar o cabelo, parar de
depilar as axilas, usar roupas largas e não quer mais ser "passiva",
rapidamente terá sua heterossexualidade questionada.
Isso nos mostra que a cisheterossexualidade é indissociável das noções do que é
ser "homem e mulher de verdade".
Nesse mito da complementaridade, a gente é ensinado achar estranho duas
mulheres juntas, duas pessoas masculinas, se o vínculo é entre mais de duas
pessoas, etc. porque supostamente o "certo" é ser um par de opostos.
Indo além do binarismo a gente vai entender que não é preciso viver nessa
linearidade homem-masculino-ativo/mulher-feminina-passiva como se fosse um
destino.
Que pode ser que muito disso se misture no nosso desejo, que não precisamos
estar por toda a vida presos a um único jeito de ser, de estar, de gozar.
E que a própria ideia de masculino/feminino, ativo/passivo é uma ficção que
podemos abandonar sem ter de, necessariamente, ressignificá-la.
Se desviar desse roteiro é ser "menos homem" e "menos
mulher", que possamos dizer: sim, com orgulho.
Nota: como
expliquei em outros comentários, dualidades são mesmo presentes em várias
culturas, mas binarismo não é a mesma coisa que dualidade. Binarismos (como
humano e animal, selvagem e civilizado, feminino e masculino, homem e mulher
etc) são hierárquicos, coloniais, violentos. Para quem me perguntou sobre Yang
e Yin, eu não sou da Ásia, nem é esse meu tema de estudo, sei que é comum
pessoas "ocidentais" se apropriarem, homogeneizarem e distorcerem
noções "orientais". Então o que posso afirmar pela minha pesquisa é
que aqui em nosso território os binarismos são informados pela colonização
cristã. E é essa a referência imposta à população. Acho que é importante não
cair em um vício de universalização, de acreditar que visões particulares são,
na verdade, universais. Feminino e masculino não são noções universais, são
abstratas, arbitrárias e cabe se perguntar porque há tanto incômodo em cogitar
que a visão que se tem sobre um tema não é a mesma do mundo todo. Obrigada pela
leitura 💛
Geni Nuñez -
@genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no
Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s
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