sexta-feira, 5 de maio de 2023

As paixões não falam por mim, agora sou eu que me anuncio.

 


Em algumas narrativas românticas, a paixão é descrita quase como uma possessão.
Supostamente, haveria "algo" que tomaria a pessoa, que lhe deixaria sem "juízo". E se diz que "se eu pudesse escolher" não sentiria isso e que "não tenho como controlar" pois "tentei escapar não consegui".
Há aí uma espécie de terceirização, de algo que nos possuíria, hipnotizaria e que precisaria ser exorcizado ("pela água benta desse olhar infindo").
Essa relação na qual "um outro agiu em meu lugar" também aparece com as paixões de ódio, raiva, ciúme.
Há quem argumente que isso tudo é um jeito da pessoa se desresponsabilizar do seu próprio desejo, de suas ações, porque afinal ela teria sim controle e consciência do que sente e faz.
O que acredito vai em um meio termo disso.
Não penso que seja "mentira" essa sensação de perder-se de si, ao mesmo tempo, de fato não temos consciência e controle completo de todos nossos anseios. Há descaminhos bastante complexos em nossos desejos, mediados inclusive por nossa história de vida, os lugares que ocupamos no mundo, etc.
Por outro lado, como diz Donna Haraway, também somos responsáveis pelo que não vemos, nosso inconsciente também é parte de nós, é preciso que ele também seja um território em descolonização: o desejo não é neutro.
O exercício de elaboração é uma maneira da gente se reencontrar consigo e, na melhor das hipóteses, ir se aproximando daquilo que nos pulsa, nos move.
Nem tudo que a gente sente, deve ser expresso.
Sentir não deveria ser um passe livre para a execução de tudo. Há que se ter critérios para a experimentação das paixões, avaliando o que é um limite moralista e que o que é uma fronteira ética.
Talvez assim a gente consiga perceber que essa sensação de alívio em estar perdido, em que um "outro" decide tudo por nós, é um jeito da gente se afastar de si.
É possível descansar desse controle sem que pra isso precisemos contratar as paixões como um co-adjuvante que age em nosso nome.
Quem sabe aí a gente consiga despedir esse outro que inventamos e digamos:
ok, agora é minha vez, não sou culpado de tudo, mas sou responsável pela parte que me cabe e agora sei que também posso amar de olhos abertos.

Texto de Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s 


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As paixões não falam por mim, agora sou eu que me anuncio.

 


Em algumas narrativas românticas, a paixão é descrita quase como uma possessão.
Supostamente, haveria "algo" que tomaria a pessoa, que lhe deixaria sem "juízo". E se diz que "se eu pudesse escolher" não sentiria isso e que "não tenho como controlar" pois "tentei escapar não consegui".
Há aí uma espécie de terceirização, de algo que nos possuíria, hipnotizaria e que precisaria ser exorcizado ("pela água benta desse olhar infindo").
Essa relação na qual "um outro agiu em meu lugar" também aparece com as paixões de ódio, raiva, ciúme.
Há quem argumente que isso tudo é um jeito da pessoa se desresponsabilizar do seu próprio desejo, de suas ações, porque afinal ela teria sim controle e consciência do que sente e faz.
O que acredito vai em um meio termo disso.
Não penso que seja "mentira" essa sensação de perder-se de si, ao mesmo tempo, de fato não temos consciência e controle completo de todos nossos anseios. Há descaminhos bastante complexos em nossos desejos, mediados inclusive por nossa história de vida, os lugares que ocupamos no mundo, etc.
Por outro lado, como diz Donna Haraway, também somos responsáveis pelo que não vemos, nosso inconsciente também é parte de nós, é preciso que ele também seja um território em descolonização: o desejo não é neutro.
O exercício de elaboração é uma maneira da gente se reencontrar consigo e, na melhor das hipóteses, ir se aproximando daquilo que nos pulsa, nos move.
Nem tudo que a gente sente, deve ser expresso.
Sentir não deveria ser um passe livre para a execução de tudo. Há que se ter critérios para a experimentação das paixões, avaliando o que é um limite moralista e que o que é uma fronteira ética.
Talvez assim a gente consiga perceber que essa sensação de alívio em estar perdido, em que um "outro" decide tudo por nós, é um jeito da gente se afastar de si.
É possível descansar desse controle sem que pra isso precisemos contratar as paixões como um co-adjuvante que age em nosso nome.
Quem sabe aí a gente consiga despedir esse outro que inventamos e digamos:
ok, agora é minha vez, não sou culpado de tudo, mas sou responsável pela parte que me cabe e agora sei que também posso amar de olhos abertos.

Texto de Geni Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s