Em algumas narrativas românticas, a paixão é descrita quase
como uma possessão.
Supostamente, haveria "algo" que
tomaria a pessoa, que lhe deixaria sem "juízo". E se diz que "se
eu pudesse escolher" não sentiria isso e que "não tenho como controlar"
pois "tentei escapar não consegui".
Há aí uma espécie de terceirização, de algo que
nos possuíria, hipnotizaria e que precisaria ser exorcizado ("pela água
benta desse olhar infindo").
Essa relação na qual "um outro agiu em meu
lugar" também aparece com as paixões de ódio, raiva, ciúme.
Há quem argumente que isso tudo é um jeito da
pessoa se desresponsabilizar do seu próprio desejo, de suas ações, porque
afinal ela teria sim controle e consciência do que sente e faz.
O que acredito vai em um meio termo disso.
Não penso que seja "mentira" essa
sensação de perder-se de si, ao mesmo tempo, de fato não temos consciência e
controle completo de todos nossos anseios. Há descaminhos bastante complexos em
nossos desejos, mediados inclusive por nossa história de vida, os lugares que
ocupamos no mundo, etc.
Por outro lado, como diz Donna Haraway, também
somos responsáveis pelo que não vemos, nosso inconsciente também é parte de
nós, é preciso que ele também seja um território em descolonização: o desejo
não é neutro.
O exercício de elaboração é uma maneira da gente
se reencontrar consigo e, na melhor das hipóteses, ir se aproximando daquilo
que nos pulsa, nos move.
Nem tudo que a gente sente, deve ser expresso.
Sentir não deveria ser um passe livre para a
execução de tudo. Há que se ter critérios para a experimentação das paixões,
avaliando o que é um limite moralista e que o que é uma fronteira ética.
Talvez assim a gente consiga perceber que essa
sensação de alívio em estar perdido, em que um "outro" decide tudo
por nós, é um jeito da gente se afastar de si.
É possível descansar desse controle sem que pra
isso precisemos contratar as paixões como um co-adjuvante que age em nosso
nome.
Quem sabe aí a gente consiga despedir esse outro
que inventamos e digamos:
ok, agora é minha vez, não sou culpado de tudo,
mas sou responsável pela parte que me cabe e agora sei que também posso amar de
olhos abertos.
Texto de Geni
Nuñez - @genipapos no Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal
no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s

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