“Não é apenas
que cada aspecto da personalidade do homem econômico se sobrepõe a cada traço
ao longo da história que viemos a chamar de masculino. Essas características
são também aquelas que entendemos serem superiores e dignas de dominar aquilo
que chamamos de feminino. A alma é mais refinada que o corpo e nós associamos a
alma a ele. A razão é mais refinada do que a emoção, e associamos a razão a
ele. O universal é melhor que específico, e associamos o universal a ele.
Objetivo é
melhor do que subjetivo, e associamos objetividade com o homem - aquele que
pode ficar fora de uma situação, observando friamente e sem ser afetado pelo
que ele vê. A cultura é mais refinada do que a natureza e nós associamos a
cultura a ele. Ela é a natureza indomada; ele a adora tanto quanto se assusta
com ela.
A mulher é
corpo, ela é terra e ela é passiva. Ela é dependente, ela é a natureza e o
homem é o oposto. Ele a fertiliza, a castiga, a ara e extrai dela. Ele a enche
de significado e a coloca em movimento.
Em sua jornada,
o herói de Homero, Odisseu, supera a natureza, o mito e o canto da sereia da
sexualidade feminina para voltar para casa e restabelecer o poder patriarcal
sobre sua esposa em Ítaca. Toda a autopercepção do Ocidente é construída em
torno destas histórias. Aprendemos a ver os sexos como uma dicotomia e é assim
que é em muitas tradições. Mas não em todas.
Na obra
clássica de Lao Tzu, Tao Te Ching, escrita na China em cerca de 600 AEC., os
movimentos de yin e yang se iniciam um ao outro. O feminino e o masculino são
energias que se sucedem em um movimento circular no qual nem uma hierarquia nem
uma dicotomia podem tomar forma. No Tao Te Ching, yin e yang são descritos não
como um ou outro, que é a visão patriarcal tradicional dessas forças, mas de
muitas maneiras como um caminho que se move para além das dicotomias. O que é
tradicionalmente chamado de 'feminino', ou yin, é livre e pode ser abraçado por
todas as pessoas, independentemente do sexo. O todo está constantemente em um
processo de mudança e criação - nada é fixo ou bloqueado.
Mas esta não se
tornou a visão dominante sobre os sexos no mundo.
O que foi
associado ao feminino foi quase sempre construído como aquilo que deve estar
subordinado ao masculino. A natureza deve ser domada pela cultura, o corpo deve
ser castigado pela alma. Aqueles que são autônomos devem cuidar daqueles que
são dependentes. O ativo deve penetrar o passivo. O homem produz. A mulher
consome. É por isso que ele deve tomar as decisões. Ele se explica a si mesmo.
Estas teorias
econômicas são uma continuação da mesma história. O homem econômico domina
através da força de sua masculinidade. Os lucros de uma empresa podem, da mesma
forma, dominar todas as outras ambições na economia e dentro da própria
empresa. Justiça, igualdade, cuidado, meio ambiente, confiança, saúde física e
mental são subordinados. Porque existe uma teoria econômica que pode
justificá-la. Isso pode explicar por que nada mais é possível. Embora no fundo
saibamos que é uma loucura.
Portanto, em
vez de ver a justiça, a igualdade, o cuidado, o meio ambiente, a confiança, a
saúde física e mental como partes fundamentais da equação que cria valor
econômico, elas são interpretadas como algo que está em oposição a ela.”
Da obra ‘Who Cooked Adam Smith's
Dinner?’, por Katrine Marçal
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