A sedução
monogâmica é profundamente atravessada pelo amor romântico e sua megalomania.
Quando alguém nos promete e garante que toda a beleza, inteligência e encanto
do mundo estão concentradas apenas em nós, há um apelo aí que só funciona se,
em alguma medida, acreditamos nisso.
É dessa crença que depois vem o sentimento de decepção e a sensação de ter sido
enganado e traído: "como assim você ama e deseja outras pessoas além de
mim? Não tinha dito que só via beleza em mim? Que apenas minha companhia era a
que importava?".
Além disso, as demonstrações públicas e exageradas desse tipo de amor romântico
são, muitas vezes, formas de manipulação emocional. Nessa alta dose de
intensidade se busca anestesiar outros importantes incômodos.
Especialmente quando falamos de pessoas afetadas pelo racismo, misoginia e
outras opressões, o impacto da quebra dessas promessas pode ser extremamente
dolorido, já que é comum que façamos uma inversão da equação: passamos a nos
ver como a pessoa menos bonita, atraente e interessante de todas e vemos a
mudança do desejo do outro como uma confirmação disso tudo.
Em verdade, os preterimentos sociais não são uma prova de nossa falta pessoal,
mas um efeito de poder. Por isso, o exercício de não se culpabilizar
individualmente é tão desafiador quanto necessário.
Para além do que o amor romântico diz, podemos cogitar outros caminhos, pois
não merecemos ser amadas apenas se formos excepcionalmente inteligentes,
interessantes e bonitas (com toda a arbitrariedade que essas noções trazem).
Viver o amor com menos megalomania pode acolher nossa pequenez de maneira mais
serena.
É possível ser profundamente amada mesmo não sendo a pessoa mais bonita, nem a
mais inteligente que todas as demais.
Aliás, quem é "amado" apenas por sua aparência também não é
amado de fato em sua complexidade.
Amor exige cotidiano e encantamento com as pequenezas da vida, há magia em cada
gota de água, em cada folha que existe.
Desconfiemos das grandiloquências.
Geni Nuñez
- @genipapos no
Instagram
Assista a live “Descatequizar para descolonizar”, com Geni Nuñez em meu canal
no Youtube (Angela Natel) -
https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2113s
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