“me causa estranhamento cada vez que ouço, de pessoas cis,
sobre agora elas estarem diante de um governo que elas finalmente têm a
liberdade de criticar. Me faz pensar no quanto são covardes, no quanto suas
lutas e resistências parecem invariavelmente condicionadas à autorização ou
desautorização do "papai Estado".
Um tipo de inércia e passividade que foi cultivando nestes passados anos em que
o fascismo tornou-se pedagogia de limite para nossos sonhos. A mesma dinâmica
de um relacionamento abusivo da parte do Estado: submetidas aos limites de
tortura institucional e psicológica, somos educadas a agradecer e louvar o que
ainda é pouco.
Essa "esquerda" fake, que boicotava lutas autônomas e ação direta
desde quando estava no poder, foi muito bem sucedida em consolidar pedagogias
de passividade e docilidade política, viciando-nos ao aguardo das eleições
vindouras como única promessa de esperança. Nunca esteve em seus interesses
confrontar o fascismo - ao contrário: serviram-se do choque e da destruição que
o fascismo promoveu para nos fazer agradecer às conciliações com os mesmos
grupos que deram o golpe.
Aliam-se aos evangélicos no apagamento das pautas de travestis e pessoas trans,
abrem portas para o agronegócio, criminalizam o aborto, perpetuam tecnologias
de encarceramento e morte em nome da "guerra às drogas"... enquanto
sustentam um simulacro de diálogo, de "representatividade".
Não... nossa luta não se tornou mais fácil. A violência escancarada e
explicitamente torturadora de um governo fascista - deu lugar à violência que
se dissimula entre as retóricas de uma pretensa democracia. A retórica de um
governo manipulador não é menos perigosa do que os discursos de ódio declarados
- demanda, talvez, uma esperteza mais atenta para que nossa revolta e nossas
lutas não sejam afogadas em meio a esse espetáculo celebrativo.
E por isso mesmo, a radicalidade do mundo pelo qual lutamos não pode ser
negociável. Justamente porque não se trata de um ponto de chegada - precisamos
internalizá-la enquanto o próprio fundamento do que nos movimenta.
Sem ela a trégua democrática à qual estamos assistindo não será mais do que
passagem a um novo cenário ainda mais fascista.”
Autoria: @lesbikaos.groove (Instagram)
Fonte: https://www.instagram.com/p/Cm7qQ9avZKi/?igshid=NDdhMjNiZDg%3D
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