sábado, 22 de outubro de 2022

"Pintou um clima": a culpabilização das vítimas é a base do fundamentalismo cristão

 


É raro que alguém diga, de forma aberta, que é a favor de estupradores, que concorda com machistas, pedófilos, que apoia racistas.

Em vez disso, o que ocorre é a negação dessas violências.

E se diz: "sim, sou contra tudo isso, mas o que aconteceu ali não foi uma violência, a vítima mentiu, exagerou ou então provocou isso".

Por vezes até mesmo vítimas dessas violências anunciam esse tipo de discurso, o que a meu ver pode ser uma forma de se proteger do reconhecimento de que ali ocorreu um trauma.

Responsabilizar as vítimas pelas violências que lhes acontecem é uma maneira de ainda tentar dar sentido à defesa de um mundo justo e perfeito, de um ser divino bondoso e poderoso que ordena tudo.

No desespero de defender esse mundo supostamente justo, em que toda ação teria uma reação equilibrada, por vezes se apela para outras vidas. Ex: se um bebê sofreu uma violência, fica mais difícil dizer que ele "provocou" ou "pediu" por aquilo, então se diz que ele teria um débito de outra vida a ser quitado nessa.

A culpabilização das vítimas é a principal forma de manter essa ilusão de que haveria uma justiça maior no mundo. Isso porque no cristianismo há a ideia de que nada acontece sem a permissão do deus e que portanto haveria no mundo uma grande justiça, um grande motivo por trás de tudo.

Diante da constatação de que no mundo há muitas violências e injustiças, essa ideologia aciona o "livre-arbítrio", de maneira que todo o mal que sucede a alguém é justificado por sua própria ação. Quem "não pediu com fé" não alcançou o mérito de ser "salvo" por milagre da fome, do estupro, das demais violências.

Abandonar essa ideologia é fundamental para que se possa reconhecer a concretude das violências e ter a radicalidade de afirmar que nenhuma ação da vítima justifica violência alguma. Nem a roupa, nem o horário, nada.

É preciso sustentar essa falta de um sentido único de justiça transcendental na vida para que a gente possa, de fato, vivê-la com saúde, enfrentando seus problemas sem apelar para nenhum livre-arbítrio.

Descatequizar para descolonizar é fundamental para o reflorestamento do mundo.”

Geni Núñez - @genipapos no Instagram

Assista a live completa "Descatequizar para descolonizar" com Geni Núñez em https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2152s


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"Pintou um clima": a culpabilização das vítimas é a base do fundamentalismo cristão

 


É raro que alguém diga, de forma aberta, que é a favor de estupradores, que concorda com machistas, pedófilos, que apoia racistas.

Em vez disso, o que ocorre é a negação dessas violências.

E se diz: "sim, sou contra tudo isso, mas o que aconteceu ali não foi uma violência, a vítima mentiu, exagerou ou então provocou isso".

Por vezes até mesmo vítimas dessas violências anunciam esse tipo de discurso, o que a meu ver pode ser uma forma de se proteger do reconhecimento de que ali ocorreu um trauma.

Responsabilizar as vítimas pelas violências que lhes acontecem é uma maneira de ainda tentar dar sentido à defesa de um mundo justo e perfeito, de um ser divino bondoso e poderoso que ordena tudo.

No desespero de defender esse mundo supostamente justo, em que toda ação teria uma reação equilibrada, por vezes se apela para outras vidas. Ex: se um bebê sofreu uma violência, fica mais difícil dizer que ele "provocou" ou "pediu" por aquilo, então se diz que ele teria um débito de outra vida a ser quitado nessa.

A culpabilização das vítimas é a principal forma de manter essa ilusão de que haveria uma justiça maior no mundo. Isso porque no cristianismo há a ideia de que nada acontece sem a permissão do deus e que portanto haveria no mundo uma grande justiça, um grande motivo por trás de tudo.

Diante da constatação de que no mundo há muitas violências e injustiças, essa ideologia aciona o "livre-arbítrio", de maneira que todo o mal que sucede a alguém é justificado por sua própria ação. Quem "não pediu com fé" não alcançou o mérito de ser "salvo" por milagre da fome, do estupro, das demais violências.

Abandonar essa ideologia é fundamental para que se possa reconhecer a concretude das violências e ter a radicalidade de afirmar que nenhuma ação da vítima justifica violência alguma. Nem a roupa, nem o horário, nada.

É preciso sustentar essa falta de um sentido único de justiça transcendental na vida para que a gente possa, de fato, vivê-la com saúde, enfrentando seus problemas sem apelar para nenhum livre-arbítrio.

Descatequizar para descolonizar é fundamental para o reflorestamento do mundo.”

Geni Núñez - @genipapos no Instagram

Assista a live completa "Descatequizar para descolonizar" com Geni Núñez em https://www.youtube.com/watch?v=mhtXVH-kO3I&t=2152s