sexta-feira, 10 de junho de 2022

Criminalidade e cristianismo

 


Uma das narrativas sobre os benefícios do cristianismo diz respeito à "salvação do crime". Esta hipótese aposta que a conversão cristã livraria a pessoa usuária das drogas e/ou participante de práticas criminais se redimiria ao encontrar Jesus.
O que é frequentemente esquecido nessa narrativa é de que crime e fé não estão em campos necessariamente opostos. O pesquisador Vagner Marques, em seu livro "Fé e crime", explica que nas últimas décadas, com o crescimento exponencial das igrejas evangélicas, inúmeros pressupostos morais cristãos foram incorporados a organizações como o Comando da Capital e outras.
O discurso cristão foi se tornando cada vez mais presente em letras de rap, em pichações e em práticas de conduta criminais. Nisso temos um crescendum de ataques a terreiros, linchamentos lgbtfóbicos, espancamentos e assassinatos de gente "talarica", imposição de misoginias de toda a ordem, amparados diretamente na ideologia cristã. Em tudo isso, não estão sendo "maus cristãos" ou interpretando equivocadamente a Bíblia, mas estão seguindo o que de fato ela prega acerca do lugar que as mulheres devem ter, do adultério ser um pecado grave, de não haver possibilidade de existir mais de um deus além do cristão, da aberração que é ser lgbt, etc.
A pregação cristã dentro dos presídios, inclusive, é maciça: das 100 instituições aprovadas pela Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) para fazer assistência espiritual nos presídios fluminenses em 2015, 81 são igrejas evangélicas. A narrativa cristã da justiça divina, do merecimento, do punitivismo e a culpabilização individual de problemáticas coletivas (como o uso de drogas, que é uma questão de saúde pública e do aumento da criminalidade, que é uma questão sócio-histórica) é extremamente preocupante. O cristianismo vem adentrando organizações criminais e até mesmo na prática de cada vez mais profissionais da saúde, da assistência social e jurídica. Por ser hegemônico, este discurso é visto como neutro e normal.
Não se trata de apostar em um "cristianismo bom", mas justamente de repensar o valor da moral do bem e do mal na luta anticolonial.
Não é possível descolonizar sem descristianizar.

Geni Nuñez - @genipapos


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Criminalidade e cristianismo

 


Uma das narrativas sobre os benefícios do cristianismo diz respeito à "salvação do crime". Esta hipótese aposta que a conversão cristã livraria a pessoa usuária das drogas e/ou participante de práticas criminais se redimiria ao encontrar Jesus.
O que é frequentemente esquecido nessa narrativa é de que crime e fé não estão em campos necessariamente opostos. O pesquisador Vagner Marques, em seu livro "Fé e crime", explica que nas últimas décadas, com o crescimento exponencial das igrejas evangélicas, inúmeros pressupostos morais cristãos foram incorporados a organizações como o Comando da Capital e outras.
O discurso cristão foi se tornando cada vez mais presente em letras de rap, em pichações e em práticas de conduta criminais. Nisso temos um crescendum de ataques a terreiros, linchamentos lgbtfóbicos, espancamentos e assassinatos de gente "talarica", imposição de misoginias de toda a ordem, amparados diretamente na ideologia cristã. Em tudo isso, não estão sendo "maus cristãos" ou interpretando equivocadamente a Bíblia, mas estão seguindo o que de fato ela prega acerca do lugar que as mulheres devem ter, do adultério ser um pecado grave, de não haver possibilidade de existir mais de um deus além do cristão, da aberração que é ser lgbt, etc.
A pregação cristã dentro dos presídios, inclusive, é maciça: das 100 instituições aprovadas pela Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) para fazer assistência espiritual nos presídios fluminenses em 2015, 81 são igrejas evangélicas. A narrativa cristã da justiça divina, do merecimento, do punitivismo e a culpabilização individual de problemáticas coletivas (como o uso de drogas, que é uma questão de saúde pública e do aumento da criminalidade, que é uma questão sócio-histórica) é extremamente preocupante. O cristianismo vem adentrando organizações criminais e até mesmo na prática de cada vez mais profissionais da saúde, da assistência social e jurídica. Por ser hegemônico, este discurso é visto como neutro e normal.
Não se trata de apostar em um "cristianismo bom", mas justamente de repensar o valor da moral do bem e do mal na luta anticolonial.
Não é possível descolonizar sem descristianizar.

Geni Nuñez - @genipapos