Uma das narrativas sobre
os benefícios do cristianismo diz respeito à "salvação do crime".
Esta hipótese aposta que a conversão cristã livraria a pessoa usuária das
drogas e/ou participante de práticas criminais se redimiria ao encontrar Jesus.
O que é frequentemente esquecido nessa narrativa
é de que crime e fé não estão em campos necessariamente opostos. O pesquisador
Vagner Marques, em seu livro "Fé e crime", explica que nas últimas
décadas, com o crescimento exponencial das igrejas evangélicas, inúmeros
pressupostos morais cristãos foram incorporados a organizações como o Comando
da Capital e outras.
O discurso cristão foi se tornando cada vez mais
presente em letras de rap, em pichações e em práticas de conduta criminais.
Nisso temos um crescendum de ataques a terreiros, linchamentos lgbtfóbicos,
espancamentos e assassinatos de gente "talarica", imposição de
misoginias de toda a ordem, amparados diretamente na ideologia cristã. Em tudo
isso, não estão sendo "maus cristãos" ou interpretando
equivocadamente a Bíblia, mas estão seguindo o que de fato ela prega acerca do
lugar que as mulheres devem ter, do adultério ser um pecado grave, de não haver
possibilidade de existir mais de um deus além do cristão, da aberração que é
ser lgbt, etc.
A pregação cristã dentro dos presídios,
inclusive, é maciça: das 100 instituições aprovadas pela Secretaria estadual de
Administração Penitenciária (Seap) para fazer assistência espiritual nos
presídios fluminenses em 2015, 81 são igrejas evangélicas. A narrativa cristã
da justiça divina, do merecimento, do punitivismo e a culpabilização individual
de problemáticas coletivas (como o uso de drogas, que é uma questão de saúde
pública e do aumento da criminalidade, que é uma questão sócio-histórica) é
extremamente preocupante. O cristianismo vem adentrando organizações criminais
e até mesmo na prática de cada vez mais profissionais da saúde, da assistência
social e jurídica. Por ser hegemônico, este discurso é visto como neutro e
normal.
Não se trata de apostar em um "cristianismo
bom", mas justamente de repensar o valor da moral do bem e do mal na luta
anticolonial.
Não é possível descolonizar sem descristianizar.
Geni Nuñez - @genipapos
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