sexta-feira, 6 de março de 2020

Patriarcado, um violador em nosso caminho


Patriarcado, um violador em nosso caminho

5 de março de 2020

Um grito do Fórum de Gênero da Aliança de Batistas que chega às Igrejas
O patriarcado é um juiz
que nos julga por nascer,
e nosso castigo
é a violência que você não vê.
E a culpa não era minha,
nem onde estava,
nem como me vestia.
É feminicídio.
Impunidade para meu assassino.
É o desaparecimento.
É o estupro.
O violador era você. O violador é você.
São os policiais, os juízes, o estado, o Presidente. (1)
Esse foi o grito de um grupo de mulheres chilenas que ecoou em muitas partes do mundo em 2019. Na denúncia dos perpetuadores do patriarcado estão policiais, juízes, o Estado e o presidente.
E a Igreja, não deveria integrar essa lista? A Igreja tem sido mais violadora ou aliada das mulheres em suas lutas por igualdade, dignidade e direitos?
O patriarcado religioso que prevalece nas igrejas e estruturas cristãs é inimigo antigo que permanece aterrorizando a vida das mulheres. Talvez por isso gritava a escritora e artista Kate Millet: “O patriarcado tem Deus ao seu lado” (2). Historicamente, o cristianismo tem usado o nome de Deus para perpetuar e justificar o pecado do machismo e suas estruturas patriarcais.
Por isso, neste 08 de março, o Fórum de Gênero da Aliança de Batistas do Brasil faz desse dia de celebração um Grito!
“Eis que uma mulher cananeia, que tinha saído dessa região, começou a gritar…” Mateus 15:22
O grito das mulheres comprometidas com a fé cristã tem sido um grito profético de anúncio e denúncia.
Na América Latina cristã e cristianizada, o feminicídio (assassinato de mulheres por serem mulheres) mata 12 mulheres por dia, segundo dados da ONU. O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a uma taxa de 4,8 para cada 100 mil mulheres no país. A violência de gênero que atinge mulheres, principalmente mulheres pretas e periféricas, mulheres trans e a comunidade LGBTI+ continua crescente, expressando-se de diferentes formas tanto na sociedade quanto nas igrejas.
Como anunciar o reino de justiça e igualdade, se as igrejas e instituições cristãs ensinam e reproduzem um modelo de desigualdade entre homens e mulheres?
O uso constante de uma leitura patriarcal da Bíblia e da fé cristã pelas igrejas para marginalizar, excluir e silenciar as mulheres distorce e contradiz o princípio de igualdade entre mulheres e homens e não pode ser admitido como palavra autêntica de Deus. Trata-se, pelo contrário, de reflexo do pecado sexista e machista que atingiu as tradições interpretativas da Bíblia e da tradição cristã.
Por tudo isso, gritamos!
Esse grito ecoa desde as mulheres silenciadas ou ignoradas da Bíblia.
Em Isaías 42:14 as mulheres gritam: “Fomos mantidas muito tempo em silêncio, contidas, nos calaram. Mas, agora, como mulheres em trabalho de parto, gritamos, gememos e respiramos ofegante.”
Raquel e as mulheres de Ramá também gritam: “Ouve-se uma voz em Ramá, lamentação e amargo choro. É Raquel que chora por seus filhos e recusa-se a ser consolada!” (Jeremias 31:15).
“Eis que uma mulher cananeia, que tinha saído dessa região, começou a gritar”. (Mateus 15: 22): O grito dela constrange a Jesus, e denuncia que não há justiça e igualdade na mesa da religião onde mulheres sofrem com a violência do patriarcado disfarçado de doutrina, tratadas como “cachorrinhos”, aceitando as migalhas que caem da mesa religiosa do machismo institucional.
O nosso grito é o grito abafado da filha de Davi, violada pelo seu meio-irmão dentro de sua própria casa (2 Samuel 13:1-21).
O grito da injustiça sofrida por Tamar, que teve seus direitos negados sistematicamente pelos homens da família de Judá (Gênesis 38).
É também o grito e o pranto de Ana, que sofre as dores da humilhação perpetrada pela lei patriarcal que tratava as mulheres como meras máquinas de reprodução humana (1 Samuel 1:1-20).
O nosso grito se faz choro com as amigas da filha de Jefté que, chorando, denunciam o mal que homens cometem em nome da guerra (Juízes 11:1-40).
Gritamos e bradamos pela indefesa mulher do Levita que, assim como a filha de Jefté, teve seu corpo violado, assassinado no altar do sacrifício do patriarcado bíblico (Juízes 19).
Gritamos pela silenciada mulher acusada de adultério que depõe a hipocrisia dos seus acusadores que, escondendo seus próprios pecados, vivem de pedras na mão contra a vida das mulheres.
O grito dessas mulheres da Bíblia se junta ao grito de tantas mulheres de ontem e de hoje.
Ao grito impaciente e resistente de Rosa Parks, mulher negra e crente que com seu grito derrubou a lei segregacionista nos Estados Unidos da América.
Ao grito de Margarida Alves, que até hoje anima a luta das mulheres e homens do campo: “Medo nóis tem, mas nóis não usa!”.
Ao grito de tantas mulheres pobres, negras, nas periferias das cidades, camponesas, desde as fábricas até as academias que se unem num mesmo grito: “O patriarcado é um juiz que nos julga por nascer, e nosso castigo é a violência que você não quer ver”!
Como sociedade e Igreja, somos responsáveis e temos permitido e reproduzido um sistema patriarcal que tem gerado morte às mulheres de todas as classes, gênero, raça e religiões, com um terrível agravante da violência de gênero sofrida por meninas, mulheres negras, indígenas e trans.
Com muita indignação e vergonha, nos somamos a estes gritos que clamam por justiça de gênero, a começar pelas nossas igrejas. Diante do alarmante cenário que denuncia a conivência e negligência das instituições e igrejas cristãs, nós do Fórum de Gênero da Aliança de Batistas:
  • Pedimos perdão a todas as mulheres por ser parte do problema que atenta contra suas vidas, quando deveríamos como igrejas ser espaço de cuidado e apoio para o enfrentamento das violências perpetradas contra as mulheres.
  • Pedimos perdão a Deus pelo pecado do machismo patriarcal que predomina em nossas igrejas.
  • Convocamos a todas as igrejas cristãs, as comunidades de fé das distintas religiões e diversas expressões de espiritualidade a evocar a memória de todas as mulheres e grupos que foram e são vítimas da violência machista e patriarcal, e a nos somar ao grito delas que clama por justiça de gênero.
Finalizamos dando graças ao Deus que é espírito, vento e ventre criador de todas as coisas, que tem sustentado a fé e a esperança de todas as mulheres.
Que a nossa resistência seja alimentada pela fé e pela profecia das matriarcas Sara, Hagar e Raquel na busca de “uma terra prometida”, e que assim lutemos por outro mundo e outra igreja possível.
Que nosso grito seja fortalecido pelo testemunho de Maria de Nazaré, Maria Madalena e todas as mulheres do movimento de Jesus que caminham conosco até recuperarmos “a moeda perdida” por nós mulheres de fé cristã dentro da própria casa, a igreja, que deveria ser a comunidade de iguais inaugurada por Jesus.
E quem tem ouvido, ouça o que o Espírito diz às igrejas!
(1) Un Violador en Tu Camino”. Coletivo LasTesis, em ação pelo Dia do Combate à Violência Contra a Mulher, em 25 de novembro de 2019. Santiago do Chile.
(2) MILLET, Kate. Sexual Politics. Garden City: NY, Doubled Day & Company, 1970, p. 51.
acessado em 06/03/2020 às 09:03h

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Patriarcado, um violador em nosso caminho


Patriarcado, um violador em nosso caminho

5 de março de 2020

Um grito do Fórum de Gênero da Aliança de Batistas que chega às Igrejas
O patriarcado é um juiz
que nos julga por nascer,
e nosso castigo
é a violência que você não vê.
E a culpa não era minha,
nem onde estava,
nem como me vestia.
É feminicídio.
Impunidade para meu assassino.
É o desaparecimento.
É o estupro.
O violador era você. O violador é você.
São os policiais, os juízes, o estado, o Presidente. (1)
Esse foi o grito de um grupo de mulheres chilenas que ecoou em muitas partes do mundo em 2019. Na denúncia dos perpetuadores do patriarcado estão policiais, juízes, o Estado e o presidente.
E a Igreja, não deveria integrar essa lista? A Igreja tem sido mais violadora ou aliada das mulheres em suas lutas por igualdade, dignidade e direitos?
O patriarcado religioso que prevalece nas igrejas e estruturas cristãs é inimigo antigo que permanece aterrorizando a vida das mulheres. Talvez por isso gritava a escritora e artista Kate Millet: “O patriarcado tem Deus ao seu lado” (2). Historicamente, o cristianismo tem usado o nome de Deus para perpetuar e justificar o pecado do machismo e suas estruturas patriarcais.
Por isso, neste 08 de março, o Fórum de Gênero da Aliança de Batistas do Brasil faz desse dia de celebração um Grito!
“Eis que uma mulher cananeia, que tinha saído dessa região, começou a gritar…” Mateus 15:22
O grito das mulheres comprometidas com a fé cristã tem sido um grito profético de anúncio e denúncia.
Na América Latina cristã e cristianizada, o feminicídio (assassinato de mulheres por serem mulheres) mata 12 mulheres por dia, segundo dados da ONU. O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a uma taxa de 4,8 para cada 100 mil mulheres no país. A violência de gênero que atinge mulheres, principalmente mulheres pretas e periféricas, mulheres trans e a comunidade LGBTI+ continua crescente, expressando-se de diferentes formas tanto na sociedade quanto nas igrejas.
Como anunciar o reino de justiça e igualdade, se as igrejas e instituições cristãs ensinam e reproduzem um modelo de desigualdade entre homens e mulheres?
O uso constante de uma leitura patriarcal da Bíblia e da fé cristã pelas igrejas para marginalizar, excluir e silenciar as mulheres distorce e contradiz o princípio de igualdade entre mulheres e homens e não pode ser admitido como palavra autêntica de Deus. Trata-se, pelo contrário, de reflexo do pecado sexista e machista que atingiu as tradições interpretativas da Bíblia e da tradição cristã.
Por tudo isso, gritamos!
Esse grito ecoa desde as mulheres silenciadas ou ignoradas da Bíblia.
Em Isaías 42:14 as mulheres gritam: “Fomos mantidas muito tempo em silêncio, contidas, nos calaram. Mas, agora, como mulheres em trabalho de parto, gritamos, gememos e respiramos ofegante.”
Raquel e as mulheres de Ramá também gritam: “Ouve-se uma voz em Ramá, lamentação e amargo choro. É Raquel que chora por seus filhos e recusa-se a ser consolada!” (Jeremias 31:15).
“Eis que uma mulher cananeia, que tinha saído dessa região, começou a gritar”. (Mateus 15: 22): O grito dela constrange a Jesus, e denuncia que não há justiça e igualdade na mesa da religião onde mulheres sofrem com a violência do patriarcado disfarçado de doutrina, tratadas como “cachorrinhos”, aceitando as migalhas que caem da mesa religiosa do machismo institucional.
O nosso grito é o grito abafado da filha de Davi, violada pelo seu meio-irmão dentro de sua própria casa (2 Samuel 13:1-21).
O grito da injustiça sofrida por Tamar, que teve seus direitos negados sistematicamente pelos homens da família de Judá (Gênesis 38).
É também o grito e o pranto de Ana, que sofre as dores da humilhação perpetrada pela lei patriarcal que tratava as mulheres como meras máquinas de reprodução humana (1 Samuel 1:1-20).
O nosso grito se faz choro com as amigas da filha de Jefté que, chorando, denunciam o mal que homens cometem em nome da guerra (Juízes 11:1-40).
Gritamos e bradamos pela indefesa mulher do Levita que, assim como a filha de Jefté, teve seu corpo violado, assassinado no altar do sacrifício do patriarcado bíblico (Juízes 19).
Gritamos pela silenciada mulher acusada de adultério que depõe a hipocrisia dos seus acusadores que, escondendo seus próprios pecados, vivem de pedras na mão contra a vida das mulheres.
O grito dessas mulheres da Bíblia se junta ao grito de tantas mulheres de ontem e de hoje.
Ao grito impaciente e resistente de Rosa Parks, mulher negra e crente que com seu grito derrubou a lei segregacionista nos Estados Unidos da América.
Ao grito de Margarida Alves, que até hoje anima a luta das mulheres e homens do campo: “Medo nóis tem, mas nóis não usa!”.
Ao grito de tantas mulheres pobres, negras, nas periferias das cidades, camponesas, desde as fábricas até as academias que se unem num mesmo grito: “O patriarcado é um juiz que nos julga por nascer, e nosso castigo é a violência que você não quer ver”!
Como sociedade e Igreja, somos responsáveis e temos permitido e reproduzido um sistema patriarcal que tem gerado morte às mulheres de todas as classes, gênero, raça e religiões, com um terrível agravante da violência de gênero sofrida por meninas, mulheres negras, indígenas e trans.
Com muita indignação e vergonha, nos somamos a estes gritos que clamam por justiça de gênero, a começar pelas nossas igrejas. Diante do alarmante cenário que denuncia a conivência e negligência das instituições e igrejas cristãs, nós do Fórum de Gênero da Aliança de Batistas:
  • Pedimos perdão a todas as mulheres por ser parte do problema que atenta contra suas vidas, quando deveríamos como igrejas ser espaço de cuidado e apoio para o enfrentamento das violências perpetradas contra as mulheres.
  • Pedimos perdão a Deus pelo pecado do machismo patriarcal que predomina em nossas igrejas.
  • Convocamos a todas as igrejas cristãs, as comunidades de fé das distintas religiões e diversas expressões de espiritualidade a evocar a memória de todas as mulheres e grupos que foram e são vítimas da violência machista e patriarcal, e a nos somar ao grito delas que clama por justiça de gênero.
Finalizamos dando graças ao Deus que é espírito, vento e ventre criador de todas as coisas, que tem sustentado a fé e a esperança de todas as mulheres.
Que a nossa resistência seja alimentada pela fé e pela profecia das matriarcas Sara, Hagar e Raquel na busca de “uma terra prometida”, e que assim lutemos por outro mundo e outra igreja possível.
Que nosso grito seja fortalecido pelo testemunho de Maria de Nazaré, Maria Madalena e todas as mulheres do movimento de Jesus que caminham conosco até recuperarmos “a moeda perdida” por nós mulheres de fé cristã dentro da própria casa, a igreja, que deveria ser a comunidade de iguais inaugurada por Jesus.
E quem tem ouvido, ouça o que o Espírito diz às igrejas!
(1) Un Violador en Tu Camino”. Coletivo LasTesis, em ação pelo Dia do Combate à Violência Contra a Mulher, em 25 de novembro de 2019. Santiago do Chile.
(2) MILLET, Kate. Sexual Politics. Garden City: NY, Doubled Day & Company, 1970, p. 51.
acessado em 06/03/2020 às 09:03h