domingo, 1 de março de 2020

A Salvação Chegou na Sapucaí? Partes I e II - por Caio Peres


A Salvação Chegou na Sapucaí? Parte I: A Mangueira e Teólogos Evangélicos

CAIO PERES·SATURDAY, FEBRUARY 29, 2020·READING TIME: 8 MINUTES

Eu não queria escrever sobre um acontecimento na elite do carnaval carioca 2020, mas aqui estou eu. A força propulsora que me levou a decidir escrever algo sobre o samba-enredo e as imagens utilizadas pela Mangueira foram as críticas que vi de teólogos evangélicos conservadores e reformados. Eu não me importo se uma expressão artística carnavalesca não apresenta o evangelho na Sapucaí. Mas eu me importo muito com os simplismos espirituais que teólogos evangélicos apresentam para definir a identidade de Jesus e sua obra salvadora. Minhas manifestações se darão em duas etapas. Nesta aqui, só introduzirei algumas complicações para a visão de que o evangelho = perdão de pecados individuais, e o que acho de alguns fundamentos teológicos por trás do samba-enredo da Mangueira. Na segunda etapa, falarei sobre o uso identitário ou apropriação cultural para expressar a identidade de Jesus, a partir de expressões artísticas da pessoa de Jesus, inclusive a imagem do jovem negro e favelado crucificado do desfile da Mangueira.
Por mais que muitos queiram reduzir o evangelho ao perdão de pecados individuais, a coisa é bem mais complicada quando atentamos para o Novo Testamento. Após ver algumas críticas ao desfile da Mangueira, dizendo que o evangelho não estava ali porque não se falou sobre pecado e perdão, pensei num exemplo que aparece no Evangelho de Lucas. Antes de chegar lá, acabei fazendo um exercício. Busquei ocasiões nos Evangelhos em que Jesus pronuncia salvação de forma direta a alguém. São poucos casos, mas o exercício vale ser apresentado.
O verbo “salvar” (σῴζω) é utilizado em alguns casos que fazem referência à cura de alguma doença, como hemorragia (Mateus 9.22; Marcos 5.34; Lucas 8.48, paralelos), cegueira (Marcos 10.52; 18.42, paralelos) e “lepra” (Lucas 17.19). Só aqui já poderíamos parar um pouco para pensar o significado da salvação oferecida por Jesus nos Evangelhos. Certamente é algo mais amplo do que perdão de pecados individuais. O contexto é diferente numa outra ocorrência. Em Lucas 7.50, durante uma refeição na casa de Simão, um fariseu, Jesus pronunciou o perdão de pecados a uma mulher que havia lavado seus pés com suas lágrimas, perfumando-os com alabastro e secando-os com seus cabelos. A cena é concluída com Jesus dizendo à mulher para ir em paz, pois sua fé havia salvado-a. Essa conclusão é muito parecida com os outros casos em que salvação é sinônimo de cura (ver, por exemplo, Mateus 9.22). Ainda que a salvação esteja relacionada com o perdão de pecados de forma bem explícita aqui, o contexto da refeição na casa de um fariseu e a fala de Jesus comparando o modo como a mulher o tratou com o modo como Simão o tratou nos leva a pensar que há mais do que mero perdão de pecados aqui.
Mas existe um episódio peculiar que nos ajuda bastante e é esse o exemplo que me veio à mente desde o início. Jesus se convida para comer na casa de Zaqueu, um publicano, portanto riquíssimo e um traidor de seu povo, pois era um tipo de superintendente dos cobradores de impostos para Roma. Em meio à refeição, Zaqueu diz que daria metade de sua riqueza aos pobres e devolveria quatro vezes a quantia de quem havia extorquido algum bem. Diante disso, Jesus declara que a “salvação” (σωτερία) “chegou” (ἐγένετο) à “casa” (οἲκῳ) de Zaqueu, pois ele também é filho de Abraão. Nesta história não há confissão de pecados, perdão de pecados, uma percepção do significado da cruz como meio para lidar com o pecado individual de Zaqueu, ou algo do tipo. Existe uma decisão de partilhar recursos materiais com os pobres, e o conserto material de erros prévios. Na fala de Jesus, fica claro que salvação é identificação comunitária (“casa” e não o indivíduo), identitária (“filho de Abraão” como marca judaica), que se manifesta na decisão de Zaqueu de partilhar seus bens com os pobres e devolver os bens materiais ilicitamente adquiridos. O interessante é que tudo isso está vinculado, pela construção narrativa de Lucas, com a comunhão de mesa entre Jesus e Zaqueu. Estar à mesa com Jesus é, na percepção de Lucas e sua construção narrativa, se identificar com Jesus. E isso, por sua vez, significa ser “filho de Abraão”, partilhar seus bens com os pobres e restituir aquilo que foi adquirido indevidamente. E tudo isso junto significa que a “salvação” proposta por Jesus se manifestou.
Pensando no que os guardiões da fé ou da sã doutrina falaram sobre o desfile da Mangueira em 2020, fico imaginando o que falariam sobre esse episódio caso aparecesse em alguma outra obra literária que não fosse um Evangelho canônico. Talvez diriam: O evangelho não está aí! Cadê a cruz? Cadê a confissão de pecados? Cadê o indivíduo chorando ao olhar para cruz e ver ali o preço de seu pecado? Esse Zaqueu se acha parça de Jesus porque ele come à sua mesa! Pior, se acha parça de Jesus porque está dando bens materiais aos pobres, mas sem “evangelizar”! Acha o quê? Acha que salvação do messias é partilha, como no samba-enredo daquela escola de samba? Acha que servir a Jesus e servir aos pobres é a mesma coisa? Iludido Zaqueu! Você não passa de um pagão, materialista, ideólogo identitário. A salvação de Jesus está longe de você! Tão longe quanto a salvação está de quem quer se aproximar de Jesus por meio daquele desfile da Mangueira.
Por fim, quero esclarecer algumas questões. Não, não vou defender a Mangueira como proclamadora do evangelho, nem que o fundamento teológico do samba-enredo é impecável (apesar de o maior problema teológico estar no samba-enredo e não na representação artística do jovem negro, favelado e crucificado, será mais apropriado falar disso na próxima etapa). Mas vejam o que aconteceu. Uma escola da elite do samba carioca fez um desfile sobre a identidade de Jesus como aquele que está do lado de gente sofredora e oprimida (“Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira; me encontro no amor que não encontra fronteira; procura por mim nas fileiras contra a opressão”), a partir de um clamor/oração a Deus (“Senhor, tenha piedade; olhai para a terra; veja quanta maldade Senhor, tenha piedade; olhai para a terra; veja quanta maldade”). Por isso, decidiram não permitir que o desfile apresentasse um teor sexual típico do carnaval! E, mais impressionante ainda, o fundamento teológico por trás do desfile foi um tanto bíblico e apropriado para o contexto artístico de manifestação cultural como o carnaval. Explico. Como arte provocadora, o desfile da Mangueira desafiou visões culturais e políticas a partir de uma inversão de status entre pobres e ricos diante de Deus (algo comum no Antigo e Novo Testamentos), o que os levou a identificar Jesus com os menos favorecidos (algo que Antigo e Novo Testamentos também fazem). Isso tem fundamento bíblico profundo. Não é, necessariamente, o evangelho. Não é, necessariamente, uma mensagem cristã. Existem outros fatores determinantes sobre isso que não se encontram no samba-enredo, como o senhorio de Jesus e seu empobrecimento e morte como parte de seu senhorio, e a necessidade de identificação pessoal com Jesus e submissão ao seu senhorio. Além disso, contexto é tudo. Portanto, escola de samba, usando dinheiro público, talvez usando recursos ilícitos, num ambiente de imoralidades diversas, não tem muito “lugar de fala” para dizer que sem partilha não há futuro. Mas tudo isso ainda encontra um significado importante como manifestação artística e cultural num contexto tão popular como é o carnaval brasileiro. Nesse sentido, foi uma mensagem riquíssima e com grande potencial de conscientização. Minha visão positiva aqui está, além de tudo o que disse, no fato de que como uma escola de samba, a Mangueira não arroga o direito de defender a fé cristã ou de explicá-la. Julgá-la por esse critério é completamente inapropriado, como falarei na segunda etapa de minha análise. Eles utilizaram partes válidas e apropriadas da teologia bíblica para transmitir sua mensagem. Ponto.
Já os teólogos evangélicos conservadores e reformados que criticaram o desfile da Mangueira, o fizeram de uma posição de quem está aqui para explicar o verdadeiro evangelho e a verdadeira identidade de Jesus. Assim como no caso da Mangueira, a crítica deles também contém alguns elementos da teologia bíblica, mas é simplista e limitada. Por isso que me coloco como crítico deles, muito mais do que da Mangueira. Esse pessoal arroga o direito de dizer o que é a fé cristã, o evangelho, a identidade de Jesus e sua obra de salvação. Eles não percebem, porém, que sua visão cristã está fundamentada em certas tradições cristãs e não dá conta da amplitude daquilo que o Novo Testamento apresenta como evangelho. Como demonstrarei na próxima etapa, é uma visão espiritualizada que não entende a lógica da encarnação que fundamenta a identidade de Jesus e sua obra de salvação. Como no exemplo citado acima, essa visão não dá conta nem da história de Zaqueu, nem do uso de “salvação” nos Evangelhos. Nesse caso, a Mangueira, dentro de seu contexto, usou a teologia bíblica muito melhor do que os teólogos conservadores e reformados dentro do contexto deles. Na próxima etapa, vamos aprofundar a discussão a partir das representações artísticas de Jesus e da lógica da encarnação.

acessado em 01/03/2020 às 10:53h


A Salvação Chegou na Sapucaí? Parte II: Identidades Sociais, Representações Artística de Jesus e a Encarnação

CAIO PERES·SUNDAY, MARCH 1, 2020·READING TIME: 15 MINUTES

Será que um Jesus representado por um jovem negro e favelado é só o outro lado da moeda de um Jesus representado por um homem branco, de cabelos loiros longos e olhos azuis? Seriam os adeptos de teologias contextuais hipócritas ao criticar as representações do Jesus branco enquanto aplaudem as representações do Jesus negro, pobre e favelado? Seriam os adeptos da teologia conservadora (que também é contextual) hipócritas ao criticar as representações do Jesus negro, pobre e favelado, enquanto sua tradição aceitou por séculos e ainda aceita um Jesus branco? Será que toda teologia cria e representa um Jesus (e Deus) à sua imagem e semelhança? Dada as atuais discussões sobre a representação de Jesus no desfile da Mangueira, quero falar um pouco sobre apropriação cultural, teologias identitárias e o que tudo isso tem a ver com a encarnação.
Apropriação cultural é um fenômeno tão antigo quanto a própria humanidade. Para nós, cristãos, o uso da cruz como símbolo religioso é um bom exemplo de apropriação cultural com inversão de valores. Um instrumento de tortura e morte como demonstração do poder romano, se tornou símbolo de vida e do senhorio de Jesus que derrota o poder romano e qualquer outro poder político humano. No Antigo Testamento existem diversos exemplos disso. Quero citar somente um. No livro do Êxodo, a libertação dos hebreus da escravidão no Egito é descrita como sendo efetuada pela “mão forte” (3.19, 13.3, 14, 16; 32.11; cf. Dt 3.14, 6.21, 9.26) e “braço estendido” (6.6; cf. Dt 9.29) de Deus. Essas imagens eram típicas da propaganda militar egípcia sobre o poder do faraó nas XVIII e XIX dinastias (entre os séculos XVI e XII antes de nossa era). Assim, os autores bíblicos se apropriam culturalmente dessas imagens para invertê-las. Em favor dos oprimidos e sofridos hebreus, a “mão forte” e “braço estendido” de Deus são usados contra o poder opressor da “mão forte” e “braço estendido” do faraó.
Na história cristã mais recente, apropriação cultural da história e da identidade de Israel é comum. E é a partir de um contraste que poderemos delimitar um critério para a apropriação cultural que esteja em conformidade com aquilo que vemos de mais interessante nas tradições bíblicas. Em seu livro The Hebrew Bible, the Old Testament, and Historical Criticism, Jon Levenson descreve duas apropriações culturais recentes, sem chamá-las dessa forma, que movimentos religiosos e sociais fizeram da identidade do antigo Israel. A primeira apropriação foi feita por um movimento na Inglaterra do século XIX. Trata-se do movimento Anglo-Israelita, cuja proposta era de que os verdadeiros israelitas eram fisicamente semelhantes aos anglo-saxões, que agora são o verdadeiro Israel, pois o pecado do Israel étnico fez com que sua fisionomia deteriorasse até ficarem como são os atuais judeus. A segunda apropriação foi feita pelo movimento dos direitos civis de Martin Luther King Jr. nos EUA. Em seus discursos, King se comparava a Moisés por não entrar na terra prometida, mas sabendo que seu povo iria entrar. Levenson, então, apresenta dois princípios fundamentais para uma correta apropriação da narrativa do êxodo hoje: (1) o movimento Anglo-Israelita se identificou com Israel em seu triunfo, enquanto King se identificou com Israel em seu sofrimento; (2) o movimento Anglo-Israelita projetou seu próprio grupo no passado, enquanto King trouxe o passado para o presente. A esses dois princípios, eu incluo que uma apropriação cultural em conformidade com as tradições bíblicas precisa apresentar algum tipo de inversão de valores na sociedade em que se encontra. Tal apropriação cultural, portanto, será feita na identificação com os fracos, aqueles que sofrem com a injustiça e a morte, e inverterá os típicos valores humanos vistos nos poderosos da sociedade, colocando Deus do lado dos mais fracos.
Agora podemos falar um pouco sobre teologias identitárias e as representações artísticas de Jesus. O leitor atento já deve ter percebido que a cor de Jesus não é um problema em si, mas faz parte de um conjunto identitário cultural e social que, sim, é fundamental. Eu vou esclarecer isso por meio de algumas artes representando o encontro de Jesus com a mulher samaritana no Evangelho de João, capítulo 4.
Na Fig. 1, que você pode ver abaixo nos comentários, temos a pintura do artista alemão Jan Joest Von Kalkar, do início do século XVI. Toda a cena, desde os objetos, passando pela paisagem e arquitetura, até a fisionomia dos personagens, está em conformidade com o contexto do pintor e nada tem a ver com a palestina do primeiro século de nossa era. Não há nada de errado com isso, pois não passa de uma adaptação com propósitos comunicativos. Ou seja, é a arte na busca de transpor o abismo contextual da realidade antiga para um público contemporâneo. O que temos, no entanto, na história cristã, é a imposição dessa identidade européia da Idade Média transferida para o contexto bíblico, especialmente da identidade de Jesus (a projeção do grupo no passado, conforme a formulação de Levenson) como realidade para outras culturas em outros contextos. A situação se complica ainda mais quando essa imposição, no contexto das expansões colonialistas européias, se torna militar, política e imperial. O Jesus branco não é um problema meramente porque a cor de sua pela é historicamente imprecisa, mas por toda a bagagem histórica, política e social que carrega (a projeção triunfalista, conforme a formulação de Levenson). Essa teologia identitária do Jesus/Deus branco e europeu, colonialista, poderoso e triunfalista, superior a todas as outras identidades, na história do cristianismo, se impôs de tal forma que ganhou caráter “neutro” e invisível. Certamente devemos estar gratos aos estudos críticos e às teologias contextuais que apontaram o dedo para tamanho disparate. Essa apropriação cultural, não necessariamente a da pintura de Kalkar, mas daquilo que ela representa historicamente, nada tem a ver com as apropriações culturais que encontramos nas tradições bíblicas. Ela é o exato oposto das inversões de valores, como apresentei acima, e da lógica da encarnação, como falarei abaixo.
Agora, vejam a Fig. 2 nos comentários abaixo. Trata-se de uma pintura da mesma cena de João 4. A artista é Olivia Silva, uma campesina da Nicarágua. Seu vilarejo foi destruído durante os conflitos políticos no país nos anos 70 e, depois, reconstruído por seus habitantes nos anos 80. Como no caso da pintura medieval germânica, aqui também temos toda a cena em conformidade com o contexto da artista. De novo, é a arte na busca de transpor o abismo contextual da realidade antiga para um público contemporâneo. Seria, então, esse o outro lado da moeda do Jesus branco? Mais uma vez, a bagagem histórica, política e social é o que determina a questão. Até onde sabemos, nunca houve uma tentativa de impor essa identidade de Jesus acima de outras culturas e identidades sociais, projetando a identidade do grupo no passado e aceitando para si uma identidade triunfalista. Pelo contrário, para uma população camponesa em meio a conflitos políticos que destruía seu país, representar Jesus como um camponês nicaragüense comum, à espera de uma mulher camponesa nicaragüense comum, está em conformidade com os critérios de apropriação cultural que vemos nas tradições bíblicas. É a tentativa de se identificar com Jesus em sua condição humana e sofrida, invertendo, assim, os valores humanos do contexto da população nicaragüense. Jesus não está no poder político ou revolucionário, e sim na vida camponesa comum que tenta simplesmente viver bem. Essa é uma apropriação cultural, por meio de uma “teologia” identitária, bem feita e alinhada com o que vemos nas tradições bíblicas. Portanto, o Jesus camponês nicaragüense não é meramente o outro lado da moeda do Jesus branco europeu medieval.
Por fim, para demonstrar que o critério de adequação não está na etnia ou na cor de pele, vamos ver um Jesus branco europeu bem diferente. Na Fig. 3 nos comentários abaixo, temos uma pintura do artista alemão Edouard Von Gebhardt do início do século XX. A mesma cena do Evangelho de João 4 é retratada no contexto da classe operária alemã. Jesus não contém traços divinos, mas é retratado como um simples camponês. Sua expressão facial é desgastada pelo esforço físico e suas roupas, incluindo o chapéu ao lado descansando na ponta de um cajado, são bem distintas das características físicas e vestimentas dos três homens ao fundo à direita, que parecem ser membros da aristocracia. A expressão corporal dos três homens em relação às mulheres parece bem ríspida, enquanto a interação corporal entre Jesus e a mulher é bem amigável, pois eles parecem compartilhar de uma vida semelhantemente sofrida, ela como uma simples operária e ele como um simples camponês. Aqui, um Jesus branco e alemão é mais parecido com o Jesus camponês nicaragüense da obra anterior do que o Jesus branco e alemão do século XVI. A identidade desse Jesus camponês sofrido que interage com a classe operária alemã do início do século XX não corresponde ao poder colonial alemão, muito menos à ascensão militar alemã antecedendo a Primeira Guerra Mundial. Essa apropriação cultural, com cor de pele branca e etnia européia, corresponde muito bem ao critério alinhado com as tradições bíblicas.
E o menino negro, pobre, favelado e crucificado do desfile da Mangueira? Diante de tudo o que apresentei aqui, é claro que essa apropriação cultural corresponde ao critério alinhado com as tradições bíblicas. A identificação se dá no nível do sofrimento e das injustiças, e não do triunfo. Não se busca utilizar a identidade social do grupo atual para remeter a uma identidade passada. Pelo contrário, há a atualização da identidade passada no presente. E, como já indiquei no meu primeiro texto sobre o samba-enredo (https://tinyurl.com/yx3krbgx), a apropriação é feita com o propósito de comunicar uma inversão de valores da sociedade em que a manifestação artística foi realizada. Deveríamos estar indignados se colocassem no desfile carnavalesco um CEO de multinacional ou um líder político crucificado.
Agora podemos entender que o fundamento desse critério está na lógica da encarnação. Três expressões neotestamentárias nos ajudam aqui. Mateus usa a expressão “Emanuel”, que quer dizer “Deus conosco”, no início de seu Evangelho (Mt 1.23). João utiliza a expressão “O verbo se fez carne e tabernaculou entre nós” (Jo 1.14). E Paulo trabalha com duas imagens importantes. A primeira delas usando um hino cristão anterior ao escrito paulino: “[Jesus] esvaziou a si mesmo; assumiu a posição de escravo e nasceu como ser humano” (Fp 2.7). A segunda fala sobre empobrecimento: “Vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Embora fosse rico, por amor a vocês ele se fez pobre, para que por meio da pobreza dele vocês se tornassem ricos” (2Co 8.9). Em todos esses casos estamos lidando com a teologia da encarnação dos primeiros cristãos. De forma mais explícita nos textos paulinos, mas implícita na narrativa de todos os Evangelhos, vemos que a encarnação segue a lógica da inversão de valores por meio da identificação de Deus, em Jesus, com a realidade de vida sofrida, injustiçada e empobrecida de grupos sociais. Ora, se isso não é importante, então Jesus poderia ter encarnado na família real de Herodes e isso não faria diferença alguma. Se a identidade de Jesus e sua obra salvadora tivessem somente a ver com perdão de pecados individuais, e sua morte como uma punição pelo pecado, então ele poderia ter vindo como imperador romano e morrido de velhice depois de desfrutar de uma vida tranqüila de paz e luxo. Felizmente não é isso. Existe algo mais nessa história.
Esse algo mais é que a lógica da encarnação aponta para identificação de Deus com os menos favorecidos. Por quê? Primeiro, porque ele precisa estar acessível a todos. Se ele fosse rei, estaria acessível a pouquíssimos. Segundo, porque para compartilhar da real identidade humana ele precisava se identificar com a realidade da vasta maioria das pessoas, que é uma realidade de pobreza e sofrimento. Terceiro, porque ele veio para afirmar seu senhorio sobre tudo e todos não como aquele que está acima de tudo e todos, mas exatamente por ter sido servo de todos. Essa é a inversão de valores que é tão importante na tradição bíblica, especialmente na relação de Deus com a criação e a humanidade. Como afirmei no texto anterior, o senhorio de Jesus é estabelecido pela inversão do poder político e militar de Roma.
O menino negro, pobre, favelado e crucificado do desfile da Mangueira está apontando para isso. Da mesma forma, o exemplo que citei de Martin Luther King Jr. e as obras de arte das Figs. 2 e 3, também apontam para isso. Como movimentos sociais e expressões artísticas, elas conseguiram captar e expressar a essência da encarnação para seus propósitos culturais e sociais. Ainda que isso possa ter relevância religiosa, na forma como nos relacionamos com Deus, não é esse necessariamente o propósito e é errado avaliar essas expressões a partir desse critério. E os campeões da teologia evangélica conservadora e reformada se acham tão bons ao julgar uma expressão artística sem pretensões religiosas usando um critério religioso. Como afirmei no texto anterior, ainda fazem seu julgamento apresentando uma visão tão estreita do significado do evangelho, da salvação e da identidade de Jesus e sua obra.
No caso específico do desfile e do samba-enredo da Mangueira, qual foi o problema teológico, caso fizéssemos uma avaliação por um critério religioso? Certamente não é, como já afirmei, porque não mencionaram o propósito da cruz para o perdão de pecados individuais. O problema é a identificação das experiências de vida de um grupo social com Jesus independentemente de como esse grupo social se identifica com Jesus. (“Eu tô que tô dependurado; em cordéis e corcovados; mas será que todo povo entendeu o meu recado? Porque, de novo, cravejaram o meu corpo”.) A encarnação não é sofrimento à toa, como o mero compartilhar do sofrimento, mas é sofrimento em favor do outro. A encarnação não é o esvaziar-se, o empobrecer-se, o escravizar-se, o tabernacular, o estar conosco, em si, mas com o propósito de favorecer o outro como dádiva divina que gera vida. E essa dádiva divina gera um ciclo de vida a partir da integração e participação de outros nessa mesma lógica. As expressões artísticas a partir de uma identidade social de Jesus, assim como o os movimentos sociais que utilizam dessa identidade, podem até estar alinhadas com a lógica da encarnação para seus propósitos. Contudo, a fim de cumprir um real papel religioso a partir dessa lógica, é necessário que as pessoas pertencentes a esse grupo social se submetam a essa lógica. É isso que o Novo Testamento chama de “estar em Cristo”, ou seja, o caráter participatório dessa identidade. E aí, então, podemos falar de pecado. O que Jesus fez na cruz faz parte dessa lógica da encarnação num mundo repleto de pecado, ou seja, injustiças, imoralidades, violência e morte, aquilo que fere os propósitos de Deus para sua criação. Jesus lidou com o pecado na cruz, sim. Mas foi um lidar de quem tira do pecado toda a sua força por se deixar morrer por ele. É a lógica do senhorio de Jesus sobre todo poder humano e diabólico, obtido exatamente por se deixar padecer na mão deles. A cruz é o trono de Jesus.
Não se trata de olhar para a cruz e ver ali o seu pecado, mas de olhar para cruz e saber que é por essa lógica da auto-entrega que o seu pecado é lidado e aniquilado. É esse tipo de identificação com Jesus que é necessária, como Paulo fala em Romanos 12 sobre entregar o nosso corpo em sacrifício e que essa é a nossa adoração lógica – ou seja, que segue a lógica da encarnação e da obra de Jesus. O jovem negro, pobre e favelado está numa situação muito melhor para entender essa lógica, receber essa dádiva divina, e participar dela, do que o velho branco da Europa medieval. Assim como os camponeses galileus do primeiro século estavam numa situação muito melhor para entender isso do que Herodes, César ou os membros do Sinédrio. Por isso é mais fácil um camelo passar pela cabeça de uma agulha do que o rico entrar no reino de Deus. Você quer enfatizar o peso do pecado na definição do evangelho? Então é necessário falar sobre a lógica da auto-entrega como meio de participar da identidade de Jesus e sua obra de salvação. O evangelho, no que diz respeito ao pecado, não é mero perdão de pecados individuais, ainda que isso seja parte essencial de nossa relação com Deus e, portanto, esteja incluído no evangelho. A questão do pecado no evangelho é sobre tomar a sua cruz, se esvaziar de si mesmo e se tornar servo de todos para que todos tenham vida. E é aqui que acho que a mensagem da Mangueira tem algo melhor a dizer do que a “correção” oferecida pelos teólogos evangélicos. Essa lógica da encarnação, da identidade de Jesus e sua obra salvadora me parece ter mais potencial de conscientização na representação artística de Jesus do que na teologia evangélica do perdão dos pecados individuais. Minha religiosidade tem no perdão divino dos meus pecados um fundamento certo. Contudo, a cruz, como parte da encarnação, parece apontar para algo maior sobre a lógica divina para acabar com a morte e gerar vida. Essa é a lógica da auto-entrega em favor daqueles que mais sofrem com as consequências cosmológicas e sociais do pecado. Diante da representação de Jesus pela Mangueira, o caminho para buscar essa identificação com Jesus, receber a dádiva divina e se tornar participante com Jesus dessa economia divina parece melhor do que a teologia evangélica da cruz como mero instrumento divino para perdoar pecados. Talvez seja por isso que Mateus fale sobre o juízo final da forma como falou. Os que são integrados como participantes da vida de Jesus são aqueles que se identificaram com os famintos, sedentos, estrangeiros, desnudados, enfermos e aprisionados. Essa identificação se deu por práticas de auto-entrega em favor dessas pessoas – ou seja, uma identificação que segue a lógica da encarnação, do esvaziamento, do empobrecimento, da escravização, do tabernacular e do ser com o outro em favor do outro.






Fig. 1: Representação do encontro entre Jesus e a mulher samaritana (João 4), por Jan Joest von Kalkar, Alemanha, 1505-1508.



Fig. 2: Representação do encontro entre Jesus e a mulher samaritana (João 4), por Olivia Silvia, Nicarágua, 1981-1982.


Fig. 3: Representação do encontro entre Jesus e a mulher samaritana (João 4), por Edouard von Gebhardt, Alemanha, 1914.


Por causa da mídia, não quis introduzir no corpo do texto as referências bibliográficas diretas que utilizei.

Para o exemplo do livro de Êxodo, utilize Joshua Berman, Inconsistency in the Torah: Ancient Literary Convention and the Limits of Source Criticism. Oxford: Oxford University Press.

Para as referências artísticas de João 4, utilizei Janeth Norfleete Day, The Woman at the Well: Interpretation of John 4:1-42 in Retrospect and Prospect. Leiden: Brill, 2002. Infelizmente não foi possível encontrar reproduções coloridas das Figs. 2 e 3.


acessado em 01/03/2020 às 10:57h

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A Salvação Chegou na Sapucaí? Partes I e II - por Caio Peres


A Salvação Chegou na Sapucaí? Parte I: A Mangueira e Teólogos Evangélicos

CAIO PERES·SATURDAY, FEBRUARY 29, 2020·READING TIME: 8 MINUTES

Eu não queria escrever sobre um acontecimento na elite do carnaval carioca 2020, mas aqui estou eu. A força propulsora que me levou a decidir escrever algo sobre o samba-enredo e as imagens utilizadas pela Mangueira foram as críticas que vi de teólogos evangélicos conservadores e reformados. Eu não me importo se uma expressão artística carnavalesca não apresenta o evangelho na Sapucaí. Mas eu me importo muito com os simplismos espirituais que teólogos evangélicos apresentam para definir a identidade de Jesus e sua obra salvadora. Minhas manifestações se darão em duas etapas. Nesta aqui, só introduzirei algumas complicações para a visão de que o evangelho = perdão de pecados individuais, e o que acho de alguns fundamentos teológicos por trás do samba-enredo da Mangueira. Na segunda etapa, falarei sobre o uso identitário ou apropriação cultural para expressar a identidade de Jesus, a partir de expressões artísticas da pessoa de Jesus, inclusive a imagem do jovem negro e favelado crucificado do desfile da Mangueira.
Por mais que muitos queiram reduzir o evangelho ao perdão de pecados individuais, a coisa é bem mais complicada quando atentamos para o Novo Testamento. Após ver algumas críticas ao desfile da Mangueira, dizendo que o evangelho não estava ali porque não se falou sobre pecado e perdão, pensei num exemplo que aparece no Evangelho de Lucas. Antes de chegar lá, acabei fazendo um exercício. Busquei ocasiões nos Evangelhos em que Jesus pronuncia salvação de forma direta a alguém. São poucos casos, mas o exercício vale ser apresentado.
O verbo “salvar” (σῴζω) é utilizado em alguns casos que fazem referência à cura de alguma doença, como hemorragia (Mateus 9.22; Marcos 5.34; Lucas 8.48, paralelos), cegueira (Marcos 10.52; 18.42, paralelos) e “lepra” (Lucas 17.19). Só aqui já poderíamos parar um pouco para pensar o significado da salvação oferecida por Jesus nos Evangelhos. Certamente é algo mais amplo do que perdão de pecados individuais. O contexto é diferente numa outra ocorrência. Em Lucas 7.50, durante uma refeição na casa de Simão, um fariseu, Jesus pronunciou o perdão de pecados a uma mulher que havia lavado seus pés com suas lágrimas, perfumando-os com alabastro e secando-os com seus cabelos. A cena é concluída com Jesus dizendo à mulher para ir em paz, pois sua fé havia salvado-a. Essa conclusão é muito parecida com os outros casos em que salvação é sinônimo de cura (ver, por exemplo, Mateus 9.22). Ainda que a salvação esteja relacionada com o perdão de pecados de forma bem explícita aqui, o contexto da refeição na casa de um fariseu e a fala de Jesus comparando o modo como a mulher o tratou com o modo como Simão o tratou nos leva a pensar que há mais do que mero perdão de pecados aqui.
Mas existe um episódio peculiar que nos ajuda bastante e é esse o exemplo que me veio à mente desde o início. Jesus se convida para comer na casa de Zaqueu, um publicano, portanto riquíssimo e um traidor de seu povo, pois era um tipo de superintendente dos cobradores de impostos para Roma. Em meio à refeição, Zaqueu diz que daria metade de sua riqueza aos pobres e devolveria quatro vezes a quantia de quem havia extorquido algum bem. Diante disso, Jesus declara que a “salvação” (σωτερία) “chegou” (ἐγένετο) à “casa” (οἲκῳ) de Zaqueu, pois ele também é filho de Abraão. Nesta história não há confissão de pecados, perdão de pecados, uma percepção do significado da cruz como meio para lidar com o pecado individual de Zaqueu, ou algo do tipo. Existe uma decisão de partilhar recursos materiais com os pobres, e o conserto material de erros prévios. Na fala de Jesus, fica claro que salvação é identificação comunitária (“casa” e não o indivíduo), identitária (“filho de Abraão” como marca judaica), que se manifesta na decisão de Zaqueu de partilhar seus bens com os pobres e devolver os bens materiais ilicitamente adquiridos. O interessante é que tudo isso está vinculado, pela construção narrativa de Lucas, com a comunhão de mesa entre Jesus e Zaqueu. Estar à mesa com Jesus é, na percepção de Lucas e sua construção narrativa, se identificar com Jesus. E isso, por sua vez, significa ser “filho de Abraão”, partilhar seus bens com os pobres e restituir aquilo que foi adquirido indevidamente. E tudo isso junto significa que a “salvação” proposta por Jesus se manifestou.
Pensando no que os guardiões da fé ou da sã doutrina falaram sobre o desfile da Mangueira em 2020, fico imaginando o que falariam sobre esse episódio caso aparecesse em alguma outra obra literária que não fosse um Evangelho canônico. Talvez diriam: O evangelho não está aí! Cadê a cruz? Cadê a confissão de pecados? Cadê o indivíduo chorando ao olhar para cruz e ver ali o preço de seu pecado? Esse Zaqueu se acha parça de Jesus porque ele come à sua mesa! Pior, se acha parça de Jesus porque está dando bens materiais aos pobres, mas sem “evangelizar”! Acha o quê? Acha que salvação do messias é partilha, como no samba-enredo daquela escola de samba? Acha que servir a Jesus e servir aos pobres é a mesma coisa? Iludido Zaqueu! Você não passa de um pagão, materialista, ideólogo identitário. A salvação de Jesus está longe de você! Tão longe quanto a salvação está de quem quer se aproximar de Jesus por meio daquele desfile da Mangueira.
Por fim, quero esclarecer algumas questões. Não, não vou defender a Mangueira como proclamadora do evangelho, nem que o fundamento teológico do samba-enredo é impecável (apesar de o maior problema teológico estar no samba-enredo e não na representação artística do jovem negro, favelado e crucificado, será mais apropriado falar disso na próxima etapa). Mas vejam o que aconteceu. Uma escola da elite do samba carioca fez um desfile sobre a identidade de Jesus como aquele que está do lado de gente sofredora e oprimida (“Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira; me encontro no amor que não encontra fronteira; procura por mim nas fileiras contra a opressão”), a partir de um clamor/oração a Deus (“Senhor, tenha piedade; olhai para a terra; veja quanta maldade Senhor, tenha piedade; olhai para a terra; veja quanta maldade”). Por isso, decidiram não permitir que o desfile apresentasse um teor sexual típico do carnaval! E, mais impressionante ainda, o fundamento teológico por trás do desfile foi um tanto bíblico e apropriado para o contexto artístico de manifestação cultural como o carnaval. Explico. Como arte provocadora, o desfile da Mangueira desafiou visões culturais e políticas a partir de uma inversão de status entre pobres e ricos diante de Deus (algo comum no Antigo e Novo Testamentos), o que os levou a identificar Jesus com os menos favorecidos (algo que Antigo e Novo Testamentos também fazem). Isso tem fundamento bíblico profundo. Não é, necessariamente, o evangelho. Não é, necessariamente, uma mensagem cristã. Existem outros fatores determinantes sobre isso que não se encontram no samba-enredo, como o senhorio de Jesus e seu empobrecimento e morte como parte de seu senhorio, e a necessidade de identificação pessoal com Jesus e submissão ao seu senhorio. Além disso, contexto é tudo. Portanto, escola de samba, usando dinheiro público, talvez usando recursos ilícitos, num ambiente de imoralidades diversas, não tem muito “lugar de fala” para dizer que sem partilha não há futuro. Mas tudo isso ainda encontra um significado importante como manifestação artística e cultural num contexto tão popular como é o carnaval brasileiro. Nesse sentido, foi uma mensagem riquíssima e com grande potencial de conscientização. Minha visão positiva aqui está, além de tudo o que disse, no fato de que como uma escola de samba, a Mangueira não arroga o direito de defender a fé cristã ou de explicá-la. Julgá-la por esse critério é completamente inapropriado, como falarei na segunda etapa de minha análise. Eles utilizaram partes válidas e apropriadas da teologia bíblica para transmitir sua mensagem. Ponto.
Já os teólogos evangélicos conservadores e reformados que criticaram o desfile da Mangueira, o fizeram de uma posição de quem está aqui para explicar o verdadeiro evangelho e a verdadeira identidade de Jesus. Assim como no caso da Mangueira, a crítica deles também contém alguns elementos da teologia bíblica, mas é simplista e limitada. Por isso que me coloco como crítico deles, muito mais do que da Mangueira. Esse pessoal arroga o direito de dizer o que é a fé cristã, o evangelho, a identidade de Jesus e sua obra de salvação. Eles não percebem, porém, que sua visão cristã está fundamentada em certas tradições cristãs e não dá conta da amplitude daquilo que o Novo Testamento apresenta como evangelho. Como demonstrarei na próxima etapa, é uma visão espiritualizada que não entende a lógica da encarnação que fundamenta a identidade de Jesus e sua obra de salvação. Como no exemplo citado acima, essa visão não dá conta nem da história de Zaqueu, nem do uso de “salvação” nos Evangelhos. Nesse caso, a Mangueira, dentro de seu contexto, usou a teologia bíblica muito melhor do que os teólogos conservadores e reformados dentro do contexto deles. Na próxima etapa, vamos aprofundar a discussão a partir das representações artísticas de Jesus e da lógica da encarnação.

acessado em 01/03/2020 às 10:53h


A Salvação Chegou na Sapucaí? Parte II: Identidades Sociais, Representações Artística de Jesus e a Encarnação

CAIO PERES·SUNDAY, MARCH 1, 2020·READING TIME: 15 MINUTES

Será que um Jesus representado por um jovem negro e favelado é só o outro lado da moeda de um Jesus representado por um homem branco, de cabelos loiros longos e olhos azuis? Seriam os adeptos de teologias contextuais hipócritas ao criticar as representações do Jesus branco enquanto aplaudem as representações do Jesus negro, pobre e favelado? Seriam os adeptos da teologia conservadora (que também é contextual) hipócritas ao criticar as representações do Jesus negro, pobre e favelado, enquanto sua tradição aceitou por séculos e ainda aceita um Jesus branco? Será que toda teologia cria e representa um Jesus (e Deus) à sua imagem e semelhança? Dada as atuais discussões sobre a representação de Jesus no desfile da Mangueira, quero falar um pouco sobre apropriação cultural, teologias identitárias e o que tudo isso tem a ver com a encarnação.
Apropriação cultural é um fenômeno tão antigo quanto a própria humanidade. Para nós, cristãos, o uso da cruz como símbolo religioso é um bom exemplo de apropriação cultural com inversão de valores. Um instrumento de tortura e morte como demonstração do poder romano, se tornou símbolo de vida e do senhorio de Jesus que derrota o poder romano e qualquer outro poder político humano. No Antigo Testamento existem diversos exemplos disso. Quero citar somente um. No livro do Êxodo, a libertação dos hebreus da escravidão no Egito é descrita como sendo efetuada pela “mão forte” (3.19, 13.3, 14, 16; 32.11; cf. Dt 3.14, 6.21, 9.26) e “braço estendido” (6.6; cf. Dt 9.29) de Deus. Essas imagens eram típicas da propaganda militar egípcia sobre o poder do faraó nas XVIII e XIX dinastias (entre os séculos XVI e XII antes de nossa era). Assim, os autores bíblicos se apropriam culturalmente dessas imagens para invertê-las. Em favor dos oprimidos e sofridos hebreus, a “mão forte” e “braço estendido” de Deus são usados contra o poder opressor da “mão forte” e “braço estendido” do faraó.
Na história cristã mais recente, apropriação cultural da história e da identidade de Israel é comum. E é a partir de um contraste que poderemos delimitar um critério para a apropriação cultural que esteja em conformidade com aquilo que vemos de mais interessante nas tradições bíblicas. Em seu livro The Hebrew Bible, the Old Testament, and Historical Criticism, Jon Levenson descreve duas apropriações culturais recentes, sem chamá-las dessa forma, que movimentos religiosos e sociais fizeram da identidade do antigo Israel. A primeira apropriação foi feita por um movimento na Inglaterra do século XIX. Trata-se do movimento Anglo-Israelita, cuja proposta era de que os verdadeiros israelitas eram fisicamente semelhantes aos anglo-saxões, que agora são o verdadeiro Israel, pois o pecado do Israel étnico fez com que sua fisionomia deteriorasse até ficarem como são os atuais judeus. A segunda apropriação foi feita pelo movimento dos direitos civis de Martin Luther King Jr. nos EUA. Em seus discursos, King se comparava a Moisés por não entrar na terra prometida, mas sabendo que seu povo iria entrar. Levenson, então, apresenta dois princípios fundamentais para uma correta apropriação da narrativa do êxodo hoje: (1) o movimento Anglo-Israelita se identificou com Israel em seu triunfo, enquanto King se identificou com Israel em seu sofrimento; (2) o movimento Anglo-Israelita projetou seu próprio grupo no passado, enquanto King trouxe o passado para o presente. A esses dois princípios, eu incluo que uma apropriação cultural em conformidade com as tradições bíblicas precisa apresentar algum tipo de inversão de valores na sociedade em que se encontra. Tal apropriação cultural, portanto, será feita na identificação com os fracos, aqueles que sofrem com a injustiça e a morte, e inverterá os típicos valores humanos vistos nos poderosos da sociedade, colocando Deus do lado dos mais fracos.
Agora podemos falar um pouco sobre teologias identitárias e as representações artísticas de Jesus. O leitor atento já deve ter percebido que a cor de Jesus não é um problema em si, mas faz parte de um conjunto identitário cultural e social que, sim, é fundamental. Eu vou esclarecer isso por meio de algumas artes representando o encontro de Jesus com a mulher samaritana no Evangelho de João, capítulo 4.
Na Fig. 1, que você pode ver abaixo nos comentários, temos a pintura do artista alemão Jan Joest Von Kalkar, do início do século XVI. Toda a cena, desde os objetos, passando pela paisagem e arquitetura, até a fisionomia dos personagens, está em conformidade com o contexto do pintor e nada tem a ver com a palestina do primeiro século de nossa era. Não há nada de errado com isso, pois não passa de uma adaptação com propósitos comunicativos. Ou seja, é a arte na busca de transpor o abismo contextual da realidade antiga para um público contemporâneo. O que temos, no entanto, na história cristã, é a imposição dessa identidade européia da Idade Média transferida para o contexto bíblico, especialmente da identidade de Jesus (a projeção do grupo no passado, conforme a formulação de Levenson) como realidade para outras culturas em outros contextos. A situação se complica ainda mais quando essa imposição, no contexto das expansões colonialistas européias, se torna militar, política e imperial. O Jesus branco não é um problema meramente porque a cor de sua pela é historicamente imprecisa, mas por toda a bagagem histórica, política e social que carrega (a projeção triunfalista, conforme a formulação de Levenson). Essa teologia identitária do Jesus/Deus branco e europeu, colonialista, poderoso e triunfalista, superior a todas as outras identidades, na história do cristianismo, se impôs de tal forma que ganhou caráter “neutro” e invisível. Certamente devemos estar gratos aos estudos críticos e às teologias contextuais que apontaram o dedo para tamanho disparate. Essa apropriação cultural, não necessariamente a da pintura de Kalkar, mas daquilo que ela representa historicamente, nada tem a ver com as apropriações culturais que encontramos nas tradições bíblicas. Ela é o exato oposto das inversões de valores, como apresentei acima, e da lógica da encarnação, como falarei abaixo.
Agora, vejam a Fig. 2 nos comentários abaixo. Trata-se de uma pintura da mesma cena de João 4. A artista é Olivia Silva, uma campesina da Nicarágua. Seu vilarejo foi destruído durante os conflitos políticos no país nos anos 70 e, depois, reconstruído por seus habitantes nos anos 80. Como no caso da pintura medieval germânica, aqui também temos toda a cena em conformidade com o contexto da artista. De novo, é a arte na busca de transpor o abismo contextual da realidade antiga para um público contemporâneo. Seria, então, esse o outro lado da moeda do Jesus branco? Mais uma vez, a bagagem histórica, política e social é o que determina a questão. Até onde sabemos, nunca houve uma tentativa de impor essa identidade de Jesus acima de outras culturas e identidades sociais, projetando a identidade do grupo no passado e aceitando para si uma identidade triunfalista. Pelo contrário, para uma população camponesa em meio a conflitos políticos que destruía seu país, representar Jesus como um camponês nicaragüense comum, à espera de uma mulher camponesa nicaragüense comum, está em conformidade com os critérios de apropriação cultural que vemos nas tradições bíblicas. É a tentativa de se identificar com Jesus em sua condição humana e sofrida, invertendo, assim, os valores humanos do contexto da população nicaragüense. Jesus não está no poder político ou revolucionário, e sim na vida camponesa comum que tenta simplesmente viver bem. Essa é uma apropriação cultural, por meio de uma “teologia” identitária, bem feita e alinhada com o que vemos nas tradições bíblicas. Portanto, o Jesus camponês nicaragüense não é meramente o outro lado da moeda do Jesus branco europeu medieval.
Por fim, para demonstrar que o critério de adequação não está na etnia ou na cor de pele, vamos ver um Jesus branco europeu bem diferente. Na Fig. 3 nos comentários abaixo, temos uma pintura do artista alemão Edouard Von Gebhardt do início do século XX. A mesma cena do Evangelho de João 4 é retratada no contexto da classe operária alemã. Jesus não contém traços divinos, mas é retratado como um simples camponês. Sua expressão facial é desgastada pelo esforço físico e suas roupas, incluindo o chapéu ao lado descansando na ponta de um cajado, são bem distintas das características físicas e vestimentas dos três homens ao fundo à direita, que parecem ser membros da aristocracia. A expressão corporal dos três homens em relação às mulheres parece bem ríspida, enquanto a interação corporal entre Jesus e a mulher é bem amigável, pois eles parecem compartilhar de uma vida semelhantemente sofrida, ela como uma simples operária e ele como um simples camponês. Aqui, um Jesus branco e alemão é mais parecido com o Jesus camponês nicaragüense da obra anterior do que o Jesus branco e alemão do século XVI. A identidade desse Jesus camponês sofrido que interage com a classe operária alemã do início do século XX não corresponde ao poder colonial alemão, muito menos à ascensão militar alemã antecedendo a Primeira Guerra Mundial. Essa apropriação cultural, com cor de pele branca e etnia européia, corresponde muito bem ao critério alinhado com as tradições bíblicas.
E o menino negro, pobre, favelado e crucificado do desfile da Mangueira? Diante de tudo o que apresentei aqui, é claro que essa apropriação cultural corresponde ao critério alinhado com as tradições bíblicas. A identificação se dá no nível do sofrimento e das injustiças, e não do triunfo. Não se busca utilizar a identidade social do grupo atual para remeter a uma identidade passada. Pelo contrário, há a atualização da identidade passada no presente. E, como já indiquei no meu primeiro texto sobre o samba-enredo (https://tinyurl.com/yx3krbgx), a apropriação é feita com o propósito de comunicar uma inversão de valores da sociedade em que a manifestação artística foi realizada. Deveríamos estar indignados se colocassem no desfile carnavalesco um CEO de multinacional ou um líder político crucificado.
Agora podemos entender que o fundamento desse critério está na lógica da encarnação. Três expressões neotestamentárias nos ajudam aqui. Mateus usa a expressão “Emanuel”, que quer dizer “Deus conosco”, no início de seu Evangelho (Mt 1.23). João utiliza a expressão “O verbo se fez carne e tabernaculou entre nós” (Jo 1.14). E Paulo trabalha com duas imagens importantes. A primeira delas usando um hino cristão anterior ao escrito paulino: “[Jesus] esvaziou a si mesmo; assumiu a posição de escravo e nasceu como ser humano” (Fp 2.7). A segunda fala sobre empobrecimento: “Vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Embora fosse rico, por amor a vocês ele se fez pobre, para que por meio da pobreza dele vocês se tornassem ricos” (2Co 8.9). Em todos esses casos estamos lidando com a teologia da encarnação dos primeiros cristãos. De forma mais explícita nos textos paulinos, mas implícita na narrativa de todos os Evangelhos, vemos que a encarnação segue a lógica da inversão de valores por meio da identificação de Deus, em Jesus, com a realidade de vida sofrida, injustiçada e empobrecida de grupos sociais. Ora, se isso não é importante, então Jesus poderia ter encarnado na família real de Herodes e isso não faria diferença alguma. Se a identidade de Jesus e sua obra salvadora tivessem somente a ver com perdão de pecados individuais, e sua morte como uma punição pelo pecado, então ele poderia ter vindo como imperador romano e morrido de velhice depois de desfrutar de uma vida tranqüila de paz e luxo. Felizmente não é isso. Existe algo mais nessa história.
Esse algo mais é que a lógica da encarnação aponta para identificação de Deus com os menos favorecidos. Por quê? Primeiro, porque ele precisa estar acessível a todos. Se ele fosse rei, estaria acessível a pouquíssimos. Segundo, porque para compartilhar da real identidade humana ele precisava se identificar com a realidade da vasta maioria das pessoas, que é uma realidade de pobreza e sofrimento. Terceiro, porque ele veio para afirmar seu senhorio sobre tudo e todos não como aquele que está acima de tudo e todos, mas exatamente por ter sido servo de todos. Essa é a inversão de valores que é tão importante na tradição bíblica, especialmente na relação de Deus com a criação e a humanidade. Como afirmei no texto anterior, o senhorio de Jesus é estabelecido pela inversão do poder político e militar de Roma.
O menino negro, pobre, favelado e crucificado do desfile da Mangueira está apontando para isso. Da mesma forma, o exemplo que citei de Martin Luther King Jr. e as obras de arte das Figs. 2 e 3, também apontam para isso. Como movimentos sociais e expressões artísticas, elas conseguiram captar e expressar a essência da encarnação para seus propósitos culturais e sociais. Ainda que isso possa ter relevância religiosa, na forma como nos relacionamos com Deus, não é esse necessariamente o propósito e é errado avaliar essas expressões a partir desse critério. E os campeões da teologia evangélica conservadora e reformada se acham tão bons ao julgar uma expressão artística sem pretensões religiosas usando um critério religioso. Como afirmei no texto anterior, ainda fazem seu julgamento apresentando uma visão tão estreita do significado do evangelho, da salvação e da identidade de Jesus e sua obra.
No caso específico do desfile e do samba-enredo da Mangueira, qual foi o problema teológico, caso fizéssemos uma avaliação por um critério religioso? Certamente não é, como já afirmei, porque não mencionaram o propósito da cruz para o perdão de pecados individuais. O problema é a identificação das experiências de vida de um grupo social com Jesus independentemente de como esse grupo social se identifica com Jesus. (“Eu tô que tô dependurado; em cordéis e corcovados; mas será que todo povo entendeu o meu recado? Porque, de novo, cravejaram o meu corpo”.) A encarnação não é sofrimento à toa, como o mero compartilhar do sofrimento, mas é sofrimento em favor do outro. A encarnação não é o esvaziar-se, o empobrecer-se, o escravizar-se, o tabernacular, o estar conosco, em si, mas com o propósito de favorecer o outro como dádiva divina que gera vida. E essa dádiva divina gera um ciclo de vida a partir da integração e participação de outros nessa mesma lógica. As expressões artísticas a partir de uma identidade social de Jesus, assim como o os movimentos sociais que utilizam dessa identidade, podem até estar alinhadas com a lógica da encarnação para seus propósitos. Contudo, a fim de cumprir um real papel religioso a partir dessa lógica, é necessário que as pessoas pertencentes a esse grupo social se submetam a essa lógica. É isso que o Novo Testamento chama de “estar em Cristo”, ou seja, o caráter participatório dessa identidade. E aí, então, podemos falar de pecado. O que Jesus fez na cruz faz parte dessa lógica da encarnação num mundo repleto de pecado, ou seja, injustiças, imoralidades, violência e morte, aquilo que fere os propósitos de Deus para sua criação. Jesus lidou com o pecado na cruz, sim. Mas foi um lidar de quem tira do pecado toda a sua força por se deixar morrer por ele. É a lógica do senhorio de Jesus sobre todo poder humano e diabólico, obtido exatamente por se deixar padecer na mão deles. A cruz é o trono de Jesus.
Não se trata de olhar para a cruz e ver ali o seu pecado, mas de olhar para cruz e saber que é por essa lógica da auto-entrega que o seu pecado é lidado e aniquilado. É esse tipo de identificação com Jesus que é necessária, como Paulo fala em Romanos 12 sobre entregar o nosso corpo em sacrifício e que essa é a nossa adoração lógica – ou seja, que segue a lógica da encarnação e da obra de Jesus. O jovem negro, pobre e favelado está numa situação muito melhor para entender essa lógica, receber essa dádiva divina, e participar dela, do que o velho branco da Europa medieval. Assim como os camponeses galileus do primeiro século estavam numa situação muito melhor para entender isso do que Herodes, César ou os membros do Sinédrio. Por isso é mais fácil um camelo passar pela cabeça de uma agulha do que o rico entrar no reino de Deus. Você quer enfatizar o peso do pecado na definição do evangelho? Então é necessário falar sobre a lógica da auto-entrega como meio de participar da identidade de Jesus e sua obra de salvação. O evangelho, no que diz respeito ao pecado, não é mero perdão de pecados individuais, ainda que isso seja parte essencial de nossa relação com Deus e, portanto, esteja incluído no evangelho. A questão do pecado no evangelho é sobre tomar a sua cruz, se esvaziar de si mesmo e se tornar servo de todos para que todos tenham vida. E é aqui que acho que a mensagem da Mangueira tem algo melhor a dizer do que a “correção” oferecida pelos teólogos evangélicos. Essa lógica da encarnação, da identidade de Jesus e sua obra salvadora me parece ter mais potencial de conscientização na representação artística de Jesus do que na teologia evangélica do perdão dos pecados individuais. Minha religiosidade tem no perdão divino dos meus pecados um fundamento certo. Contudo, a cruz, como parte da encarnação, parece apontar para algo maior sobre a lógica divina para acabar com a morte e gerar vida. Essa é a lógica da auto-entrega em favor daqueles que mais sofrem com as consequências cosmológicas e sociais do pecado. Diante da representação de Jesus pela Mangueira, o caminho para buscar essa identificação com Jesus, receber a dádiva divina e se tornar participante com Jesus dessa economia divina parece melhor do que a teologia evangélica da cruz como mero instrumento divino para perdoar pecados. Talvez seja por isso que Mateus fale sobre o juízo final da forma como falou. Os que são integrados como participantes da vida de Jesus são aqueles que se identificaram com os famintos, sedentos, estrangeiros, desnudados, enfermos e aprisionados. Essa identificação se deu por práticas de auto-entrega em favor dessas pessoas – ou seja, uma identificação que segue a lógica da encarnação, do esvaziamento, do empobrecimento, da escravização, do tabernacular e do ser com o outro em favor do outro.






Fig. 1: Representação do encontro entre Jesus e a mulher samaritana (João 4), por Jan Joest von Kalkar, Alemanha, 1505-1508.



Fig. 2: Representação do encontro entre Jesus e a mulher samaritana (João 4), por Olivia Silvia, Nicarágua, 1981-1982.


Fig. 3: Representação do encontro entre Jesus e a mulher samaritana (João 4), por Edouard von Gebhardt, Alemanha, 1914.


Por causa da mídia, não quis introduzir no corpo do texto as referências bibliográficas diretas que utilizei.

Para o exemplo do livro de Êxodo, utilize Joshua Berman, Inconsistency in the Torah: Ancient Literary Convention and the Limits of Source Criticism. Oxford: Oxford University Press.

Para as referências artísticas de João 4, utilizei Janeth Norfleete Day, The Woman at the Well: Interpretation of John 4:1-42 in Retrospect and Prospect. Leiden: Brill, 2002. Infelizmente não foi possível encontrar reproduções coloridas das Figs. 2 e 3.


acessado em 01/03/2020 às 10:57h