quarta-feira, 25 de março de 2020

2018 FOI ONTEM

Não era preciso ser profeta nem vidente para saber que o governo Bolsonaro seria nocivo à sociedade brasileira. Decidi republicar os posts que fiz em Outubro de 2018 para relembrar aquilo que o Bolsonaro fazia questão de gritar a todos e esfregar na cara de todos, ou seja, não havia nada escondido, portanto, não deveria haver nenhuma surpresa para o que estamos vendo. No meio evangélico em que convivo, alguns persistem em enaltecer Bolsonaro e colocar toda a culpa na mídia. Outros continuam dizendo que no contexto do segundo turno, o voto em Bolsonaro era a única opção e que o que vemos hoje não era previsível, portanto não adianta olhar para 2018 a partir de agora, pois é uma avaliação que fazemos somente olhando pelo retrovisor. Ainda outros decidiram abandonar o barco e se colocar como críticos de Bolsonaro.
Neste último caso, trata-se especificamente de Guilherme de Carvalho, que fez parte do governo e tem uma posição influente no meio evangélico conservador. Em seu texto longo (18 páginas!) na Gazeta do Povo, ele diz que o governo de Bolsonaro, assim como a ideologia Bolsolavista, é anti-cristão. Ele está certo. Existem muitos problemas nesse texto do Guilherme de Carvalho, que tratarei numa próxima ocasião. Mas está aqui o outro motivo para ter decidido republicar aqui meus posts de 2018: aponto aqui diversas características anti-cristãs daquilo que Bolsonaro sempre defendeu como seus (anti-)valores.
No texto do Guilherme de Carvalho ele aponta as seguintes características como sendo anti-cristãs: 1- espírito revanchista e cheio de ressentimento, e carente de qualquer movimento dialógico e reconciliatório; 2- desprezo pelas instituições e a tentativa de governar manipulando as massas contra outras autoridades públicas; 3- desprezo pela imprensa e pela comunidade acadêmica e científica; 4- nacionalismo; 5- descuido pela pessoa humano e pelo meio ambiente, especialmente o descompromisso com os vulneráveis; 6-celebração simbólica da violência. Em meus posts eu só abordei os pontos 5 e 6, pois dei um caráter pessoal para minha crítica, como vocês verão. Mas é claro que os pontos 1-4 eram totalmente evidentes até muito antes das campanhas de 2018.
No teor de minha crítica, fui além do Guilherme de Carvalho, pois considero os (anti-)valores de Bolsonaro não somente como anti-cristãos, mas sacrílegos, uma zombaria com aquilo que é sagrado para nós, cristãos. Algo próximo daquilo que ele chama de blasfêmia do nome de Deus. Enquanto Guilherme de Carvalho, ainda hoje, acha que somente ateus e laicistas poderiam ver algum problema no slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, eu já indicava a blasfêmia disso, caracterizando-o como sacrilégio. Na época, o mesmo grupo de aplaude o texto do Guilherme de Carvalho não deu bola para o que escrevi. Existe alguma desonestidade intelectual aí, e uma lealdade de grupo injustificável. Algo que tratarei num texto futuro. Mais ainda, Guilherme de Carvalho, em seu texto, coloca todas as críticas a Bolsonaro, menos a dele é claro, e as avaliações de que esse seria o destino de seu governo, como mera histeria de uma esquerda identitária e fascista. Pois bem, sigam essa viagem no tempo, com alguns pequenos acréscimos a partir do que estamos vivendo hoje. Trata-se da minha opinião que não sendo de esquerda, nem identitário, nem fascista, nem histérico, mas que fez uma análise teológica e política crítica a Bolsonaro a partir de minha identidade como pai adotivo, missionário na área de assistência social a crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, e cristão, ou seja, uma pessoa que, na narrativa criada por Guilherme de Carvalho, não existe, por isso mesmo é que ele ignorará tanto as minhas críticas atuais como ignorou minha crítica na época.
INTRODUÇÃO
Eu tenho diversos problemas com a política brasileira. Eu tenho sérios problemas com a candidatura do PT e acho que quem defendeu o PT no impeachment não pode, de forma alguma, defender o PT nestas eleições, pois as alianças e corroborações políticas que estão fazendo mostram um antagonismo completo com a narrativa de golpe. Para o eleitor do PT, é necessário escolher, o golpe de 2016 ou o Haddad de 2018. Fora isso, ainda acho que votar no PT em 2018 é corroborar com uma política “ficha suja”, ignorar que o PT se transformou naquilo que sempre colocou como inimigo político, portanto é um voto totalmente não à esquerda. Pior ainda, pode ser que o PT venha com espírito vingativo forte e coloque em cheque a democracia brasileira, e diversas instituições que garantem a possibilidade de bem-estar do brasileiro.
Mas os problemas que eu tenho com o Bolsonaro extrapolam tudo isso, pois ele representa uma identidade em total oposição com a minha identidade como cristão, como pai adotivo, e como servidor social que tem interesse pela vida das crianças e adolescentes que vivem nas favelas brasileiras. (Não vou nem falar sobre questões ideológicas. A força de Bolsonaro, a meu ver, é um perigo para a democracia e o bem-estar brasileiro, assim como a força do PT [poderia ser na conjuntura de 2018, mas que nunca foi antes disso]. Bolsonaro não é de direita; pelo contrário, ele demonstra o quanto deseja que o Estado controle a vida das pessoas. A diferença entre os dois – PT e Bolsonaro – é uma diferença entre um tipo de visão totalitária do Estado por outra visão totalitária do Estado. Portanto, farei uma série de posts para mostrar que o Bolsonaro vai contra a minha própria identidade. Por falar sobre identidade, os meus argumentos incluirão questões bem pessoais. Portanto, se você tem alguma estima por quem sou, por favor leve a sério o que vou falar.
1 - BOLSONARO e ADOÇÃO
Já ouvi diversas pessoas que vão votar no Bolsonaro dizendo que a minha família, formada a partir da prática da adoção, é um belo exemplo ou algo muito lindo. Saibam, portanto, que o Bolsonaro afirmou o seguinte: “O ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”.
Ele está se referindo ao Estatuto da Criança e do Adolescente, um documento importantíssimo para o bem-estar das crianças e adolescentes em situação de risco social no Brasil. O ECA trouxe muitos benefícios sem precedentes para o cuidado dessas crianças e adolescentes, das quais mencionarei algumas no próximo post e explicarei o motivo da crítica de Bolsonaro. Aqui, me limitarei à questão da adoção.
O sistema de adoção brasileiro tem um forte respaldo legal no ECA. Na verdade, se há, hoje, alguma estrutura funcional desse sistema, o responsável por isso é o ECA. A conscientização brasileira sobre a importância da adoção procede de políticas fundamentadas no ECA. Se hoje uma criança que tem sua saúde, educação e bem-estar, de forma geral, negligenciada ou ameaçada por sua família biológica, tem a possibilidade de ser acolhida e encaminhada para adoção, devemos muito disso ao ECA.
Para tornar a coisa bem pessoal, eu realmente não sei o que seria do meu filho [e minha filha], caso o ECA não existisse. Eu temo, e muito, a eleição de um presidente que acredita que o ECA deve ser rasgado e jogado no vaso sanitário. Eu temo pelas crianças do futuro próximo, que podem ter, caso os valores estúpidos de Bolsonaro fundamentem as nossas leis sobre crianças e adolescentes, suas vidas colocadas em risco.
Conheço pessoas que acham a adoção algo lindo, mas votarão no Bolsonaro. Para esses eu digo: vote consciente de que ele tem repugnância por um documento que tem salvado a vida de muitas crianças, inclusive por meio da adoção. Se você, portanto, acha a minha família linda e um bom exemplo, por favor, considere mudar o seu voto ou, então, vote sabendo disso. Eu não posso nem considerar o Bolsonaro como meu voto, pois os valores que ele carrega, que o levam a afirmar o que ele afirmou sobre o ECA, vão contra minha identidade como pai adotivo.
2 - BOLSONARO e CRIANÇAS em FAVELAS
Já ouvi diversas pessoas que vão votar no Bolsonaro dizendo que admiram o trabalho que faço, desde 2006, com crianças e adolescentes em situação de risco. Essas duas posições não são somente incoerentes, elas são opostas. Até 2006 eu não sabia nada sobre a vida das crianças e adolescentes nas favelas brasileiras. Hoje eu conheço um pouco, não muito, mas é o suficiente para avaliar as propostas de Bolsonaro que afetarão diretamente essas pessoas. Quero falar aqui sobre a questão da educação e a questão da violência.
Sobre a educação, volto a citar o que Bolsonaro falou sobre o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente): “O ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”. Acontece que anteriormente ao ECA, não havia no Brasil uma legislação que garantisse o direito da criança e do adolescente à educação. Se há no Brasil hoje, o oferecimento ao ensino fundamental para 98% da população, isso se deve ao ECA. A educação pública brasileira ainda é muito inadequada, obviamente, como falarei abaixo. No entanto, o ECA dá o respaldo legal para que possamos cobrar do Estado o oferecimento de educação de qualidade para todos os brasileiros.
Aí vem uma segunda questão sobre educação relacionada a Bolsonaro. Ele propõe a implementação do Ensino à Distância (EAD) para o ensino fundamental e médio. Ele diz que essa é uma forma de “combater o marxismo” e baratear os custos. Essa ideia somente pode surgir de alguém sem nenhum conhecimento do atual estado da educação pública brasileira. A maioria das crianças e adolescentes em situação de risco social que eu conheço é analfabeta, e praticamente todos são analfabetos funcionais. Não importa se estão no primeiro ou no nono ano escolar. Então, Bolsonaro quer rasgar e jogar o ECA, que dá respaldo legal para educação pública de qualidade para todos, e implementar o EAD. Por uma questão ideológica burra (acabar com o marxismo) e um interesse financeiro (baratear os custos), Bolsonaro colocará ainda mais crianças e adolescentes brasileiros no analfabetismo. Se você acha que educação é uma questão importante, então Bolsonaro não é uma opção.
Sobre a violência a questão é ainda mais séria. A crítica de Bolsonaro ao ECA se deu numa discussão sobre a violência nas favelas. Pedindo a uma criança de 4 anos que apontasse os dedos como uma arma, Bolsonaro disse que é a favor do armamento de crianças, especialmente nas favelas. Disse ele que o treinamento e armamento de crianças nas favelas deve acontecer para a luta contra os bandidos armados que ali estão. Daí a crítica de Bolsonaro ao ECA, que estabelece como crime o fornecimento de armamento para crianças.
Depois, vem a questão da proposta de Bolsonaro sobre o excludente de ilicitude. Ele deseja que o policial em ação responda a julgamento, mas não seja punido. Bolsonaro disse: “Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim”. Tal proposta só pode proceder de alguém sem nenhum conhecimento sobre a relação entre os policiais e os moradores das favelas. A combinação dessas duas propostas – o armamento da população jovem das favelas e a “carta branca” – instaurarão um estado de completo terror nas favelas. Talvez ele esteja pensando que isso ajudará no combate ao crime ou ele realmente não se importa com a vida de quem vive nas favelas. Eu acredito mais na segunda opção, mas não posso afirmar o que não é possível ter certeza. [Talvez hoje seja possível dizer que a segunda opção é a verdadeira. Graças a Deus que nada disso foi implementado. Não devemos isso aos cristãos que estão ali servindo ao governo, mas às instituições democráticas que podem barrar as loucuras de Bolsonaro.]
Se o Bolsonaro for eleito e conseguir implementar o que quer sobre essas questões, eu temo pela vida das crianças e adolescentes a quem eu amo e tenho servido por todos esses anos. Elas já vivem num ambiente de stress psicológico comparado ao de guerra e isso não é somente uma ameaça ao seu direito de viver, mas também uma violência ao seu desenvolvimento cognitivo e social, ou seja, também tem a ver com educação. As propostas de Bolsonaro não levam em consideração a vida dessas crianças e adolescentes. Se você vai votar no Bolsonaro e acha o trabalho que eu faço exemplar, digno, até bonito, você deveria pensar melhor e escolher um ou outro. Assim como no caso da adoção, eu não tenho como considerar Bolsonaro uma opção de voto, pois tal escolha fere a minha identidade que já está atrelada à vida daqueles que vivem nas favelas brasileiras ou mesmo nas ruas. Bolsonaro não é meu candidato, pois eu amo essas crianças e adolescentes.
3 - MESSIAS BOLSONARO e JESUS MESSIAS
Jesus perguntou: "Por acaso sou um revolucionário perigoso, para que venham me prender com espadas e pedaços de pau?” (Marcos 14:48, Nova Versão Transformadora). Os romanos sabiam que os judeus do primeiro século eram um povo “perigoso”. Eles tinham um histórico de insubmissão aos grandes impérios e, no primeiro século a região da palestina vivia um fervor político (lembra que Herodes mandou matar as crianças de Belém para garantir que um “novo rei” não surgisse ali?).
Nesta época havia diversos grupos de rebeldes “revolucionários.” Alguns eram mais politizados, mas tantos outros eram mais como gangues que praticavam pequenos delitos para desestabilizar a ordem romana ou a Pax Romana. Estes últimos eram chamados de “bandidos” ou, no grego, λῃστής. Quando os romanos vieram prender Jesus, ele os confronta perguntando se era algum tipo de “bandido” (λῃστής). Como cristãos, sabemos que Jesus não era nenhum criminoso, mas suas ações estavam causando alvoroços na região da Judeia, o que preocupava e muito aos romanos. Jesus não era criminoso, mas para Roma ele era um “bandido” ou “revolucionário” (λῃστής). Apesar de moralmente inocente, Jesus foi culpado politicamente por Roma. E a punição desses “bandidos” ou “revolucionários” era a tortura e conseqüente morte pública. Aqueles que morreram ao lado de Jesus também eram “bandidos” ou “revolucionários” (ver Marcos 15:27). O poder de Roma como sistema político, torturou a Jesus, pois viu nele uma ameaça ao seu poder, a sua ordem, e ao bem de seus cidadãos. Permitir que Jesus, mesmo sem armas, provocasse desordem social e política dentro do Império Romano seria arriscado demais. Esse Jesus “bandido” que foi torturado pelos poderes políticos de sua época, é adorado pelos cristãos como Deus. Nada é mais sagrado a nós, cristãos, do que a morte de Jesus na cruz romana, um instrumento de tortura e morte.
Questionado por Marina Mantega sobre antigas afirmações, Bolsonaro, sem papas na língua, se defendeu: "o erro da Ditadura foi torturar e não matar". “Abominamos a tortura, mas naquele momento vivíamos na guerra fria,” justificou Bolsonaro. Muitos acham que Bolsonaro fala essas coisas por pura retórica, para provocar. Outros, com certo grau de plausibilidade, afirmam que ele fala isso, mas jamais vai instaurar tortura como prática de seu governo. A antiga desculpa de que ele fazia apologia à tortura somente no passado não cola mais, pois estas são afirmações atuais. O que importa para mim, contudo, é que esta fala está carregada de valores defendidos por Bolsonaro. Se os meus posts anteriores já indicam que Bolsonaro está longe, muito longe, de qualquer ideal cristão, agora quero sugerir que o posicionamento de Bolsonaro é sacrílego.
Se Bolsonaro falasse o que falou sobre tortura e se posicionasse como um ateu ou qualquer outra coisa, e não como cristão, eu simplesmente diria que ele é anti-cristão. No entanto, seu posicionamento como cristão torna sua fala um sacrilégio, uma zombaria com aquilo que é sagrado aos cristãos. Da mesma forma, cristãos que justificam seu voto em Bolsonaro a partir de valores cristãos, também são culpados de sacrilégio. A tortura matou o nosso Deus, portanto a tortura é prática anti-cristã. O uso da tortura para defender valores cristãos, como faz Bolsonaro e os cristãos que o defendem, é um ato de sacrilégio. Bolsonaro afirmou: “Abominamos a tortura, mas naquele momento vivíamos na guerra fria (o que implica na ameaça comunista)”. Se depois de “abominamos a tortura” você usa um “mas,” pode acreditar que seu argumento é injustificável. Veja os exemplos comparativos: “Sou completamente contra a escravidão, mas…”; “o abuso sexual infantil é repugnante, mas…”; “considero o estupro um crime hediondo, mas…”; “toda vida tem valor, mas…”. Percebem o problema?
Sua justificativa é a ameaça comunista e a possibilidade de o Brasil virar “uma grande Cuba”. Aqueles que foram torturados pela ditadura militar como poder político da época, de acordo com Bolsonaro, eram revolucionários, bandidos, ameaças à ordem brasileira. Pode ser, mas como não comparar com a relação entre Roma e Jesus? Roma justificou a tortura e a morte de Jesus por argumentos e políticas semelhantes: evitar um mal maior. Assim, votar em Bolsonaro seria, para mim, uma negação da minha identidade cristã, pois suas falas, a partir de um posicionamento cristão, é uma zombaria com a morte de Jesus, torturado pelo poder político da época. Não acredito que será possível ao cristão votar em Bolsonaro, e sua justificativa da tortura para evitar um mal maior, e, adorar a Jesus no próximo culto de domingo sem ser culpado de sacrilégio. Aos cristãos mais tradicionais, como vocês votarão em Bolsonaro e recitarão o credo no próximo domingo: “[Creio] em Jesus Cristo [que] padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado…”? Bolsonaro não é voto cristão, é voto anti-cristão e sacrílego.
LINKS DAS REFERÊNCIAS DE NOTÍCIAS QUE UTILIZEI NA ÉPOCA

Caio Peres
link da postagem original: https://www.facebook.com/notes/caio-peres/2018-foi-ontem/10159513289173496/

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2018 FOI ONTEM

Não era preciso ser profeta nem vidente para saber que o governo Bolsonaro seria nocivo à sociedade brasileira. Decidi republicar os posts que fiz em Outubro de 2018 para relembrar aquilo que o Bolsonaro fazia questão de gritar a todos e esfregar na cara de todos, ou seja, não havia nada escondido, portanto, não deveria haver nenhuma surpresa para o que estamos vendo. No meio evangélico em que convivo, alguns persistem em enaltecer Bolsonaro e colocar toda a culpa na mídia. Outros continuam dizendo que no contexto do segundo turno, o voto em Bolsonaro era a única opção e que o que vemos hoje não era previsível, portanto não adianta olhar para 2018 a partir de agora, pois é uma avaliação que fazemos somente olhando pelo retrovisor. Ainda outros decidiram abandonar o barco e se colocar como críticos de Bolsonaro.
Neste último caso, trata-se especificamente de Guilherme de Carvalho, que fez parte do governo e tem uma posição influente no meio evangélico conservador. Em seu texto longo (18 páginas!) na Gazeta do Povo, ele diz que o governo de Bolsonaro, assim como a ideologia Bolsolavista, é anti-cristão. Ele está certo. Existem muitos problemas nesse texto do Guilherme de Carvalho, que tratarei numa próxima ocasião. Mas está aqui o outro motivo para ter decidido republicar aqui meus posts de 2018: aponto aqui diversas características anti-cristãs daquilo que Bolsonaro sempre defendeu como seus (anti-)valores.
No texto do Guilherme de Carvalho ele aponta as seguintes características como sendo anti-cristãs: 1- espírito revanchista e cheio de ressentimento, e carente de qualquer movimento dialógico e reconciliatório; 2- desprezo pelas instituições e a tentativa de governar manipulando as massas contra outras autoridades públicas; 3- desprezo pela imprensa e pela comunidade acadêmica e científica; 4- nacionalismo; 5- descuido pela pessoa humano e pelo meio ambiente, especialmente o descompromisso com os vulneráveis; 6-celebração simbólica da violência. Em meus posts eu só abordei os pontos 5 e 6, pois dei um caráter pessoal para minha crítica, como vocês verão. Mas é claro que os pontos 1-4 eram totalmente evidentes até muito antes das campanhas de 2018.
No teor de minha crítica, fui além do Guilherme de Carvalho, pois considero os (anti-)valores de Bolsonaro não somente como anti-cristãos, mas sacrílegos, uma zombaria com aquilo que é sagrado para nós, cristãos. Algo próximo daquilo que ele chama de blasfêmia do nome de Deus. Enquanto Guilherme de Carvalho, ainda hoje, acha que somente ateus e laicistas poderiam ver algum problema no slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, eu já indicava a blasfêmia disso, caracterizando-o como sacrilégio. Na época, o mesmo grupo de aplaude o texto do Guilherme de Carvalho não deu bola para o que escrevi. Existe alguma desonestidade intelectual aí, e uma lealdade de grupo injustificável. Algo que tratarei num texto futuro. Mais ainda, Guilherme de Carvalho, em seu texto, coloca todas as críticas a Bolsonaro, menos a dele é claro, e as avaliações de que esse seria o destino de seu governo, como mera histeria de uma esquerda identitária e fascista. Pois bem, sigam essa viagem no tempo, com alguns pequenos acréscimos a partir do que estamos vivendo hoje. Trata-se da minha opinião que não sendo de esquerda, nem identitário, nem fascista, nem histérico, mas que fez uma análise teológica e política crítica a Bolsonaro a partir de minha identidade como pai adotivo, missionário na área de assistência social a crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, e cristão, ou seja, uma pessoa que, na narrativa criada por Guilherme de Carvalho, não existe, por isso mesmo é que ele ignorará tanto as minhas críticas atuais como ignorou minha crítica na época.
INTRODUÇÃO
Eu tenho diversos problemas com a política brasileira. Eu tenho sérios problemas com a candidatura do PT e acho que quem defendeu o PT no impeachment não pode, de forma alguma, defender o PT nestas eleições, pois as alianças e corroborações políticas que estão fazendo mostram um antagonismo completo com a narrativa de golpe. Para o eleitor do PT, é necessário escolher, o golpe de 2016 ou o Haddad de 2018. Fora isso, ainda acho que votar no PT em 2018 é corroborar com uma política “ficha suja”, ignorar que o PT se transformou naquilo que sempre colocou como inimigo político, portanto é um voto totalmente não à esquerda. Pior ainda, pode ser que o PT venha com espírito vingativo forte e coloque em cheque a democracia brasileira, e diversas instituições que garantem a possibilidade de bem-estar do brasileiro.
Mas os problemas que eu tenho com o Bolsonaro extrapolam tudo isso, pois ele representa uma identidade em total oposição com a minha identidade como cristão, como pai adotivo, e como servidor social que tem interesse pela vida das crianças e adolescentes que vivem nas favelas brasileiras. (Não vou nem falar sobre questões ideológicas. A força de Bolsonaro, a meu ver, é um perigo para a democracia e o bem-estar brasileiro, assim como a força do PT [poderia ser na conjuntura de 2018, mas que nunca foi antes disso]. Bolsonaro não é de direita; pelo contrário, ele demonstra o quanto deseja que o Estado controle a vida das pessoas. A diferença entre os dois – PT e Bolsonaro – é uma diferença entre um tipo de visão totalitária do Estado por outra visão totalitária do Estado. Portanto, farei uma série de posts para mostrar que o Bolsonaro vai contra a minha própria identidade. Por falar sobre identidade, os meus argumentos incluirão questões bem pessoais. Portanto, se você tem alguma estima por quem sou, por favor leve a sério o que vou falar.
1 - BOLSONARO e ADOÇÃO
Já ouvi diversas pessoas que vão votar no Bolsonaro dizendo que a minha família, formada a partir da prática da adoção, é um belo exemplo ou algo muito lindo. Saibam, portanto, que o Bolsonaro afirmou o seguinte: “O ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”.
Ele está se referindo ao Estatuto da Criança e do Adolescente, um documento importantíssimo para o bem-estar das crianças e adolescentes em situação de risco social no Brasil. O ECA trouxe muitos benefícios sem precedentes para o cuidado dessas crianças e adolescentes, das quais mencionarei algumas no próximo post e explicarei o motivo da crítica de Bolsonaro. Aqui, me limitarei à questão da adoção.
O sistema de adoção brasileiro tem um forte respaldo legal no ECA. Na verdade, se há, hoje, alguma estrutura funcional desse sistema, o responsável por isso é o ECA. A conscientização brasileira sobre a importância da adoção procede de políticas fundamentadas no ECA. Se hoje uma criança que tem sua saúde, educação e bem-estar, de forma geral, negligenciada ou ameaçada por sua família biológica, tem a possibilidade de ser acolhida e encaminhada para adoção, devemos muito disso ao ECA.
Para tornar a coisa bem pessoal, eu realmente não sei o que seria do meu filho [e minha filha], caso o ECA não existisse. Eu temo, e muito, a eleição de um presidente que acredita que o ECA deve ser rasgado e jogado no vaso sanitário. Eu temo pelas crianças do futuro próximo, que podem ter, caso os valores estúpidos de Bolsonaro fundamentem as nossas leis sobre crianças e adolescentes, suas vidas colocadas em risco.
Conheço pessoas que acham a adoção algo lindo, mas votarão no Bolsonaro. Para esses eu digo: vote consciente de que ele tem repugnância por um documento que tem salvado a vida de muitas crianças, inclusive por meio da adoção. Se você, portanto, acha a minha família linda e um bom exemplo, por favor, considere mudar o seu voto ou, então, vote sabendo disso. Eu não posso nem considerar o Bolsonaro como meu voto, pois os valores que ele carrega, que o levam a afirmar o que ele afirmou sobre o ECA, vão contra minha identidade como pai adotivo.
2 - BOLSONARO e CRIANÇAS em FAVELAS
Já ouvi diversas pessoas que vão votar no Bolsonaro dizendo que admiram o trabalho que faço, desde 2006, com crianças e adolescentes em situação de risco. Essas duas posições não são somente incoerentes, elas são opostas. Até 2006 eu não sabia nada sobre a vida das crianças e adolescentes nas favelas brasileiras. Hoje eu conheço um pouco, não muito, mas é o suficiente para avaliar as propostas de Bolsonaro que afetarão diretamente essas pessoas. Quero falar aqui sobre a questão da educação e a questão da violência.
Sobre a educação, volto a citar o que Bolsonaro falou sobre o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente): “O ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”. Acontece que anteriormente ao ECA, não havia no Brasil uma legislação que garantisse o direito da criança e do adolescente à educação. Se há no Brasil hoje, o oferecimento ao ensino fundamental para 98% da população, isso se deve ao ECA. A educação pública brasileira ainda é muito inadequada, obviamente, como falarei abaixo. No entanto, o ECA dá o respaldo legal para que possamos cobrar do Estado o oferecimento de educação de qualidade para todos os brasileiros.
Aí vem uma segunda questão sobre educação relacionada a Bolsonaro. Ele propõe a implementação do Ensino à Distância (EAD) para o ensino fundamental e médio. Ele diz que essa é uma forma de “combater o marxismo” e baratear os custos. Essa ideia somente pode surgir de alguém sem nenhum conhecimento do atual estado da educação pública brasileira. A maioria das crianças e adolescentes em situação de risco social que eu conheço é analfabeta, e praticamente todos são analfabetos funcionais. Não importa se estão no primeiro ou no nono ano escolar. Então, Bolsonaro quer rasgar e jogar o ECA, que dá respaldo legal para educação pública de qualidade para todos, e implementar o EAD. Por uma questão ideológica burra (acabar com o marxismo) e um interesse financeiro (baratear os custos), Bolsonaro colocará ainda mais crianças e adolescentes brasileiros no analfabetismo. Se você acha que educação é uma questão importante, então Bolsonaro não é uma opção.
Sobre a violência a questão é ainda mais séria. A crítica de Bolsonaro ao ECA se deu numa discussão sobre a violência nas favelas. Pedindo a uma criança de 4 anos que apontasse os dedos como uma arma, Bolsonaro disse que é a favor do armamento de crianças, especialmente nas favelas. Disse ele que o treinamento e armamento de crianças nas favelas deve acontecer para a luta contra os bandidos armados que ali estão. Daí a crítica de Bolsonaro ao ECA, que estabelece como crime o fornecimento de armamento para crianças.
Depois, vem a questão da proposta de Bolsonaro sobre o excludente de ilicitude. Ele deseja que o policial em ação responda a julgamento, mas não seja punido. Bolsonaro disse: “Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim”. Tal proposta só pode proceder de alguém sem nenhum conhecimento sobre a relação entre os policiais e os moradores das favelas. A combinação dessas duas propostas – o armamento da população jovem das favelas e a “carta branca” – instaurarão um estado de completo terror nas favelas. Talvez ele esteja pensando que isso ajudará no combate ao crime ou ele realmente não se importa com a vida de quem vive nas favelas. Eu acredito mais na segunda opção, mas não posso afirmar o que não é possível ter certeza. [Talvez hoje seja possível dizer que a segunda opção é a verdadeira. Graças a Deus que nada disso foi implementado. Não devemos isso aos cristãos que estão ali servindo ao governo, mas às instituições democráticas que podem barrar as loucuras de Bolsonaro.]
Se o Bolsonaro for eleito e conseguir implementar o que quer sobre essas questões, eu temo pela vida das crianças e adolescentes a quem eu amo e tenho servido por todos esses anos. Elas já vivem num ambiente de stress psicológico comparado ao de guerra e isso não é somente uma ameaça ao seu direito de viver, mas também uma violência ao seu desenvolvimento cognitivo e social, ou seja, também tem a ver com educação. As propostas de Bolsonaro não levam em consideração a vida dessas crianças e adolescentes. Se você vai votar no Bolsonaro e acha o trabalho que eu faço exemplar, digno, até bonito, você deveria pensar melhor e escolher um ou outro. Assim como no caso da adoção, eu não tenho como considerar Bolsonaro uma opção de voto, pois tal escolha fere a minha identidade que já está atrelada à vida daqueles que vivem nas favelas brasileiras ou mesmo nas ruas. Bolsonaro não é meu candidato, pois eu amo essas crianças e adolescentes.
3 - MESSIAS BOLSONARO e JESUS MESSIAS
Jesus perguntou: "Por acaso sou um revolucionário perigoso, para que venham me prender com espadas e pedaços de pau?” (Marcos 14:48, Nova Versão Transformadora). Os romanos sabiam que os judeus do primeiro século eram um povo “perigoso”. Eles tinham um histórico de insubmissão aos grandes impérios e, no primeiro século a região da palestina vivia um fervor político (lembra que Herodes mandou matar as crianças de Belém para garantir que um “novo rei” não surgisse ali?).
Nesta época havia diversos grupos de rebeldes “revolucionários.” Alguns eram mais politizados, mas tantos outros eram mais como gangues que praticavam pequenos delitos para desestabilizar a ordem romana ou a Pax Romana. Estes últimos eram chamados de “bandidos” ou, no grego, λῃστής. Quando os romanos vieram prender Jesus, ele os confronta perguntando se era algum tipo de “bandido” (λῃστής). Como cristãos, sabemos que Jesus não era nenhum criminoso, mas suas ações estavam causando alvoroços na região da Judeia, o que preocupava e muito aos romanos. Jesus não era criminoso, mas para Roma ele era um “bandido” ou “revolucionário” (λῃστής). Apesar de moralmente inocente, Jesus foi culpado politicamente por Roma. E a punição desses “bandidos” ou “revolucionários” era a tortura e conseqüente morte pública. Aqueles que morreram ao lado de Jesus também eram “bandidos” ou “revolucionários” (ver Marcos 15:27). O poder de Roma como sistema político, torturou a Jesus, pois viu nele uma ameaça ao seu poder, a sua ordem, e ao bem de seus cidadãos. Permitir que Jesus, mesmo sem armas, provocasse desordem social e política dentro do Império Romano seria arriscado demais. Esse Jesus “bandido” que foi torturado pelos poderes políticos de sua época, é adorado pelos cristãos como Deus. Nada é mais sagrado a nós, cristãos, do que a morte de Jesus na cruz romana, um instrumento de tortura e morte.
Questionado por Marina Mantega sobre antigas afirmações, Bolsonaro, sem papas na língua, se defendeu: "o erro da Ditadura foi torturar e não matar". “Abominamos a tortura, mas naquele momento vivíamos na guerra fria,” justificou Bolsonaro. Muitos acham que Bolsonaro fala essas coisas por pura retórica, para provocar. Outros, com certo grau de plausibilidade, afirmam que ele fala isso, mas jamais vai instaurar tortura como prática de seu governo. A antiga desculpa de que ele fazia apologia à tortura somente no passado não cola mais, pois estas são afirmações atuais. O que importa para mim, contudo, é que esta fala está carregada de valores defendidos por Bolsonaro. Se os meus posts anteriores já indicam que Bolsonaro está longe, muito longe, de qualquer ideal cristão, agora quero sugerir que o posicionamento de Bolsonaro é sacrílego.
Se Bolsonaro falasse o que falou sobre tortura e se posicionasse como um ateu ou qualquer outra coisa, e não como cristão, eu simplesmente diria que ele é anti-cristão. No entanto, seu posicionamento como cristão torna sua fala um sacrilégio, uma zombaria com aquilo que é sagrado aos cristãos. Da mesma forma, cristãos que justificam seu voto em Bolsonaro a partir de valores cristãos, também são culpados de sacrilégio. A tortura matou o nosso Deus, portanto a tortura é prática anti-cristã. O uso da tortura para defender valores cristãos, como faz Bolsonaro e os cristãos que o defendem, é um ato de sacrilégio. Bolsonaro afirmou: “Abominamos a tortura, mas naquele momento vivíamos na guerra fria (o que implica na ameaça comunista)”. Se depois de “abominamos a tortura” você usa um “mas,” pode acreditar que seu argumento é injustificável. Veja os exemplos comparativos: “Sou completamente contra a escravidão, mas…”; “o abuso sexual infantil é repugnante, mas…”; “considero o estupro um crime hediondo, mas…”; “toda vida tem valor, mas…”. Percebem o problema?
Sua justificativa é a ameaça comunista e a possibilidade de o Brasil virar “uma grande Cuba”. Aqueles que foram torturados pela ditadura militar como poder político da época, de acordo com Bolsonaro, eram revolucionários, bandidos, ameaças à ordem brasileira. Pode ser, mas como não comparar com a relação entre Roma e Jesus? Roma justificou a tortura e a morte de Jesus por argumentos e políticas semelhantes: evitar um mal maior. Assim, votar em Bolsonaro seria, para mim, uma negação da minha identidade cristã, pois suas falas, a partir de um posicionamento cristão, é uma zombaria com a morte de Jesus, torturado pelo poder político da época. Não acredito que será possível ao cristão votar em Bolsonaro, e sua justificativa da tortura para evitar um mal maior, e, adorar a Jesus no próximo culto de domingo sem ser culpado de sacrilégio. Aos cristãos mais tradicionais, como vocês votarão em Bolsonaro e recitarão o credo no próximo domingo: “[Creio] em Jesus Cristo [que] padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado…”? Bolsonaro não é voto cristão, é voto anti-cristão e sacrílego.
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Caio Peres
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