Apesar de estar envolvida no
trabalho missionário/voluntário há mais de 20 anos, ainda encontro-me
aprendendo a respeito de nossos limites.
E se repito o discurso sobre
meus limites, é porque ainda se faz necessária tal repetição.
Ainda se ignora a humanidade
do missionário/voluntário.
Ainda ele é tido por super-herói,
inumano, mutante, feito única e exclusivamente para oferecer-se a si mesmo e o
que tem a outros, indiscriminadamente.
E eis que este ser se torna
incômodo quando pede ajuda voluntária e financeira para seu sustento, quando
faz campanhas, quando pede para si.
Porque pedir ajuda e mostrar
limitações descaracteriza este ser mutante, feito para servir e se desgastar.
Dizer ‘não’ é algo impensável em sua realidade, por isso assusta, e até
escandaliza.
E é por isso que tenho
encontrado, nesses anos todos de caminhada, vários missionários/voluntários que
me impedem de publicar suas fotos em um momento de alegria, descanso ou
diversão, com medo de perder seu sustento, seus apoiadores, qualquer ajuda
financeira.
Não, porque ao
missionário/voluntário não é permitido descansar, se divertir, muito menos às
custas dos outros. Seria um abuso.
Talvez seja por isso essa
constante incerteza e insegurança em que me encontro atualmente na vida.
Durante 11 meses no ano realizo um trabalho missionário/voluntário, sem
qualquer expectativa de retorno. Porém, quando tenho a oportunidade, não
escondo um momento de descanso, diversão, renovo de forças. Assim, somente
aqueles que de fato compreendem todas as implicações dessa vida de
missionário/voluntário é que se engajam em apoiar-me e ajudar em meu sustento.
E, por isso, posso dizer: são muito poucos os que compreendem.
Até mesmo este texto, que
agora escrevo, implica em risco de perda de apoiadores, perda de sustento
financeiro, perda de empatia para com meu trabalho e o que tenho a oferecer.
Entretanto, se o escrevo, não é pensando em mim, mas nas próximas gerações de
missionários/voluntários.
E, com tristeza, ainda
afirmo: nem dentro das agências missionárias há essa compreensão. Temos nossas
funções, um lugar para repousar a cabeça. Mas, caso digamos ‘não’ para alguém
ou alguma atividade, somos tentados a nos sentirmos culpados e até indagados a
dar explicações.
Não nos é permitido o descanso,
seja no campo, seja na base - isso seria impensável. Alguns, com posição de
maior responsabilidade, com cargos de maior reconhecimento, até podem se dar ao
luxo de tirar um mês de férias. Mas sem esse reconhecimento, uma semana sem
atender às demandas da missão seria abuso.
Não, o
missionário/voluntário é tratado de acordo com sua produtividade, é um
ser-máquina que, quando der problema, deverá ser trocado por outro que melhor
atenda às necessidades de onde serve. Deve ceder sua casa, caso não seja sua,
deve ceder seu posto a alguém que atenda à demanda.
Não, não pode se dar ao luxo
de postar uma foto se divertindo, não pode recusar uma atividade que o
desgaste, precisa seguir o fluxo do que é considerado normalidade, e precisa
sempre enviar relatórios de sua produtividade e dar explicações de suas
impossibilidades.
Não, o
missionário/voluntário não é humano. Deve ser esperado dele sempre o maior
rendimento, exigido dele até que se manifeste em seu limite.
E este ser é
descaracterizado quando se torna parte de uma instituição
missionária/voluntária. Perde sua identidade individual e a ele não é permitido
manifestar-se sem que esteja dentro dos padrões da referida instituição.
Não, não é uma pessoa – é um
missionário/voluntário.
Angela Natel – 03/09/2017.
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