Até parece que um século se
passou desde o último olhar, o último abraço, o último momento que passamos
juntos.
Hoje consigo escrever sobre
isso, olhar as fotos e ter uma compreensão totalmente nova sobre a situação.
Posso afirmar que racionalizei a dor, que consegui transferi-la do âmbito do
coração para algum outro lugar em meu cérebro, que em minha alma as coisas
tomaram outro rumo, outra percepção.
Foi há quase seis anos que
nos despedimos pela última vez, e daqui a dois meses celebrarei três anos de
divórcio, finalizando um desafiador período de luto.
Hoje afirmo que posso te
olhar nos olhos, sorrir e dizer: ‘Passou!’
Hoje consigo olhar para o
futuro com esperança e, com isso, planejar novos rumos, sem medo de te
encontrar novamente, sem medo dos abusos, de me ver novamente enredada por
minhas próprias carências. E hoje, mais do que nunca, me sinto livre para
acreditar que tenho outras possibilidades.
Sim, hoje posso te olhar nos
olhos e dizer: ‘Estou muito feliz na condição em que me encontro hoje, e sou
grata pelo aprendizado na experiência das dores e nas alegrias que vivemos em
meio a elas’ – porque sim, houveram momentos de alegria.
Posso hoje te olhar nos olhos
e te contar que, apesar de me sentir tão realizada ao assinar ‘divorciada’, e
em muitas situações me sentir privilegiada com este estado civil, tenho
consciência da liberdade em poder construir uma história com outra pessoa que
esteja olhando na mesma direção que eu – e assim evitar os erros, as
frustrações e os traumas que vivemos e que precisaram ser superados neste
período em que estivemos separados.
Hoje posso me sentir
desligada deste relacionamento doentio, no qual vivíamos pensando possuir um ao
outro, e agíamos cegos dentro de uma arredoma cultural da qual não conseguíamos
sair a fim de compartilhar uma vida juntos.
Hoje posso dizer: ‘Passou!’
E sou livre, divorciada, feliz, realizada, prestes a me lançar numa nova
jornada de conquistas e novidade de vida.
E nesse breve escrito quero
aproveitar a oportunidade para também dizer: ‘Obrigada por suportar tantas
lutas, mesmo sem compreender a maior parte delas, e por ter feito parte de uma
grande lição de vida, sem a qual eu não teria condições de assumir minhas
limitações e, a partir da qual posso me reerguer, tal qual uma fênix, e
renascer para uma nova vida’.
Sim, passou, podem dizer o
que quiserem a esse respeito, tentar reatar um casamento cujas páginas já se
viraram e cujo livro se encerrou. Quando alguém insinua que ainda há
possibilidade de retorno, de restauração para esta história, este casamento,
sorrio dentro de mim, pela ingenuidade de quem, eu sei, só quer o meu bem, mas
não compreende os caminhos do meu coração diante de Deus, diante da vida, nem
esteve em meu lugar. Sim, sorrio, porque só quem caminha mais de perto é capaz
de ver, ainda que de forma limitada, o quanto sou feliz divorciada.
Neste dia quero expressar
minha gratidão, primeiramente a Deus por tão grande graça e compaixão; por
aceitar-me, ajudar-me, por sustentar-me a cada dia, e como se mantém me
ensinando em cada situação.
Quero agradecer a meus pais
que, em meio a tanta luta e tantos desafios, se colocaram ao meu lado, a
despeito de toda incompreensão e julgamento, e me apoiaram com corajosa força e
aceitação.
Agradeço especialmente
àqueles que nunca usaram de condenação para tratar comigo, mesmo quando eu
mesma me condenava. E estes que lutaram bravamente por manter a amizade e a
confiança que tanto me ajudam nos momentos difíceis.
E, finalmente, te olho nos
olhos e digo: ‘Passou! Por isso te agradeço, por ter me dado este tempo tão
precioso para ser restaurada, e poder recomeçar sem medo, sem laços que me
prendam nem a você nem a ninguém, e ter estrutura para reaprender a amar.
Obrigada, seja feliz, siga em frente. Eu sigo realizada, feliz, divorciada,
porque a dor, o trauma, o medo, tudo passou’.
Angela Natel – outubro de
2014
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