terça-feira, 27 de maio de 2014

Crônicas de uma Divorciada: Não cabemos em lugar algum



            Longe de casa por uma semana, encontro-me no ponto onde minha vida tomou novo rumo há 16 anos atrás. Tanta coisa aconteceu desde então, e posso agora perceber o porquê de alguns desencontros, frustrações. Em meio a isso tudo ouço este parecer, que me faz pensar a respeito de minha constante e insaciável busca: ‘Não cabemos em lugar algum’.
            Será que minha vida se resume a isto? Um olhar obcecado pelo inalcançável, sem ao menos aproveitar o que me cerca, sem descanso, sem contentamento?  Parece com a síndrome do ‘Quero estar lá’, sem nunca, entretanto, conseguir chegar. Sou encorajada por forças interiores que desconheço na perseguição por um alvo invisível sempre além de onde minha vista consegue alcançar. Constantemente ‘eu quero estar lá’.
            Quando estava em Curitiba, queria ir a outros lugares, contactar outras culturas, outras pessoas, aprender e influenciar em outras cidades. Quando me mudei para Brasília, pensei ter alcançado meu destino, tentei estabelecer-me, sujeitar-me, até que o lugar pareceu pequeno demais, os limites por demais apertados, as pessoas, com seus pequenos mundos controlados por seu próprio centro gravitacional me sufocavam, então quis retornar, e estudar.
            Quando, então terminei o que planejava em meus estudos, respondi prontamente ao chamado dos que me convidavam para um trabalho em Moçambique, ainda que por um ano. Lá permaneci, cumprindo o combinado. Mas quando os prazos estavam prestes a vencer me vi ansiosa pelo retorno ao lar, onde sempre senti certa segurança.
            Mais um tempo de estudo e a coceira do deslocamento tirou-me do lugar para um ano de serviço em Brasília, de onde parti novamente a Moçambique, desta vez com vistas a fixar residência. A intenção foi sincera. Tirei carteira de motorista, casei-me, estabeleci trabalho e uma rotina. Foram tempos difíceis, de muita adaptação, e nunca pensei que ainda tinha muito chão pela frente.
            Hoje não escrevo com clareza, com o fim de agradar leitores, mas estou disposta a improvisar. Um casamento fracassado, um ministério e trabalho que me escapou por entre os dedos e um novo rumo de vida trouxeram-me de volta ao Brasil, a Curitiba, e por dois anos consegui viver sob aluguel sozinha, longe da casa de meus pais.
            Retorno ao lar significou novo começo, com mais estudo, ainda que vozes inquietantes não tenham se calado dentro de mim. Nessa semana que estou em Brasília, ouvindo convites para retornar, sou de repente acordada por essa coceira de que não tenho lar.
            Alguns justificam tal desenvoltura com a vida peregrina que pode até ser valente. Mas quando não se criam muitos laços, não há como exigir confiança, muito menos ter esperança de ter uma vida normal.
            Que itinerário maluco que ora me leva, ora me traz de volta, mas que mancha minha consciência de puro descontentamento com a situação na qual me encontro. Brasília, Curitiba, Moçambique, sozinha ou acompanhada, a insatisfação e a busca parecem gritar para todos que não passo de uma farsa, ou de uma rebelde sem causa que não se encaixa em lugar nenhum. Sim, minha amiga tem razão: não cabemos em lugar algum.
Não sou de Marte, nem de Vênus, muito menos de uma cidade só. As pessoas que conheço não me agüentam em todo momento. Sou inquieta, odeio rotina, me encontro nua de ilusões. Sou de poucos amigos, viciada em livros, só me aquieto quando aprendo. Se não sou mais útil, tomo meu rumo, aperto o passo e dou o fora dali. Os que se incomodam com esta situação estranha, esta vida cigana, me subestimam. Mas a verdade é que parece que por mais que eu caminhe não encontrei meu lugar.

(Angela Natel)
https://www.facebook.com/pages/Angela-Natel/137128436426391
angelanatel.wordpress.com

Maio/2014

Nenhum comentário:

Crônicas de uma Divorciada: Não cabemos em lugar algum



            Longe de casa por uma semana, encontro-me no ponto onde minha vida tomou novo rumo há 16 anos atrás. Tanta coisa aconteceu desde então, e posso agora perceber o porquê de alguns desencontros, frustrações. Em meio a isso tudo ouço este parecer, que me faz pensar a respeito de minha constante e insaciável busca: ‘Não cabemos em lugar algum’.
            Será que minha vida se resume a isto? Um olhar obcecado pelo inalcançável, sem ao menos aproveitar o que me cerca, sem descanso, sem contentamento?  Parece com a síndrome do ‘Quero estar lá’, sem nunca, entretanto, conseguir chegar. Sou encorajada por forças interiores que desconheço na perseguição por um alvo invisível sempre além de onde minha vista consegue alcançar. Constantemente ‘eu quero estar lá’.
            Quando estava em Curitiba, queria ir a outros lugares, contactar outras culturas, outras pessoas, aprender e influenciar em outras cidades. Quando me mudei para Brasília, pensei ter alcançado meu destino, tentei estabelecer-me, sujeitar-me, até que o lugar pareceu pequeno demais, os limites por demais apertados, as pessoas, com seus pequenos mundos controlados por seu próprio centro gravitacional me sufocavam, então quis retornar, e estudar.
            Quando, então terminei o que planejava em meus estudos, respondi prontamente ao chamado dos que me convidavam para um trabalho em Moçambique, ainda que por um ano. Lá permaneci, cumprindo o combinado. Mas quando os prazos estavam prestes a vencer me vi ansiosa pelo retorno ao lar, onde sempre senti certa segurança.
            Mais um tempo de estudo e a coceira do deslocamento tirou-me do lugar para um ano de serviço em Brasília, de onde parti novamente a Moçambique, desta vez com vistas a fixar residência. A intenção foi sincera. Tirei carteira de motorista, casei-me, estabeleci trabalho e uma rotina. Foram tempos difíceis, de muita adaptação, e nunca pensei que ainda tinha muito chão pela frente.
            Hoje não escrevo com clareza, com o fim de agradar leitores, mas estou disposta a improvisar. Um casamento fracassado, um ministério e trabalho que me escapou por entre os dedos e um novo rumo de vida trouxeram-me de volta ao Brasil, a Curitiba, e por dois anos consegui viver sob aluguel sozinha, longe da casa de meus pais.
            Retorno ao lar significou novo começo, com mais estudo, ainda que vozes inquietantes não tenham se calado dentro de mim. Nessa semana que estou em Brasília, ouvindo convites para retornar, sou de repente acordada por essa coceira de que não tenho lar.
            Alguns justificam tal desenvoltura com a vida peregrina que pode até ser valente. Mas quando não se criam muitos laços, não há como exigir confiança, muito menos ter esperança de ter uma vida normal.
            Que itinerário maluco que ora me leva, ora me traz de volta, mas que mancha minha consciência de puro descontentamento com a situação na qual me encontro. Brasília, Curitiba, Moçambique, sozinha ou acompanhada, a insatisfação e a busca parecem gritar para todos que não passo de uma farsa, ou de uma rebelde sem causa que não se encaixa em lugar nenhum. Sim, minha amiga tem razão: não cabemos em lugar algum.
Não sou de Marte, nem de Vênus, muito menos de uma cidade só. As pessoas que conheço não me agüentam em todo momento. Sou inquieta, odeio rotina, me encontro nua de ilusões. Sou de poucos amigos, viciada em livros, só me aquieto quando aprendo. Se não sou mais útil, tomo meu rumo, aperto o passo e dou o fora dali. Os que se incomodam com esta situação estranha, esta vida cigana, me subestimam. Mas a verdade é que parece que por mais que eu caminhe não encontrei meu lugar.

(Angela Natel)
https://www.facebook.com/pages/Angela-Natel/137128436426391
angelanatel.wordpress.com

Maio/2014