Crônicas de uma divorciada
Angela Natel
4. “O
diabo que te carregue”
Muita
calma nesta hora. Não se trata de mais um desabafo pessimista. Uma ideia surge
e a gente põe no papel, e o melhor título que lhe vem à cabeça é... você
entende.
O
assunto de hoje é necessidade de incentivo ou parasitismo. Andei pensando um
pouco a respeito do processo de reconstrução a que estamos sujeitos
constantemente nesta vida: reconstrução de sonhos, de nossa personalidade,
superação de perdas, desafios postos à nossa frente, vontades que se constroem na
medida em que nos permitimos sonhar um pouco mais alto do que de costume. Tais processos
às vezes se assemelham a buracos cavados em nossas emoções, cujos vazios gritam
por algum tipo de socorro. Sentimos falta de pessoas, de ajuda, de orientação, incentivo,
patrocínio, qualquer mão amiga que se estenda em nossa direção para que essas
montanhas sejam efetivamente transpostas.
Assim
me senti há alguns anos atrás, assim me sinto às vezes. Mas percebo que na
maioria das situações o que espero não se resume a um incentivo, uma palavra amiga
ou encorajamento, o que realmente minha alma deseja é que me carreguem até a
outra margem e façam o serviço por mim ou, de algum jeito, patrocinem meus
sonhos, me peguem pela mão e ditem passo a passo do trajeto, dando-me uma falsa
sensação de segurança durante todo o percurso, isentando-me de grande parte da
responsabilidade pelas minhas próprias decisões, ou até mesmo abrindo espaço
para que eu possa dizer, no final das contas, caso a realização não aconteça: ‘não
era a vontade de Deus’, ou ‘se for para não fazer bem feito, prefiro não fazer’
– pura desculpa deslavada para minha procrastinação.
O
que penso ser uma luta pessoal aparece como um padrão na vida de muitas
pessoas, cujos sonhos são depositados na prateleira do ‘um dia quero fazer’ mas
nunca chegam a alcançar a não ser que alguém tome as rédeas da situação e faça
acontecer para elas, quase que obrigando a pessoa a se mexer, forçando-a a
conquistar os próprios sonhos – louco, mas existe gente assim. Caso contrário,
parece que nunca sairão do estado de letargia e ficam à espera de um ‘sinal dos
céus’ (que, miraculosamente aparece quando alguém paga para ver). Resumindo o
recado para estes: o céu conspira a favor de quem trabalha na conquista de seus
sonhos.
Há
também os que possuem uma responsabilidade, que afirmam em alto e bom som de
sua ciência da situação, mas sua postura fala exatamente o contrário de suas
palavras, porque fazem tamanha a situação que o fato de afirmarem que são
responsáveis por si mesmos não parece ter resultado algum já que intimidam pela
simples maneira de lidar com as coisas, constrangendo a todos ao redor, como se
os outros tivessem a obrigação de fazer algo por eles. E mesmo que repitam que
não são vítimas, agem como tal, então fica complicado ajudar bem como não
ajudar, comprometendo a relação.
Por
diversas vezes me vi e me senti carregada. Sei que já fui dramática,
sarcástica, apática e ingrata. Já agi irresponsavelmente, já fui incoerente e
extremamente carente. Mas certamente quem já me disse, mesmo que em pensamento ‘o
diabo que te carregue’, não deixou de ter razão. Às vezes precisamos aprender a
andar com as próprias pernas, nos sentirmos abandonados para que isso seja a
motivação que necessitamos ao nos levantarmos de uma desilusão, para
alcançarmos um sonho, ou conquistarmos o intransponível mar de desafios à nossa
frente.
Por
isso, ao invés de recriminar quem nos vira as costas por um momento, ao invés
de esperar que alguém nos carregue ou nos arraste para a conquista de uma
vontade, um sonho, que nos levantemos sobre nossas próprias pernas e andemos em
direção ao alvo, sem hesitação. Quer alcançar um sonho, levante-se e ande na
direção certa para realizá-lo, sem esperar que alguém lhe dê uma palavra, um
presente, um incentivo, sem depender da ação, gesto ou dizer de quem quer que
seja. Não são os outros que fazem as coisas acontecerem em nossa vida,
definitivamente.
E,
ao invés de nos lamentar e tornar a situação maior do que ela já é, tomemos as
rédeas de nossa vida, planejando, trabalhando, construindo, dia após dia, em
parceria, não parasitismo, não à espera de que alguém aja em nosso favor, mas agindo,
conscientes de que cada um tem seus próprios desafios, e que ninguém é obrigado
a nos carregar (prá isso não basta só falar, é preciso agir e nisso
verdadeiramente acreditar).
Se
há algo que sempre prezei em minha vida é poder ajudar as pessoas, mas o que
não desejo a ninguém é ter de carregar nas costas responsabilidades que não me
pertencem. Se alguém tem um sonho, não espere que eu leve a realizá-lo, não
dependa de minhas palavras, nem de meu incentivo para conquistá-lo. Se alguém
tem um desafio, não espere que sempre poderei ajudá-lo, porque também tenho os
meus, e somos corresponsáveis na construção de nossa história. Não levemos a
mal quando alguém nos disser ‘o diabo que te carregue’, pois se esperamos ser
carregados, creio ser ele o único pronto a fazê-lo, para nossa própria
destruição. Só crescemos quando assumimos responsabilidade, quando agimos de
verdade, quando nos levantamos com decisão.
E
o desafio que me faço nesse dia, e estendo a todo o que desejar, é olhar a
lista de coisas que desejamos conquistar, os passos que queremos tomar, as
montanhas que precisamos escalar e os mares que devemos atravessar e nos
coloquemos em movimento, sem esperar nada de ninguém: nem palavra, nem
incentivo, nem patrocínio, nem que nos peguem pela mão, nem sequer orientação,
mas busquemos descobrir por nós mesmos os passos e andemos na direção das
conquistas que queremos. Deus nos dê forças e nos ajude nessa conquista, para
que o diabo não tenha de nos carregar pelos braços dos outros.
Angela Natel – maio de 2014.
http://angelanatel.wordpress.com/2014/05/02/cronicas-de-uma-divorciada-4-o-diabo-que-te-carregue/
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=378494832289749&set=a.367482390057660.1073741834.137128436426391&type=3&theater
Nenhum comentário:
Postar um comentário