terça-feira, 31 de agosto de 2010

A barata do Kafka e os nossos desertos.

Elídia Rosa Machado


A maioria das pessoas que possuem hábito de ler, e mesmo as que não têm, conhecem o conto “A metamorfose” de Franz Kafka. Nele um caixeiro viajante, Gregor Samsa, subitamente vê-se arrancado de sua pacata condição e rotina para transformar-se em uma nojenta barata (confesso que a repulsa pelo inseto a mim é quase fóbica) e com isso seu mundo repentinamente transforma-se num caos de sensações físicas e psicológicas desconfortáveis e desesperadoras. A escrita emblemática de Kafka leva-nos a um estranho desconforto quase palpável.

Diante dessa escrita, é possível fazer uma analogia como que o passei, há algum tempo atrás. De certa maneira, eu já me senti assim metamorfoseada do “dia para a noite” e sentindo o peso de meu mundo particular sob as espáduas... Poucos amigos, carreira e prestígio virando pó...tudo sob o casco frio e duro da rejeição. Nesses momentos, só conseguia olhar para a sensação horrível de transformar-se de repente em alguém que me causava repulsa. Comumente às pessoas que vêem-se mergulhados num tsunami de perdas, não vislumbramos nada fora do casulo de nossa dor. Ao abrir a Bíblia, em muitos desses momentos, eu via claramente o que Deus expressava através daquelas palavras impressas, tinha a sensação inúmeras vezes de que eram escritas para aquele momento exato. Mas eu ainda estava presa nos pedaços multiformes do sofrimento.

O tempo passou, e o deserto das águas amargas fez-me ver que era totalmente necessária a peregrinação. A jornada foi penosa, e lenta. Deus, em sua infinita, exclusiva e soberana sabedoria ensinou-me a lição mais preciosa, posto crer que nada na vida de quem o serve é por acaso. Nem os literatos mais eloqüentes explicariam o tesouro encoberto que a Palavra Dele revelou-me: a humildade, o valor ao que é pequeno, aos limites humanos, as sensações que passam batidas na correria intensa de que somos vítimas e causadores. O deserto projetou em mim profundas marcas, a sequidão representou meu renascimento. Onde muitos veriam derrota eu enxergaria a construção de vitórias infindas. A restituição é natural e não deve ser imposta, acontece em meio à dor, não na cura, muitas vezes. Relegar sofrimento a derrotismo, só para quem nunca colheu as mais preciosas flores em meio a vastidão de areias quentes e áridas. Nem todos precisam passar esses reveses, é inato passar por triunfos e adversidades sem mutações; no meu caso foi salutar e necessário.

Diante do sofrimento, creio ser prudente olhar no âmbito da do indivíduo, em particular, generalizações e triunfalismos às vezes só atrapalham, e frustram. Lógico que palavras de ânimo são bem-vindas, mas o silêncio muitas vezes é a melhor palavra, a oração por alguém que sofre deve ser sábia nesse sentido. Nem sempre a "enfermidade é para morte", as chagas e os cacos de telha não devem ser amaldiçoados.

Como no conto de Kafka, a revolução foi benfazeja para as demais pessoas do círculo que o rodeava, o que denota que nem tudo que é ruim, propriamente é mau.





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Um comentário:

Lu disse...

ola sumida como vc ta? aparece no meu blog...boa semana bjao

A barata do Kafka e os nossos desertos.

Elídia Rosa Machado


A maioria das pessoas que possuem hábito de ler, e mesmo as que não têm, conhecem o conto “A metamorfose” de Franz Kafka. Nele um caixeiro viajante, Gregor Samsa, subitamente vê-se arrancado de sua pacata condição e rotina para transformar-se em uma nojenta barata (confesso que a repulsa pelo inseto a mim é quase fóbica) e com isso seu mundo repentinamente transforma-se num caos de sensações físicas e psicológicas desconfortáveis e desesperadoras. A escrita emblemática de Kafka leva-nos a um estranho desconforto quase palpável.

Diante dessa escrita, é possível fazer uma analogia como que o passei, há algum tempo atrás. De certa maneira, eu já me senti assim metamorfoseada do “dia para a noite” e sentindo o peso de meu mundo particular sob as espáduas... Poucos amigos, carreira e prestígio virando pó...tudo sob o casco frio e duro da rejeição. Nesses momentos, só conseguia olhar para a sensação horrível de transformar-se de repente em alguém que me causava repulsa. Comumente às pessoas que vêem-se mergulhados num tsunami de perdas, não vislumbramos nada fora do casulo de nossa dor. Ao abrir a Bíblia, em muitos desses momentos, eu via claramente o que Deus expressava através daquelas palavras impressas, tinha a sensação inúmeras vezes de que eram escritas para aquele momento exato. Mas eu ainda estava presa nos pedaços multiformes do sofrimento.

O tempo passou, e o deserto das águas amargas fez-me ver que era totalmente necessária a peregrinação. A jornada foi penosa, e lenta. Deus, em sua infinita, exclusiva e soberana sabedoria ensinou-me a lição mais preciosa, posto crer que nada na vida de quem o serve é por acaso. Nem os literatos mais eloqüentes explicariam o tesouro encoberto que a Palavra Dele revelou-me: a humildade, o valor ao que é pequeno, aos limites humanos, as sensações que passam batidas na correria intensa de que somos vítimas e causadores. O deserto projetou em mim profundas marcas, a sequidão representou meu renascimento. Onde muitos veriam derrota eu enxergaria a construção de vitórias infindas. A restituição é natural e não deve ser imposta, acontece em meio à dor, não na cura, muitas vezes. Relegar sofrimento a derrotismo, só para quem nunca colheu as mais preciosas flores em meio a vastidão de areias quentes e áridas. Nem todos precisam passar esses reveses, é inato passar por triunfos e adversidades sem mutações; no meu caso foi salutar e necessário.

Diante do sofrimento, creio ser prudente olhar no âmbito da do indivíduo, em particular, generalizações e triunfalismos às vezes só atrapalham, e frustram. Lógico que palavras de ânimo são bem-vindas, mas o silêncio muitas vezes é a melhor palavra, a oração por alguém que sofre deve ser sábia nesse sentido. Nem sempre a "enfermidade é para morte", as chagas e os cacos de telha não devem ser amaldiçoados.

Como no conto de Kafka, a revolução foi benfazeja para as demais pessoas do círculo que o rodeava, o que denota que nem tudo que é ruim, propriamente é mau.





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