domingo, 18 de outubro de 2009

Faço minhas as suas palavras...

Caras, bocas e a poeira da vida diária

Há um tempo um rapaz olhando meu perfil do Orkut que, aliás, quase nunca visito por absoluta falta de tempo, decidiu que deveria me difamar em nome de Deus, num blog. Agora vai ser mais fácil ainda porque estou no Twitter e no Facebook também. Falar mal de pessoas se baseando em informações vagas, bem este é um dos pecados mais antigos do homem. Difamar em nome de Deus, então é um hábito, quase uma obrigação religiosa. Na obrigação de “zelar” pelo bom nome do evangelho, procuramos honestamente trabalhar pelo mau nome de alguns infelizes, como algozes de uma santa inquisição evangélica. Mas difamar em blog é um privilégio de nossos cyber-tempos. Ah, quanta liberdade ao mal falar nos deu a internet!

Ao ver o blog difamatório fiquei pasma. Não achei que seria assunto de interesse das pessoas as comunidades do Orkut que num momento ou noutro achei interessantes e, pior, que isto poderia afetar o que as pessoas pensam do meu caráter. Ledo engano pensar que a música que escuto no carro, vai deixar de ser elemento de discussão religiosa. Na doença do celebridadismo que sofremos tudo é relevante. Basta assistir ao programa de fofocas da Rede TV, Bandeirantes, ou Globo, basta ver na Caras, que a marca de cueca que o Gianechini usa é D&G e que a Xuxa só se banha com leite importado de algum lugar caríssimo.

O mundo evangélico podia ser diferente, mas não é. Estamos em busca de uma transcendência absoluta. O líder religioso não é humano é semi-divino, deve ser persona, personalidade. Deve demonstrar uma superioridade absoluta, não pode se cansar, não pode “estar num mau dia” ou dolorido, ou amargo, ou num daqueles dias em que Deus se esconde na nuvem. Ele (ou ela, principalmente ela) tem que estar límpido, leve, divinamente inspirado em todo tempo, apresentar uma humildade distante e lustrosa, ser bonito, e se for mulher, magra, (homem não precisa, mas mulher, tem que ter formas de violão mesmo que seu objetivo não seja atrair ninguém sexualmente, aliás engordei muito ultimamente, orem por mim). Ele tem que orar de forma impressionante, de preferência com efeitos especiais, tem que falar manso, não pensar em dinheiro nunca, mesmo que passe necessidades, se não será mercenário. O certo é que seja explorado em todos os eventos dos quais participa (e esta é infelizmente quase a regra). Pior ainda, no meio evangélico suas falas serão gravadas e vendidas sem que você tenha direito a nenhuma merreca (porque não fazem assim com cantores?) e quando ganhar oferta na maioria das vezes será apenas o suficiente para o táxi de volta para casa. As celebridades de Caras (preferia a B...s quando existia) ganham para viverem esta vida escancarada. As nossas pagam para isto.

Esta é a regra do mercado, esta é a demanda do público, plebe ignara, ovelhas encurraladas numa cerca de preconceitos e dogmas, feridas demais, cansadas demais, emburrecidas demais, carentes demais para pensar por si só. Alguns compraram o pacote completo: pasto, cabresto e viseira. Ah, irmãos me desculpem, mas não posso aceitar isto. Não creio que as pessoas não saibam que todos nós, mesmo líderes, somos gente como qualquer outra gente. Gente de carne e osso, mais carne que osso muitas vezes. Temos nossos erros e acertos, pecados e perdões.

Quando fiz o bendito perfil no Orkut lia Morin e Capra (que descobri pelo blog são bruxos) como lia antes Yancey e Nouwen, ambos cristãos, (um batista outro católico) não pela sua religião mas pela sua lucidez. Hoje voltei aos crentes Mangalwadi e Ramachandra, mas como quase ninguém os conhece nem menciono. Pode ser que vão concluir que me converti ao hinduísmo.

Não basta ser cristão para ser honesto, ou sábio, ou inteligente. Tem muito cristão escrevendo por aí cujo ensino não vale a folha de papel em que está escrito. Morin e Capra são filósofos um da pedagogia outro da física e biologia, ambos tateando realidades com suas almas sedentas de Deus e de verdade, sede esta que não é exclusividade dos cristãos, que quem sabe se ao tatear também posso deparar-me com alguma verdade. A verdade de Deus é patente e manifesta no mundo para todos os que o buscam.

Escutei na voz de Damien Rice (que já enjoei) um desespero e uma angústia que eu precisava sentir para me comunicar de maneira compreensível com este mundo desesperado e angustiado. E também por gosto musical, mas será que pode? Pode gostar-se mais de Clapton do que de Kleber, de Elis do que de Aline, do John Coltrane do que do Kenny G? Temos que ter o direito ao gosto, pelo amor de Deus! Temos que ter o direito à vida, à arte, ao sublime, e não ser obrigados apenas a chafurdar no comercialismo gospel em nome de uma santidade que nem bíblica é.

Picasso disse que a arte tira do espírito a poeira da vida diária. Morro de medo quando vejo pintores evangélicos. Será que quando se disseminar a arte da pintura evangélica à ponto de dominar o mercado gospel, ainda poderei ver beleza nos pescoços compridos das mulheres de Modgliani, no cubismo de Picasso, ou terei que negar-lhes a sublimidade de sua arte só porque um era bêbado e o outro mulherengo?

Ai que medo deste totalitarismo religioso. Ai que medo de uma fé tão frágil de uma religião tão obtusa e obcecada consigo mesma, ai que medo de um povo tão grande, tão nobre, ao mesmo tempo tão pequeno e tão medíocre.

Bráulia Inês Ribeiro
está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM(Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)


FONTE:
http://www.eclesia.com.br/revistadet1.asp?cod_artigos=1107

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Faço minhas as suas palavras...

Caras, bocas e a poeira da vida diária

Há um tempo um rapaz olhando meu perfil do Orkut que, aliás, quase nunca visito por absoluta falta de tempo, decidiu que deveria me difamar em nome de Deus, num blog. Agora vai ser mais fácil ainda porque estou no Twitter e no Facebook também. Falar mal de pessoas se baseando em informações vagas, bem este é um dos pecados mais antigos do homem. Difamar em nome de Deus, então é um hábito, quase uma obrigação religiosa. Na obrigação de “zelar” pelo bom nome do evangelho, procuramos honestamente trabalhar pelo mau nome de alguns infelizes, como algozes de uma santa inquisição evangélica. Mas difamar em blog é um privilégio de nossos cyber-tempos. Ah, quanta liberdade ao mal falar nos deu a internet!

Ao ver o blog difamatório fiquei pasma. Não achei que seria assunto de interesse das pessoas as comunidades do Orkut que num momento ou noutro achei interessantes e, pior, que isto poderia afetar o que as pessoas pensam do meu caráter. Ledo engano pensar que a música que escuto no carro, vai deixar de ser elemento de discussão religiosa. Na doença do celebridadismo que sofremos tudo é relevante. Basta assistir ao programa de fofocas da Rede TV, Bandeirantes, ou Globo, basta ver na Caras, que a marca de cueca que o Gianechini usa é D&G e que a Xuxa só se banha com leite importado de algum lugar caríssimo.

O mundo evangélico podia ser diferente, mas não é. Estamos em busca de uma transcendência absoluta. O líder religioso não é humano é semi-divino, deve ser persona, personalidade. Deve demonstrar uma superioridade absoluta, não pode se cansar, não pode “estar num mau dia” ou dolorido, ou amargo, ou num daqueles dias em que Deus se esconde na nuvem. Ele (ou ela, principalmente ela) tem que estar límpido, leve, divinamente inspirado em todo tempo, apresentar uma humildade distante e lustrosa, ser bonito, e se for mulher, magra, (homem não precisa, mas mulher, tem que ter formas de violão mesmo que seu objetivo não seja atrair ninguém sexualmente, aliás engordei muito ultimamente, orem por mim). Ele tem que orar de forma impressionante, de preferência com efeitos especiais, tem que falar manso, não pensar em dinheiro nunca, mesmo que passe necessidades, se não será mercenário. O certo é que seja explorado em todos os eventos dos quais participa (e esta é infelizmente quase a regra). Pior ainda, no meio evangélico suas falas serão gravadas e vendidas sem que você tenha direito a nenhuma merreca (porque não fazem assim com cantores?) e quando ganhar oferta na maioria das vezes será apenas o suficiente para o táxi de volta para casa. As celebridades de Caras (preferia a B...s quando existia) ganham para viverem esta vida escancarada. As nossas pagam para isto.

Esta é a regra do mercado, esta é a demanda do público, plebe ignara, ovelhas encurraladas numa cerca de preconceitos e dogmas, feridas demais, cansadas demais, emburrecidas demais, carentes demais para pensar por si só. Alguns compraram o pacote completo: pasto, cabresto e viseira. Ah, irmãos me desculpem, mas não posso aceitar isto. Não creio que as pessoas não saibam que todos nós, mesmo líderes, somos gente como qualquer outra gente. Gente de carne e osso, mais carne que osso muitas vezes. Temos nossos erros e acertos, pecados e perdões.

Quando fiz o bendito perfil no Orkut lia Morin e Capra (que descobri pelo blog são bruxos) como lia antes Yancey e Nouwen, ambos cristãos, (um batista outro católico) não pela sua religião mas pela sua lucidez. Hoje voltei aos crentes Mangalwadi e Ramachandra, mas como quase ninguém os conhece nem menciono. Pode ser que vão concluir que me converti ao hinduísmo.

Não basta ser cristão para ser honesto, ou sábio, ou inteligente. Tem muito cristão escrevendo por aí cujo ensino não vale a folha de papel em que está escrito. Morin e Capra são filósofos um da pedagogia outro da física e biologia, ambos tateando realidades com suas almas sedentas de Deus e de verdade, sede esta que não é exclusividade dos cristãos, que quem sabe se ao tatear também posso deparar-me com alguma verdade. A verdade de Deus é patente e manifesta no mundo para todos os que o buscam.

Escutei na voz de Damien Rice (que já enjoei) um desespero e uma angústia que eu precisava sentir para me comunicar de maneira compreensível com este mundo desesperado e angustiado. E também por gosto musical, mas será que pode? Pode gostar-se mais de Clapton do que de Kleber, de Elis do que de Aline, do John Coltrane do que do Kenny G? Temos que ter o direito ao gosto, pelo amor de Deus! Temos que ter o direito à vida, à arte, ao sublime, e não ser obrigados apenas a chafurdar no comercialismo gospel em nome de uma santidade que nem bíblica é.

Picasso disse que a arte tira do espírito a poeira da vida diária. Morro de medo quando vejo pintores evangélicos. Será que quando se disseminar a arte da pintura evangélica à ponto de dominar o mercado gospel, ainda poderei ver beleza nos pescoços compridos das mulheres de Modgliani, no cubismo de Picasso, ou terei que negar-lhes a sublimidade de sua arte só porque um era bêbado e o outro mulherengo?

Ai que medo deste totalitarismo religioso. Ai que medo de uma fé tão frágil de uma religião tão obtusa e obcecada consigo mesma, ai que medo de um povo tão grande, tão nobre, ao mesmo tempo tão pequeno e tão medíocre.

Bráulia Inês Ribeiro
está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM(Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)


FONTE:
http://www.eclesia.com.br/revistadet1.asp?cod_artigos=1107