Não saí das
instituições religiosas por causa dos estudos.
Minha saída
começou bem antes, foi um processo longo.
Antes mesmo de
começar a estudar teologia...
Depois de mais
de 20 anos de trabalho “voluntário”
Que mais parece
trabalho escravo
Em que a gente
abre mão de coisas essenciais
Para parecer
que está “produzindo” com a esmola alheia
Sempre dependendo,
sempre dizendo ‘amém’, sempre ecoando
A vontade e a
verdade de quem pagava pra ver.
Sim, quem paga
manda, e não aceita questionamento.
Então cresci
num lar violento e narcisista
Onde o nome de
Deus é usado para justificar todo tipo de abuso
E só o que
somos permitidos a fazer é ‘orar para Deus mudar a situação’
Enquanto apanhamos
de novo, de novo e de novo,
Enquanto somos
humilhados por quem fala de nós pelas costas
E por manipulações
cruéis.
Assim cresci,
debaixo de violência física, psicológica, patrimonial.
E isso se estendeu
ao casamento, onde essas mesmas violências aconteceram.
E quando saí
disso, decidi dar um basta, fui taxada de herege, pecadora, desviada.
Mudei de “igreja”,
para uma que não levada em conta meu rótulo recém adquirido.
Mas lá fui
constantemente questionada, e os comentários e fofocas só aumentaram.
Comecei a
estudar “teologia” numa faculdade da denominação.
Segui sendo
doutrinada, porém questionando, começando a desconfiar do vazio das palavras, da
incompletude das pesquisas.
Tentei o
aprofundamento, busquei mais e além, segui no mestrado, em instituição
diferente, e as coisas começaram a aparecer: as incongruências, as
manipulações, as meias verdades.
Ainda tentei
mudar a instituição pelo lado de dentro, achando que conserto é possível, que
há boas intenções. Me dediquei ao treinamento missionário e fui aumentando meu
trabalho e alcance. Nesse ponto as sujeiras começaram a aparecer e me vi
enredada em corrupção e muitos outros tipos de violência, que não a física. O
trabalho escravo continuava, junto a crueldades e controle sobre as vidas, os
corpos e as mentes.
Quanto renunciei
a vida missionária, ainda tentei trabalhar na faculdade teológica que me formara.
Só encontrei condenação, desrespeito, doutrinação e aversão à pesquisa, ainda
que houvesse todo um teatro para manter a autorização do MEC.
Me desliguei da
igreja porque não encontrava mais um espaço acolhedor e verdadeiro.
E para manter a
sanidade, mantive-me nos estudos, a fim de buscar coerência e relevância pra
vida.
Ainda tentei caminhar
com grupos que não tinham compromisso institucional e se diziam mais humanos. Tentei
fazer parcerias com progressistas e líderes dentro de outras teologias. Me vi
diante de abusadores, manipuladores e machistas, completamente concentrados nas
mesmas estruturas de poder que tanto agora eu evitava.
Me afastei da
maior parte daqueles que me machucaram, e agora o que divulgo são trechos de
pesquisas, estudos, provocações para fazer pensar e leituras.
Assim me
aprofundo nas pesquisas, cada vez mais, tentando deixar um legado.
Não busco mais
amor, busco coerência, e ambos são cada vez mais raros de encontrar.
Ainda assim
vejo-me destratada por familiares, parentes, pessoas de perto e de longe, ouço
fofocas, calúnias, mentiras a meu respeito, e ainda me dizem que preciso amar e
perdoar.
Novamente Deus
é usado para manter as estruturas de opressão, de violência, e justificar a
manutenção da crueldade narcísica.
Não querem
viver sua espiritualidade, querem usá-la para controlar as vidas, os corpos e
as mentes das pessoas. Querem justificar condenação e preconceito, querem
simplesmente se colocar acima dos outros e como donos da verdade.
Hoje, minha fé
pessoal não diz respeito a quem se acha com a razão.
Amar não é
permitir abuso nem violência.
Amar não é viver
sob mentiras, como se nada estivesse acontecendo.
Amar não é não
ser capaz de reconhecer o quanto fere, o quanto transforma o outro em alvo de
colonização e desumanização.
Assim foi meu
processo de desligamento das instituições religiosas, de forma bem resumida.
No momento em
que você discorda, destoa, vira herege, um pária.
E assim caminho
cada vez mais sozinha, tentando ferir cada vez menos, tentando proteger os
outros de mim, e buscando deixar algo que preste para as próximas gerações,
quando os rótulos e palavras esmagadoras sobre mim forem finalmente esquecidas.
Angela Natel –
10/08/2021