
Iniciei minhas atividades no segundo ano da
faculdade de teologia com a proposta de estagiar num lar para idosos todas as
terças feiras pela manhã. O trabalho é simples, de capelania, através do qual
eu e mais duas colegas somos desafiadas no contato com as mais diversas
necessidades humanas.
Dentro desse ambiente, não pude deixar de notar
painéis eletrônicos espalhados pelas dependências
principais do lar. Já em meu segundo dia de estágio, percebi que todos piscavam
continuamente o número 23. Ao indagar o significado disso, foi-me dito que a
finalidade dos painéis era de avisar um morador com necessidades urgentes,
chamando enfermeiros. Como o número permanecia piscando por mais de meia hora e
nada se fazia, decidimos ir verificar a necessidade do morador do quarto 23.
Qual não foi a nossa surpresa quando nos deparamos
com um quarto trancado, vazio. Lá estava uma incógnita. Já que não havia
ninguém, por que o painel permanecia piscando esse número?
Interessante notar que a nossa conclusão foi
imediata: havia um mal contato nos fios, que mantinha o painel conectado ao
quarto 23. Depois virou piada entre as estagiárias, o ‘fantasma do quarto 23’,
que usamos com algumas enfermeiras mais tarde, para descontrair.
No mundo natural é muito fácil nos desvencilharmos das
aparências para buscar uma explicação mais aprofundada para determinada
situação. Parece que o mundo está muito melhor preparado para ir além da
superfície do que muitos cristãos.
Jesus abordou o problema da superficialidade em
Mateus 23, quando confrontou as multidões a respeito da religiosidade:
1 Então falou Jesus às multidões e aos seus
discípulos, dizendo:
2 Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e
fariseus.
3 Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e
observai; mas não façais conforme as suas obras; porque dizem e não praticam.
4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar,
e os põem aos ombros dos homens; mas eles mesmos nem com o dedo querem
movê-los.
5 Todas as suas obras eles fazem a fim de serem
vistos pelos homens; pois alargam os seus filactérios, e aumentam as franjas
dos seus mantos;
6 gostam do primeiro lugar nos banquetes, das
primeiras cadeiras nas sinagogas,
7 das saudações nas praças, e de serem chamados
pelos homens: Rabi.
8 Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi; porque
um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos.
9 E a ninguém sobre a terra chameis vosso pai;
porque um só é o vosso Pai, aquele que está nos céus.
10 Nem queirais ser chamados guias; porque um só é
o vosso Guia, que é o Cristo.
11 Mas o maior dentre vós há de ser vosso servo.
12 Qualquer, pois, que a si mesmo se exaltar, será
humilhado; e qualquer que a si mesmo se humilhar, será exaltado.
13 Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
porque fechais aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que
entrariam permitis entrar.
14 [Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
porque devorais as casas das viúvas e sob pretexto fazeis longas orações; por
isso recebereis maior condenação.]
15 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque
percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes
feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós.
16 Ai de vós, guias cegos! que dizeis: Quem jurar
pelo ouro do santuário, esse fica obrigado ao que jurou.
17 Insensatos e cegos! Pois qual é o maior; o ouro,
ou o santuário que santifica o ouro?
18 E: Quem jurar pelo altar, isso nada é; mas quem
jurar pela oferta que está sobre o altar, esse fica obrigado ao que jurou.
19 Cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar
que santifica a oferta?
20 Portanto, quem jurar pelo altar jura por ele e
por tudo quanto sobre ele está;
21 e quem jurar pelo santuário jura por ele e por
aquele que nele habita;
22 e quem jurar pelo céu jura pelo trono de Deus e
por aquele que nele está assentado.
23 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que
há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas
coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas.
24 Guias cegos! que coais um mosquito, e engulis um
camelo.
25 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estão cheios de
rapina e de intemperança.
26 Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo,
para que também o exterior se torne limpo.
27 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem
formosos, mas por dentro estão cheios de ossos e de toda imundícia.
28 Assim também vós exteriormente pareceis justos
aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.
29 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
porque edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos,
30 e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de
nossos pais, não teríamos sido cúmplices no derramar o sangue dos profetas.
31 Assim, vós testemunhais contra vós mesmos que
sois filhos daqueles que mataram os profetas.
32 Enchei vós, pois, a medida de vossos pais.
33 Serpentes, raça de víboras! como escapareis da
condenação do inferno?
34 Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios
e escribas: e a uns deles matareis e crucificareis; e a outros os perseguireis
de cidade em cidade;
35 para que sobre vós caia todo o sangue justo, que
foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de
Zacarias, filho de Baraquias, que mataste entre o santuário e o altar.
36 Em verdade vos digo que todas essas coisas hão
de vir sobre esta geração.
37 Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas,
apedrejas os que a ti são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus
filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o
quiseste!
38 Eis aí abandonada vos é a vossa casa.
39 Pois eu vos declaro que desde agora de modo
nenhum me vereis, até que digais: Bendito aquele que vem em nome do Senhor.
Quando Jesus aborda os princípios que agradam a
Deus, deixa bem claro que a superficialidade da religião é inútil diante do
verdadeiro arrependimento. Sinais externos piscando necessidades da carne,
fazendo barulho e chamando a atenção, não representam um verdadeiro
relacionamento com Deus e comprometimento com a verdade.
À medida em que nos aproximamos cada vez mais da
vida que há em Cristo Jesus e nos submetemos a conhecer cada vez mais Suas
Palavras (sem achar que nosso conhecimento básico e superficial vai nos
projetar automaticamente para dentro do Reino de Deus), vamos sendo trabalhados
em nosso caráter e prioridades.
Precisamos parar de julgar as pessoas pelo que
achamos certo ou errado, precisamos parar de piscar nossos sinais de alerta
quando uma imagem não se encaixa em nosso padrão de religiosidade. Precisamos
deixar de lado essa constante mania que temos de rotular aqueles que nos
rodeiam e parar de construir muros ao invés de derrubá-los.
A Igreja é para todos, assim como Jesus veio para
os doentes e pecadores. O que a Bíblia deixa em aberto não deve ser a base de
nossa fé e relacionamento mútuo. Somos chamados a desmascarar esse fantasma da
religiosidade em nosso meio.
Um sepulcro caiado (pintado de cal – branquinho por
fora, mas cheio de podridão por dentro) é como o fantasma do quarto 23 –
aparenta uma coisa, mas não passa de um quarto vazio com problemas técnicos.
Angela Natel