SARAY OU SHADDAY: QUANDO A SUBMISSÃO DA FIGURA DA DEUSA COLOCA TODAS AS MULHERES DEBAIXO DE VIOLÊNCIA.
Angela Natel[1]
“Shadday que a abençoa: as bênçãos [...] das mamas e do útero” (Gênesis 49,25[2]).
A expressão El Shadday aparece na Bíblia 48 vezes; geralmente conectada a benção da fertilidade[3]. Essas tradições podem trazer à tona um entendimento de Shadday como uma Deusa ou como seu epíteto[4]. Lederman-Daniely[5] trabalha a tese da relação do nome de Shadday com Saray e as tradições da Deusa que teriam sido domesticadas com a elaboração de uma figura feminina submissa ao sistema patriarcal e, consequentemente, sob mediação de uma Divindade masculina. O nome da Deusa aparece no livro de Gênesis, mas está escondido dentro do nome da primeira matriarca do povo de Israel: Saray. O grande argumento seria de não ser possível apagar as memórias de ritos e tradições relacionadas à Deusa sob o epíteto de Shadday, mas era possível reduzi-la a uma figura submissa e à serviço da ideologia sacerdotal pós exílica.
No caso da diferença entre Shadday (שדי) e Saray (שרי), tecnicamente, o intercâmbio das letras hebraicas D ד (dalet) e R ר (reish) é um fenômeno bem conhecido e difundido na pesquisa da crítica textual da Bíblia. Do ponto de vista paleográfico não há diferença nas inscrições antigas entre ר e ד, dependendo da decisão do copista. Esta flexibilidade é considerada uma correção inserida por razões teológicas. Porém não se trata de ‘correção’, mas da prevalência de um viés ideológico com o objetivo de preservar teologicamente os leitores sob controle de quem efetua essas modificações. A omissão da crítica textual com relação a esse viés é um sintoma colonial, uma vez que silencia o diverso e trata as perspectivas teológicas monoteístas como autoridade sobre a interpretação de textos cujo pano de fundo é politeísta ou, em pouquíssimos casos, efetivamente monolátrico.
Ainda é importante mencionar a intrigante narrativa de Gênesis 22 seria um indício das tradições da Deusa, em que o cordeiro preso num arbusto não é uma menção aleatória, mas de um símbolo no antigo Sudoeste Asiático – cordeiros entrelaçados com galhos de árvores simbolizam a Deusa Asherah e sua proteção. Assim, Saray, a Deusa Asherah, é provavelmente percebida nesta história como estando envolvida em salvar seu filho de ser morto.[6]
Em Êxodo 6,2-3 a elite sacerdotal pós-exílico apaga o nome da Deusa e sua relação com Yahweh. O redator explica que Deus era chamado "El Shadday” porque seu verdadeiro nome, Yahweh, não tinha sido revelado aos patriarcas. A antiga tradição na qual havia um resquício de Saray, a Deusa, foi rejeitado e o nome de Yahweh, sozinho, assumiu o controle de tradições posteriores. Assim, um poderoso instrumento nas mãos da elite religiosa pós exílica de controle da mentalidade e dos corpos das mulheres se torna eficaz: transforma a imagem da Deusa Asherah/Shadday, geradora de vida, numa figura idosa, sem forças, estéril, submissa a seu marido e dependente da vontade de um Deus masculino.
Quem era a Deusa mãe da antiga religião de Israel, a esposa do Deus Yahweh? Estudos arqueológicos e bíblico-literários se referem a ela como "Asherah", mas não conseguem explicar porque este nome não é mencionado no livro de Gênesis, um livro que retrata a formação da religião de Israel. Neste livro pioneiro, Dvora Lederman-Daniely dá uma resposta a esta enigmática questão. Com base em meticulosas pesquisas, ela argumenta que o nome da Deusa aparece no livro de Gênesis, mas está escondido dentro do nome da primeira matriarca humana do povo de Israel: Sarai. Além disso, imagens bíblicas e metáforas são despojadas e seu conteúdo mitológico ultrajante é exposto. Através de uma argumentação cuidadosa, Lederman-Daniely escava as próprias origens dos costumes e decretos judaítas expondo como eles encarnam a antiga adoração de uma Deusa que foi esposa de Yahweh.
Nesta live, Angela Natel começará a explanar o conteúdo da obra, capítulo a capítulo, tornando acessível seu entendimento, uma vez que não há tradução em português de seu conteúdo.
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[1] Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR, Brasil. Doutoranda em Teologia, Contato, cursos e publicações: https://linktr.ee/angelanatel
[2] NOVA BÍBLIA PASTORAL. São Paulo: Paulus, 2013.
[3] Cf. Gn 49,25.
[4] Cf. Lutzky, Harriet. “Shadday as a Goddess Epithet.” Vetus Testamentum 48, no. 1 (1998): 15–36. http://www.jstor.org/stable/1585459.
[5] Sarai: Is She the Goddess of Ancient Israel? Dvora Lederman-Daniely. Wipf and Stock Publishers 2021 ISBN 9781725298903
[6] Cf. LEDERMAN-DANIELY, 2021, p.48.
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